“Esperança é um produto em falta hoje em dia”, diz Anne Hathaway

Atriz fala à ELLE sobre "Armageddon time", em que o diretor James Gray revisita sua infância nos Estados Unidos dos anos 80.


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Foto: Olivier Vigerie



Anne Hathaway entra no quarto do hotel em Cannes onde vai acontecer a entrevista e comenta, empolgada, sobre as espadrilles de uma das repórteres do pequeno grupo reunido para conversar com ela. “É tão terrível quando você acha que encontrou as espadrilles certas, mas daí percebe que não, que gastou dinheiro à toa”, disse.

A atriz, que completa 40 anos neste sábado (12.11), estava animada, um dia depois da sessão de gala de Armageddon time na competição do Festival de Cannes, em maio. Era sua primeira vez no badalado evento, e ela vestiu um modelo Armani Privé em duas peças, de paetês brancos, e um colar de safiras Bulgari.

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Anne Hathaway na pré-estreia de Armageddon Time, em Cannes Olivier Vigerie

No filme dirigido por James Gray, que tem entre seus produtores o brasileiro Rodrigo Teixeira, Hathaway interpreta Esther Graff. Ela é mãe de Paul (Banks Repeta), um garoto de 12 anos que, por causa das notas baixas e do mau comportamento, vai da escola pública para a privada, na Nova York de 1980, onde é hostilizado por Fred Trump (John Diehl), que vem a ser o pai de Donald Trump.
Esther é casada com o encanador Irving (Jeremy Strong, de Succession). Os dois acreditam ser progressistas, mas não hesitam em tentar afastar o filho de Johnny (Jaylin Webb), um garoto negro que praticamente não tem casa e sofre racismo diariamente. O longa ainda conta com Anthony Hopkins, que interpreta o avô do garoto.

O longa, que acaba de estrear no Brasil, é baseado na infância de James Gray (Ad Astra e Os donos da noite), examinando o que o diretor considera o nascimento de um país que só se preocupa com dinheiro, com a eleição de Ronald Reagan para a presidência, e também seus privilégios na comparação com seu amigo negro.

É um filme feito de pequenos momentos, sem acontecimentos grandiosos, mas que contém a grandeza e a pequenez da vida. A seguir, trechos da entrevista com a atriz:

Os dias que estamos vivendo parecem mesmo a hora do Armageddon, não? Especialmente aqui na Europa, com a guerra na Ucrânia.
É engraçado: você lê um roteiro, conecta-se com ele e conhece um cineasta que respeita. Tem um sentimento pela personagem e mergulha nela. Mas só ontem à noite (durante a exibição do filme) percebi que finalmente entendia o que Armageddon time poderia ser. E, para mim, este é um filme sobre como uma pessoa toma a primeira decisão adulta de sua vida, algo que acontece nos momentos finais (do longa). E, para mim, uma das partes mais emocionantes é o ponto de vista ser de 40 anos depois (dos acontecimentos). Agora podemos ver como as sementes que foram nutridas naquele momento cresceram, como floresceram, no diretor que faz o filme. Esta é a colheita.

Tem esperança no mundo, dada a situação?
Acho que a esperança é um produto em falta hoje em dia. Estou mais em um momento de fé. Tenho fé que os seres humanos acordem e façam a coisa certa. Porque tenho fé que, no fundo, sejamos uma espécie que se constrói no amor. Só que não conseguimos ver o que está por vir, não somos uma espécie que pode enxergar o que vai acontecer na próxima esquina. E assim devemos decidir hoje quais as sementes que queremos plantar e que serão colhidas em 40 anos. O filme faz essa afirmação: as escolhas que fazemos hoje, por mais insignificantes que pareçam, terão consequências. E devemos ser rigorosos em nosso processo de pensamento e de tomada de decisão, e é por isso que me preocupo com as espadrilles (risos). É isso que significa ser adulto, assumir essa responsabilidade.

Mas também continuaremos cometendo os mesmos erros.
Claro, somos humanos. Eu acho que nós realmente entendemos os erros em retrospectiva. Muitas vezes, quando estamos no processo de cometê-los, eles podem parecer a escolha certa. Acho muito importante permitir que a dor do passado sirva para nos ensinar a não cometer o mesmo erro.

O filme coloca para todos nós a questão: você se levantaria para defender o que é certo e lutar por pessoas que são menos privilegiadas? Como você lida com essa questão em sua vida?
Espero que todos estejam se educando sobre o que é ter privilégios. E que, ao cometer os erros que você vai praticar por ser humano, admita-os graciosamente, ouça, desculpe-se, aprenda. Esteja ciente de como o preconceito age e como os outros podem esperar que você participe dele. E então faça o oposto. Não é uma prescrição. É uma situação em curso, é uma questão de grande sensibilidade. E eu não quero soar como uma sabe-tudo, “faça essas coisas, e todos os problemas do mundo desaparecerão”. É muito mais complicado do que isso. Uma das razões pelas quais tive uma resposta tão forte ao filme é a conclusão de James Gray de que pode não fazer diferença. Pode não adiantar, mas faça de qualquer maneira. Porque é assim que seu caráter é formado.

Consegue identificar em sua vida o momento em que tomou uma grande decisão de adulto, como acontece no filme?
Essa é uma pergunta muito pessoal. Mas acho que parte do crescimento significa enfrentar um momento em que sua coragem falhou. Uma das coisas tristes da vida é que você nunca pode repetir um momento. Você só pode fazer uma escolha diferente na próxima vez.

Armageddon time fala disso, exatamente, não?
Isso. Achei o filme muito bem executado, mostrando como, de certa forma, o mesmo momento continua se apresentando, com consequências diferentes e muito mais sérias a cada vez. Paul acorda e se apresenta. Ele faz algo pelo qual todos nós na plateia queremos torcer, porque queremos um final feliz. E não acontece. Isso é diferente das histórias que nos foram contadas. E é tão importante continuar repetindo: “Faça mesmo assim”. Continue defendendo os outros, assumindo seus erros, fazendo o certo de qualquer maneira.

Sentiu o peso de interpretar a mãe de seu diretor? Ele era específico no que pedia?
A coisa adorável desse processo é que deixamos uma verdade abstrata existir. Assim James podia ver o que ele queria ver. E Jeremy e eu podíamos dar o que quiséssemos dar. Essas duas linhas se encontraram em algum lugar. Não foi um ponto preciso e específico. Não era: “Você deve dizer exatamente assim, porque foi exatamente assim que aconteceu”. Era um processo generoso que permitia imaginação, interpretação, mas sempre precisava parecer verdadeiro. E foi interessante construir algo sobre o sentimento de verdade, em vez de executar a precisão.

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