Figurinos do Theatro Municipal ganham vida nova fora dos palcos
Performance no Centro Cultural São Paulo recupera memória de looks históricos de balés e óperas sob novas perspectivas e contextos socioculturais.
Existem 18 mil peças de roupas no acervo de figurinos de produções líricas e de dança do Theatro Municipal de São Paulo. São uns 5 mil looks vistos apenas em cima dos palcos, em balés e óperas como Paraíso Perdido, Sagração da Primavera, Baile na Roça, Madame Butterfly, Turandot, O Rouxinol e Orfeu. São elementos da história e memória cultural nacional, porém trancafiados em depósitos, uma vez findada as apresentações das quais fizeram parte. E que o não é presente (ou vivo), dificilmente é lembrado, logo quase sempre esquecido.
Entre sábado e domingo (12 e 13 de dezembro), das 10h às 18h, uma performance (ao vivo e transmitida por Instagram) no Centro Cultural São Paulo pretende mudar esse cenário. Em “Do Palco às Ruas”, 80 daqueles figurinos serão reinterpretados sob novas perspectivas criativas por 26 profissionais de moda e beleza. São nomes como Edgar Azevedo, Rafa Kennedy, Karla Brights e Pedro Pinho, na fotografia, e Maika Mano, Vicenta Perrotta, Weider Silveiro, Dudux Araujo, Day Molina e Stra. Suzy, no styling e produção de moda.
“Procuramos, como equipamento cultural, refletir os temas mais urgentes no sistema da moda e na sociedade”, diz a diretora do CCSP, Erika Palomino, sobre a escolha dos artistas. “Refletimos muito sobre a ideia de quem foi que usou e/ou viu esses figurinos em suas montagens originais. De forma que os times são compostos por estilistas, fotógrafes, maquiadoras e modeles negras e negros, indígenas e trans, trazendo corpas e corpos dissidentes para vestir essas roupas.”
É uma ideia bem próxima àquela narrada por Emicida no documentário Emicida: AmarElo – é tudo para ontem. Disponível na Netflix desde 8/12, o filme dirigido por Fred Ouro Preto, com realização da Laboratório Fantasma e produção de Evandro Fióti, irmão e sócio do rapper, mescla cenas da apresentação do rapper no Theatro Municipal de São Paulo, em 2019, com os últimos cem anos da história da cultura negra no Brasil. “Com peculiar sincronicidade, ‘Do Palco às Ruas’, de alguma maneira, dá continuidade a essa ocupação de que o Emicida fala e que se relaciona também com outros espetáculos feitos exclusivamente por artistas negras, negros e trans e óperas feministas como ‘Prism’, por exemplo, que chegaram ao palco do teatro no ano passado”, pontua a diretora e colunista de ELLE.
A imersão no acervo do Theatro Municipal começou em 2019. O processo de pesquisa envolveu visitas técnicas, apreciação de cerca de 100 horas de vídeos do Balé da Cidade de São Paulo e 200 horas dos vídeos da Ópera do Theatro Municipal. Numa primeira etapa, foram selecionadas 745 peças que, entre setembro e janeiro de 2020, foram catalogadas por linguagem, ano de produção, estilista/figurinista. Depois, uma nova edição chegou a 141 trajes de cena e acessórios.
Modelo: Gzebel | Foto: Artur Cunha
“Fizemos uma pesquisa histórica de cada uma dessas peças, quem as usou, em que contexto, sua relevância naquele cenário e época, o processo de criação daquele figurino, bem como quem foi seu criador e qual era sua intenção”, explica a pesquisadora e antropóloga Vivi Junqueira, uma das responsáveis pela catalogação das roupas e acessórios. “Ampliando o acesso a esse tipo de informação e produção cultural, disponibilizamos conhecimento para todo mundo que usa a moda como plataforma de criação e forma de expressão”, continua ela.
Sobre o processo de seleção dos itens, Vivi conta que, junto a Erika, decidiram fazer alguns recortes, como dar preferência às figurinistas mulheres e também à usabilidade das roupas, “para permitir uma interação mais ampla pelos estilistas e stylists”, explica. Segundo Palomino, a intenção era que as “peças pudessem ganhar novos significados à luz do vestir atual, pensando já na sobreposição dos comentários estéticos e políticos que as pessoas convidadas para editá-los pudessem acrescentar”.
A performance acontecerá na Praça das Bibliotecas, numa espécie de camarim aberto ao público e espalhada pelo CCSP, onde os 16 times de profissionais registrarão em fotos e vídeos suas interpretações sobre aquelas roupas e acessórios. “Não quisemos tentar reproduzir uma situação de passarela nem
criar outras ações performativas. O processo já é a performance”, comenta Erika. Para o ano que vem, um videoclipe, realizado pelo Coletivo Coletores, um documentário, feito pela Black Pipe, e um catálogo (impresso e online) darão conta de expor e divulgar o resultado final.
“Um dos objetivos do projeto é despertar a sensibilidade das pessoas ‘da moda’ para o fazer artístico e para outras linguagens. Além disso, olhar para a memória de uma maneira jovem e sedutora sem dúvida desperta interesse sobre a preservação dos patrimônios culturais. Tirar essas roupas do palco e trazê-las para as ruas é sobre isso também”, finaliza Erika.
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