Fernanda Torres faz de podcast divã musical

Em "A playlist da minha vida", a atriz e escritora recebe convidados como Lulu Santos, Marisa Monte e Pabllo Vittar, que contam histórias sobre as músicas que marcaram suas trajetórias.


Fotos: Bob Wolfenson



Na playlist da vida de Fernanda Torres, há espaço tanto para “Chove chuva”, canção de Jorge Ben, mas na voz de Topo Gigio (personagem infantil criado no fim da década de 50), quanto “Piano Concerto No. 2”, com Tchaikovsky, que costumava tocar no rádio da sua casa.

A atriz, escritora e roteirista é desde o início deste mês também podcaster. Fernanda apresenta A playlist da minha vida, programa exclusivo da Deezer, em que já recebeu Marcelo D2, Gregório Duvivier e Mart’nália. Pelo divã musical de Fernanda passarão até o fim de maio Djamila Ribeiro, Drauzio Varella, Fábio Porchat, Gilberto Gil, Lulu Santos, Marisa Monte, Nelson Motta, Pabllo Vittar, Rita Von Hunty, Tati Bernardi e Sidarta Ribeiro. Todos escolheram 12 músicas que marcaram sua trajetória e contaram as histórias por trás delas. “Era uma maneira enviesada de ter uma conversa muito reveladora sobre as pessoas”, diz ela. 

Ainda este ano, Fernanda estreia na Globoplay O fim, adaptação de seu romance de 2013, com direção de Andrucha Waddington (marido da atriz) e Daniela Thomas, sua parceira “há milênios no cinema e no teatro”, além de Fábio Assunção e Marjorie Estiano no elenco.
Fernanda não gosta de contar sobre coisas que ainda não estão 100% consolidadas, mas adianta que tem um projeto no cinema e escreve um seriado curto que espera ver chegar às telas. “Eu vou sempre trabalhando para frente.”

Isso em meio a uma onda de trechos de Tapas & beijos, o seriado que protagonizou com Andrea Beltrão entre 2011 e 2015, resgatados no Instagram e no TikTok. “Eu já vi alguns, me mandam de vez em quando”, diz. “A minha sobrevida no meme.”

De Portugal, onde a atriz de 57 anos passa uma temporada, Fernanda conversou com a ELLE sobre o podcast, sua interdisciplinaridade, política e envelhecimento:

 

Como nasceu esse projeto? Era uma ideia sua ou foi um convite que chegou a você?
Foi a Deezer que me convidou, é um projeto que nasceu na BBC há um tempão. Outro dia, vi The Crown, e a Margareth, a irmã da rainha, estava dando entrevista para esse programa de rádio na BBC (Desert Island Discs). Era um programa de muito sucesso na França e em diversos países. E eu achei uma ideia tão interessante, nunca pensei em ter talk show, essas coisas, eu acho que não aguentaria, mas esse era tão específico. Achei que era uma maneira ótima de chegar nas pessoas sem ser, sei lá… Era uma maneira enviesada de ter uma conversa muito reveladora sobre as pessoas.

Você é uma pessoa musical, que sempre comprou muitos discos, que está a par das novidades?
Não, eu não sou o Charles (Gavin), dos Titãs, né? Ele seria uma pessoa incrível para isso, mas acho que a minha ignorância musical ajuda. Gosto muito do silêncio. Escrevo, corro, faço yoga em silêncio. Gosto de ouvir música no carro. No meu trabalho, sempre tem uma música envolvida. Não sou uma pessoa especialmente musical, mas, pensando, nenhum de nós vive desligado da música.

Ao longo das gravações, você foi entendendo o que faz uma música fazer parte da playlist da vida de uma pessoa? Existe um denominador comum entre todas essas listas?
Você consegue identificar muito da infância, quais são as músicas que os pais (do entrevistado) ouviam e que por isso fazem parte (da playlist). Tem sempre uma música da adolescência, da juventude, da maturidade. Você consegue meio que ver a história da pessoa. Mas aí vem o Lulu Santos, que só escolheu música para frente. O Reinaldo Azevedo só lembrou do período comunista da vida dele, uma coisa maravilhosa. Não tem “Bella Ciao”, mas poderia. Então, foi tão legal a conversa porque o Reinaldo revelou um lado dele… Ele virou um liberal. Ele fala uma frase maravilhosa: “Era muita pobreza para tanta ambição”. Pabllo Vittar, por exemplo, é muito nova e escuta muita música de agora.

“Já há algum tempo o meu filho me apresentou a MC Carol”

E isso te fez pensar nas suas músicas?
Nossa, foi um vício. Você começa a ouvir e começa a pensar quais são as (suas) músicas… E cada música é um pedaço da sua vida. Então, se você tirar uma, tira um pedaço inteiro. Às vezes, entrevistando, eu dizia: “Mas 12 músicas é muito”. Depois, fui fazer e era pouco, tanto que roubei e fiz o lado A e o B. Reparei que as pessoas escolhem as músicas, mas em torno de cada uma há uma série de outras faixas, que não são o lado A, mas são o lado B. A Marisa Monte canta um trecho do (filme) Rocky Horror Show, que ela cantou no Colégio Andrews (no Rio de Janeiro), na estreia dela em teatro e que eu assisti porque era amiga do Miguel Falabella, que dirigia. É uma música do lado B.

Você conseguiria citar três músicas que estão na sua playlist?
Tem “Chove chuva”, na voz do Topo Gigio, que é uma lembrança minha… O primeiro Jorge Ben a gente nunca esquece. Tem “Piano Concerto no. 2”, do Tchaikovsky, que tocava no rádio da cozinha lá de casa. Os meus pais faziam teatro, dormiam até tarde. De manhã era a cozinheira que dava comida para a gente e sempre rolava no rádio “tan-tan-tan-tan”.… Era a abertura do programa Haroldo de Andrade, que só contava desgraça, era uma manhã muito marcante, meio Nelson Rodrigues.

Seus filhos te trazem novidades, eles te alimentam musicalmente?
Nossa, eles me apresentam muita coisa que eu não saberia nem onde encontrar. Porque antes você ia numa loja de discos, comprava um LP, mesmo um CD, mas hoje em dia você tem que achar na plataforma, é uma loucura. Já há algum tempo o meu filho me apresentou a MC Carol. E os dois me mostraram alguns proibidões, tem um para todos os amigos que morreram, é uma música superimpressionante. E o meu filho mais velho toca piano. Então, de vez em quando me apresenta umas coisas boas, clássicas, que eu não conhecia.

(O podcast) é uma coisa entre literatura e cinema” 

Você já escutava podcast?
Ah, desde a pandemia. Fui aprender italiano, achei que era uma boa hora de usar o meu tempo para fazer alguma coisa, e aí ouvi uns audiobooks alucinantes em italiano, com uns atores incríveis. E é a minha profissão. O Walmor Chagas dizia que você lê um texto e não entende, aí o ator lê e você entende. E junto disso os podcasts começaram a vir com muita força, no The New York Times, o Foro de Teresina, a Rádio Novelo, o Mano a Mano, a Tati (Bernardi, que apresenta Meu inconsciente coletivo). Muito programa bom e que você pode ouvir fazendo outras coisas – correndo, andando, no carro e eu adoro. Eu já gostava de rádio, eu acho a coisa do “só escutar” muito civilizada.

Você tem programas preferidos? Mencionou o do Mano Brown…
Do Mano Brown (Mano a mano), muito. Acho o maior barato aquele podcast. Não sei em qual dos programas ele disse que era muito marrento e uma hora cansou. E aí ele resolveu ouvir as pessoas e o podcast era meio parte daquilo, da abertura dele para o mundo. Adorei. O Foro de Teresina (podcast de política da revista piauí), excelente, sempre, esse é quase um hábito mesmo. O Ezra Klein (jornalista e analista de política, que apresenta o The Ezra Klein Show), no The New York Times. Rádio Novelo (produtora de podcasts) e o da Ângela Diniz (Praia dos ossos) é extraordinário, parece filme. É engraçado porque (o podcast) é uma coisa entre literatura e cinema. É uma experiência pessoal com a sua imaginação, como a literatura. Mas, ao mesmo tempo, ela atiça o lado visual e não dá tanto trabalho quanto ler, ela é mais facinha.

Você lança livros, apresenta podcast, escreve para TV. O que vem antes: os convites ou sua vontade de fazer determinada coisa?
Acho que hoje em dia é tudo muito pulverizado. Você tem N maneiras de estar no mundo. Quando comecei, você diversificava ou na TV, ou no cinema ou no teatro. Aí, acrescentei nessa roda crônica e literatura. Mas o mundo anda muito. A atividade artística pode acontecer de muitas maneiras. Outro dia, gravei um conto da Clarice Lispector que Princeton (universidade estadunidense) gravou com um bando de gente. Fiquei em casa umas quatro horas gravando e editando por puro prazer. Hoje em dia a tecnologia te permite isso. Então, não consigo mais dizer: eu só atuo, só escrevo. Uma coisa interfere na outra. O processo desse podcast não é diferente do processo de um roteiro, de uma filmagem, de uma edição.

“Não consigo mais dizer: eu só atuo, só escrevo. Uma coisa interfere na outra”

É tudo fluido?
Não, as coisas vêm por necessidade. Escrevi O fim (2013) e A glória e seu cortejo de horrores (2017). Eu estava há três anos fazendo Tapas & beijos, que era uma filmagem industrial, toda a semana. E eu acho que o livro meio que me fez escapar para outro lado. Depois, quando acabou o Tapas e fui escrever mesmo, tive saudade de ter uma atividade como atriz, que é física. Você vai mudando conforme a sua necessidade, procurando outras coisas. E aí, de vez em quando, vem outros convites assim, como esse da Deezer, bem surpreendente.

Como você está vendo esse momento político agora, que está em Portugal, olhando o Brasil de fora? Como analisa o que aconteceu em 8 de janeiro?
Nossa, uma hora fiquei me perguntando se iria ter país para eu voltar. Assistir aquela posse incrível – nunca mais nenhuma será como ela –, o outro fez o favor de não aparecer, a Janja arrebentou. Falei: “Nossa!”. Aí, veio 8 de janeiro… Comecei a procurar notícia. Você sabe que a minha crônica hoje (na Folha de S.Paulo) é sobre isso. A melhor entrevista ou cobertura – eu fiquei procurando – foi no Brasil 247, uma entrevista com o Flávio Dino (ministro da justiça), em ele contou muito relaxadamente o minuto a minuto dele no domingo (8 de janeiro). Fiquei com vontade de alguém fazer o minuto a minuto do Cappelli (Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça), do Lula, da Janja, do (Alexandre de) Moraes. É muito impressionante o Dino contando a hora que ele chegou na janela e viu (a invasão), de como fez uma intervenção no Distrito Federal por Whatsapp. Aquilo poderia descambar para um golpe, realmente, e eles pilotaram bem. Estou feliz de ter um país para voltar. Acho também que essa tragédia toda, os loucos, impuseram limites e que talvez daqui a pouco já esqueçam. Mas por um tempo haverá um limite de “olha, daqui pra lá, por mais liberal na economia, por mais Paulo Guedes (ministro da economia no governo Bolsonaro) que você seja, não dá”.

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Mudando de assunto, sua relação com a endorfina parece muito forte, a yoga, o boxe, a corrida.
Eu estou mais velha, mais cansada. Então, hoje em dia eu me esforço mais.

Mas a yoga é um caso antigo.
É que a yoga não tem nada igual, não conheço nada que faça aquilo que ela faz. Mas já não sou tão acrobática, hoje com menos já está bom. Descobri que o boxe é excelente, o professor me botou para subir escada, que é uma coisa horrível, mas que funciona muito. Chato, né, gente? A vontade é deixar a peteca  cair, mas você tem medo de se arrepender.

E como você tem sentido essa passagem de anos? Quais foram os ganhos e perdas, como você tem observado isso?
Os ganhos acho que é a maturidade, mesmo. Acho que quando você é novo, parece que tem que conquistar um lugar no mundo e que alguém pode tomar o seu lugar. Tem uma ansiedade muito grande das coisas não acontecerem. Hoje, eu tenho mais relaxamento quanto ao meu lugar, o que é meu é meu. Saber que se você botar energia, se você investir, aquilo ali vai virar. Você pode até errar, ser ruim, mas aquilo te pertence. Você ir trabalhar sem achar que tem que provar nada, pelo processo. Você sabe que se você trabalhar honestamente, talvez, os deuses irão para você, talvez não, mas o processo que importa, eu acho que a maturidade é muito boa nisso.

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