Cruella mistura criança punk com estilista dos anos 1970

A definição é da inglesa Jenny Beavan, que criou os looks da vilã, interpretada por Emma Stone. Confira a entrevista exclusiva com a figurinista indicada ao Oscar.


aIsQiPTs origin 154
Foto: Divulgação/ Disney



Mais de cem pessoas trabalharam para criar os 45 figurinos de Cruella De Vil, a vilã da animação 101 Dálmatas (1961) e agora protagonista de um novo live-action da Disney, estrelado por Emma Stone. Para vestir a estilista tresloucada, obcecada por peles de animais, o estúdio convocou uma figurinista de peso: Jenny Beavan.

Em 2016, a inglesa roubou a cena durante a cerimônia do Oscar por usar jeans e uma jaqueta de couro (falso) para receber o prêmio de figurino do ano, por seu trabalho em Mad Max: estrada da fúria. Ela já havia levado a estatueta em 1987 por Uma janela para o amor e foi indicada à premiação outras oito vezes, por longas como Razão e sensibilidade (1995) e Assassinato em Gosford Park (2002), numa carreira de mais de quatro décadas.

Jenny Beavan

Jenny Beavam durante o Oscar 2016, quando levou a estatueta de melhor figurino.Getty Images

Cruella é uma prequela do live-action com Glenn Close, 101 Dálmatas. No longa de 1996, a estilista planeja roubar filhotes de dálmata para fazer um casaco de pele extravagante. Já o novo filme se passa na Londres dos anos 70, em meio à explosão do punk, e mostra como Estella (Emma Stone) se tornou Cruella — o longa ainda conta com Emma Thompson como a Baronesa Von Hellman, uma importante personalidade da moda.

Assim como a vilã, Jenny, 71 anos, começou a construir sua carreira na moda durante a revolução punk. Ela, no entanto, não se tornou uma estilista obcecada por pele de animais — pelo contrário, Beavan garante que toda pele usada no figurino de Cruella é falsa. “Não usamos nenhuma pele de animal. Eu, pessoalmente, sou a favor dos direitos dos animais e odeio até peças muito antigas feitas com pele animal. O padrão de dálmatas, por exemplo, foi impresso em um tecido feito de pele falsa e veludo. Mesmo os figurantes usaram peles falsas”, conta.

Emma Stone Cruella

Emma Stone como Cruella De Vil, a estilista obcecada por peles de animais.Divulgação/ Disney

“Não usamos nenhuma pele de animal. O padrão de dálmatas, por exemplo, foi impresso em um tecido feito de pele falsa e veludo”

Fã do figurinista Piero Tosi (de longas como O leopardo, de 1963, e Morte em Veneza, de 1971, ambos de Luchino Visconti), Jenny começou sua carreira como cenógrafa no teatro, e caminhou, sem querer, para o cinema. “Por acaso, um amigo produtor de filmes precisou de ajuda para montar alguns figurinos para (a atriz) Dame Peggy Ashcroft, que estava viajando à Índia para participar de um filme da (produtora) Merchant Ivory em Jodhpur”, conta Jenny.

A figurinista conversou com a ELLE Brasil sobre suas experiências no cinema, projetos futuros e Cruella, que estreia na próxima quinta-feira, 27.05, nos cinemas e no dia seguinte na plataforma Disney+.

Quantas pessoas trabalharam na equipe de Cruella?
Foi uma das maiores equipes com que já trabalhei — acredito que eram cerca de cem pessoas entre desenvolvimento e set, mais algumas trabalhando fora disso. Tínhamos três designers-assistentes, seis cortadores com seu time de costureiras e mais seis no set, no mínimo, para os arranjos finais. Era enorme!

Como foi seu dia a dia nos sets de filmagem?
Depende se estávamos gravando ou regravando uma cena. No dia em que chegavam novos figurinos no set, eu geralmente estava lá bem cedo para conferir tudo com a equipe e ter certeza que todos sabiam qual ator iria vestir o quê. Eu costumo distribuir fotos do look completo, mas há sempre ângulos para se colocar um chapéu ou formas de amarrar um lenço no pescoço… E uma vez que um figurino está sendo filmado, ele deve estar absolutamente certo, toda a preparação culmina neste momento.

Os croquis e desenhos que vemos Cruella esboçando no filme são criações suas?
Sim e não. Eu fui responsável pelos figurinos no geral, mas tinha outras pessoas trabalhando comigo, como o artista Thom Botwood, que desenhou tudo que seria assinado pela Estella e o display da vitrine da Liberty. Ele era os olhos da Cruella!



Você viveu na Londres dos anos 1970. Trouxe alguma de suas observações pessoais da época para o figurino de Cruella?
Mais ou menos. Mas quando vi os atores e figurantes caracterizados em seus papéis, voltei no tempo e lembrei de roupas que eu usava há 50 anos e não lembrava mais! Foi uma verdadeira jornada ao meu passado!

Como você descreveria o estilo da Cruella?
Ele mistura ares de uma criança punk com uma estilista sofisticada dos anos 1970.

Como foi feita a cena em que a capa branca da Cruella pega fogo para revelar um vestido vermelho?
São efeitos visuais ancorados em possibilidades. Fingi que o fio de fogo estava costurado como qualquer outro na capa branca. E quando ele de fato pegou fogo, levou o resto da capa com ele. Mas é tudo efeito visual.

vsFpeA9g image 16

Disney

As animações têm mais liberdade para brincar com proporções exageradas nos corpos e nas roupas, algo que parece um pouco difícil de adaptar para um live-action. Como foi trabalhar com esses elementos em Cruella?

Eu nem tentei! Vi a animação, 101 Dálmatas, apenas uma vez, e depois o live-action com Glenn Close. Daí já mergulhei na história dos personagens desta versão.

Você conseguiria escolher seu trabalho preferido até agora?
Não consigo te dizer um favorito. Amo Vestígios do dia (1993), não só porque é um filme cujo figurino conta uma história, mas porque acredito que ele seja completo de várias maneiras. Tenho orgulho de A Cura (2016) e Mad Max: estrada da fúria (2015) porque eles são muito diferentes um do outro. E acredito que terei muito orgulho de Cruella.

Você ganhou um Oscar por Mad Max: estrada da fúria. Como foi imaginar um guarda-roupa inteiro para um universo fictício?
O (diretor) George Miller foi muito claro quanto aos parâmetros da Terra Perdida. Tudo tinha que ter tido um propósito no passado e ter sido readaptado no presente. Nada era puramente decorativo, mas nem por isso podia deixar de ser bonito. Eram boas bases para se trabalhar. Pensei nas roupas como funcionais, não decorativas. Todas aquelas máscaras eram feitas para pessoas que não podiam mais respirar sem ajuda — será que o mundo vai ser assim após a Covid-19?

Soube que você e sua equipe enfrentaram alguns desafios ao filmar no deserto. Quais foram?
Areia e poeira! A Namíbia é um país belíssimo, com pessoas muito queridas, mas muito longe de suprimentos.

Quais seus próximos projetos?
Depois de White Bird (com Gillian Anderson e Helen Mirren) que estou gravando em Budapeste, vou começar a trabalhar em Furiosa, uma prequela de Mad Max: estrada da fúria.

Para terminar, se e você for indicada ao Oscar por seu trabalho em Cruella, veremos alguns casacos de pele (falsa) dálmata no palco?
Vamos esperar e ver o que acontece, quem sabe?

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes