Elizabeth Olsen fala à ELLE sobre interpretar uma assassina em série da HBO

Baseada no crime cometido por Candy Montgomery, "Amor e morte" foi escrita por David E. Kelley, de "Big little lies".


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Baseadas na realidade, as séries de true crime costumam ter uma mulher como vítima e um homem como perpetrador. Mas em Amor e morte, escrita por David E. Kelley (Big little lies), cujos três primeiros episódios estão disponíveis na HBO Max, tanto a vítima quanto o assassino são mulheres.
Essa foi uma das coisas que chamaram a atenção da criadora Lesli Linka Glatter – que tem um currículo invejável como diretora, que vai de Twin Peaks a ER, passando por Homeland e Mad men –, ao ler as reportagens publicadas na revista Texas monthly, depois transformadas em livro pelos jornalistas John Bloom e Jim Atkinson. “Pensei: esta é uma história que não tinha como inventar, só podia ser real”, disse Glatter em entrevista com a participação da ELLE, por videoconferência.

Candy Montgomery (interpretada na série por Elizabeth Olsen) e Betty Gore (Lily Rabe, de American horror story) viviam na pacata Wylie, Texas, que na época do crime, 1980, contava apenas pouco mais de 3 mil habitantes. As duas cantavam juntas no coro da igreja, suas filhas eram melhores amigas. Ambas eram casadas com homens que trabalhavam no setor de tecnologia – Candy com Pat (Patrick Fugit, o garoto de Quase famosos, de 2000), e Betty com Allan (Jesse Plemons, que concorreu ao Oscar por Ataque dos cães, de 2021). Tinham, aparentemente, vidas perfeitas. Até que (cuidado, spoiler) Candy resolveu ter um caso com Allan e matou Betty com um machado, alegando depois legítima defesa.

“São duas mulheres que fizeram tudo o que supostamente deveriam fazer, ou seja, casaram-se aos 20 anos, tiveram filhos, criaram uma família em uma comunidade segura, que gira em torno da Igreja”, disse Glatter. “Mas, mesmo assim, têm um buraco em sua alma e em sua psique e tomam decisões muito erradas para tentar preenchê-lo. Mergulhar nessas personagens complexas, envolvidas em um crime horroroso, cometido de forma muito violenta e física, dava medo, mas era interessante.”

A história é tão surpreendente – até pelo resultado do julgamento, em que Candy confessou o crime, mas não foi considerada culpada – que já foi contada em um filme para a TV (A killing in a small town, de 1990, que rendeu o Emmy à atriz Barbara Hershey) e em uma minissérie (Candy, de 2022) protagonizada por Jessica Biel. Mas esta versão certamente vem com boas credenciais, por ser escrita por Kelley, especialista em histórias protagonizadas por mulheres.

“Candy é a única que sobreviveu, então o que aconteceu naquela lavanderia só sabemos sob seu ponto de vista”, disse Glatter. “Não é como em Rashomon (filme de 1950 dirigido por Akira Kurosawa em que vários personagens contam a sua versão de um estupro e um assassinato, incluindo a vítima, por meio de um médium), em que há diversas perspectivas. Nunca saberemos o que exatamente ocorreu. Mas explorar essa história é fascinante.”

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Elizabeth Olsen na série Divulgação

Para Olsen – que investigou como o amor e o luto podem provocar a fuga da realidade e depois a ira e a violência com a série WandaVision, sobre Wanda Maximoff, personagem da Marvel – foi um belo desafio, justamente porque nem todas as peças se encaixam e nem sempre dá para compreender Montgomery.

A atriz começou a atuar ainda criança, participando de projetos de suas irmãs mais velhas, Mary-Kate e Ashley, que fizeram sucesso na infância na série Três é demais e hoje são donas da grife The row. Mas depois Olsen abandonou a atuação, vendo a pressão exercida pela carreira de atriz sobre suas irmãs. Retornou já adulta, em 2011, com o longa Martha Marcy May Marlene (2011), de Sean Durkin, exibido em Sundance e em Cannes, pelo qual ela concorreu ao Film Independent Spirit Awards. No começo, privilegiou os filmes independentes e foi difícil de se livrar de ser associada a Mary-Kate e Ashley. Mas as coisas mudaram, especialmente depois de ela brilhar em WandaVision, que dava mais espaço para que mostrasse seus talentos.

Na entrevista a seguir, a atriz de 34 anos, que se casou durante a pandemia com o músico Robbie Arnett, falou com franqueza e simpatia sobre as dificuldades que teve em fazer Montgomery, uma personagem tão controversa.

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Como você conseguiu se conectar com Candy?
A razão pela qual disse sim a esse projeto foi porque senti que poderia me identificar com essa mulher ou pelo menos ter algum ponto de vista sobre ela. Há uma simplicidade nas coisas que ela quer na vida. Mas essas coisas com as quais todos sonhamos e que temos esperança de conseguir são, na verdade, incrivelmente difíceis e parecem impossíveis. Alguém que é “gente que faz” como ela luta para conseguir o que quer, quase de maneira neurótica. Esse foi meu caminho, essa tensão, essa obsessão. Não quero dizer que me identifiquei com ela porque sou como Candy. Espero que não seja por isso que eu tenha sentido uma conexão com ela. Ou talvez eu seja controladora, obsessiva e neurótica (risos).

De que forma essa mulher, que vive nessa comunidade pequena, religiosa, nos anos 1980, foi moldada por esse espaço?
Em tudo. Ainda mais sem acesso à internet. Ela estava completamente dependente das comunidades das quais fazia parte e daquele sistema de valores. Ela estava em uma bolha. A comunidade jogava pelas mesmas regras do ensino médio. E isso não é degradá-los ou desrespeitá-los, mas entendê-los.

Como construiu essa personagem tão difícil de compreender?
Comecei do fim e tentei entender como ela chegou até ali, para que suas escolhas se alinhassem de alguma maneira, porque são muito confusas. Felizmente, além do julgamento em si, tínhamos um livro como base, com a única entrevista de Candy, e informações sobre sua infância, cartas e diários. E aí tem também os aspectos externos – a voz, como anda e se comporta. Ouvi muita disco music, o gênero favorito dela.

“Como não é uma história fictícia, espero que não esteja livrando a barra de ninguém.”

O que os espectadores vão achar mais perturbador na série?
Algumas coisas que me incomodam. Nunca vivi algo assim, mas consigo imaginar como é horrível estar em uma situação absurda, lutando por sua vida. Não sei como agiria. Mas não entendo não compartilhar o que aconteceu com as autoridades o mais rápido possível ​​(Candy fugiu do local e somente depois alegou que tinha sido legítima defesa). Por isso, esse caso é interessante e confuso, pois, se Candy estava tão certa que se tratava de legítima defesa, por que não contaria isso logo para a polícia? Então, meu trabalho era pensar por que essa mulher não passaria essa informação. E imaginei que a obsessão de Candy com o que os outros pensam dela é um fator importante. Se tivesse de explicar para mim mesma o que houve, acho que ela pode ter ficado apavorada com o que iam pensar dela e esperado que tudo simplesmente desaparecesse. Porque Candy sabe que a opinião de todos sobre ela mudará depois daquele momento.

Candy é uma pessoa que foi legalmente absolvida, mas é considerada má por partes da sociedade estadunidense. Quais foram suas preocupações ao retratá-la?
Como não é uma história fictícia, espero que não esteja livrando a barra de ninguém. Não tentei desculpar nada, apenas entender e ser curiosa sobre o funcionamento da mente dessa pessoa. E, de certa forma, defendê-la, não de cometer um assassinato, mas sua experiência de vida e as escolhas que fez, sem tirar o impacto disso ter sido uma ocorrência real, que eu não posso controlar. Precisava só ter curiosidade sobre essa mulher e o que a levou a esse ato.

Quando você estava lendo o roteiro, houve algum momento em que disse: “Isso é impossível, não pode ser real”?
Várias vezes! Por exemplo, o uso da hipnose no tribunal. E até hoje é algo que pode ser usado em um julgamento, se ambas as partes concordarem, o que eu acho uma loucura.

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