Jaloo retoma a cultura paraense com o duo Strobo

Na receita musical do trio Os amantes, cabem Dire Straits e tecnobrega, indietrônico e lambada: "A gente atirou no Daft Punk e acertou no Beto Barbosa", diz o guitarrista Leo Chermont.


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Jaloo fez um movimento incomum para lançar seu terceiro disco: aos 33 anos, o músico e produtor musical paraense colocou de lado uma carreira solo até aqui bem-sucedida e se uniu ao duo instrumental também paraense Strobo para formar uma terceira entidade, batizada Os amantes. Agora um trio, Jaloo, o guitarrista Leo Chermont e o baterista Arthur Kunz, ambos com 38 anos, mantiveram o pop eletrônico e o experimentalismo que pontuaram os trabalhos anteriores, mas desta vez deixaram aflorar como nunca as identidades musicais paraenses, antes menos explícitas.

Tiveram que enfrentar não apenas a pandemia, mas também condições geográficas complexas para concretizar o encontro musical. Leo permanece morando em Belém, enquanto Jaloo vive em São Paulo desde 2012. Arthur também mora em São Paulo, mas se viu forçado a passar uma temporada em Belém no início da quarentena. “Quando a gente via, não tinha o aluguel do mês que vem”, explica. Além disso, a família foi apanhada pela covid-19, que levou sua mãe. Até 2020, Leo e Arthur excursionavam como músicos de Marina Lima na turnê do disco Novas famílias (2018), interrompida pela pandemia.

Em uma conversa por videoconferência, um em Belém e dois em São Paulo, o trio explicou a logística da produção à distância. Mesmo sozinho em casa, Jaloo conversa usando uma máscara da turma da Mônica – “preciso preservar minha imagem”, brinca, com ironia característica. O nome do trio evoca o clássico da nouvelle vague Os amantes (1958), do cineasta francês Louis Malle, mas para soltar a voz nas canções melódicas do novo projeto Jaloo concebeu um personagem, Amado, evocando desta vez a “Amada amante” (1971), de Roberto Carlos. Na rica receita musical dos Amantes, cabem nouvelle vague e jovem guarda, Dire Straits e tecnobrega, indietrônico e lambada, punk rock e levadas caribenhas, com acento quase sempre marcado nas dicções do Pará. “A gente atirou no Daft Punk e acertou no Beto Barbosa”, diverte-se Leo, falando do sítio onde mora, numa reserva florestal a 30 quilômetros de Belém, enquanto transfere mudas de plantas para o chão paraense. A mistura total de referências transparece na música, em canções alegres como “Cotijuba”, “Ninguém” e “Linda”. A seguir, nossa conversa com o trio:


Os Amantes – Linda (Jaloo, Strobo)

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Como é fazer música à distância?
Jaloo: Acho ótimo. É legal fazer junto também. “Ninguém” nasceu junto, “Cotijuba” também, mas algumas foram finalizadas por batalha de WeTransfer, como a gente chama. Agora a gente usa um drive, coloca nas pastas, mas antes expirava, alguém mexia, perdia, foi uma loucura.
Leo Chermont: Nós nos encontramos para compor as músicas. Isso é o mais importante, ter as músicas. Como eu, Jaloo e Arthur somos produtores musicais, se a gente tem os BPMs, as tonalidades, é mais ou menos uma fórmula. Depois, Jaloo escreveu as letras, com calma, e a gente foi gravando como dava.

Os Amantes ficou um disco bem paraense, o que não era tão explícito nem no trabalho do Strobo nem no do Jaloo, não?
Jaloo: Acho que foi um movimento natural de ambos. A gente tem nossa relação com a música pop mundial, a world music. Adoro outras referências musicais, também de periferia do mundo, funk carioca, kuduro, mas a gente tem nossas heranças paraenses e quando os três se juntaram foi muito natural que isso acabasse saindo.
Leo: Ninguém falou muito como tinha que fazer, só fomos fazendo. Ninguém pensou “‘Linda’ vai ser meio lambada”. Pegamos a banda do Mark Knopfler (Dire Straits) como inspiração para fazer “Bye!”, e ficou outra viagem. A gente usou porque sabia que o pessoal daqui (do Pará) gostava, os guitarristas sempre tiveram essa viagem.
Jaloo: Durante a construção do disco, a gente ouviu muito do que já foi feito nas décadas passadas na música brasileira. Mas a gente é agora, ser humano nascido, criado e vivo em 2021. Por exemplo, “Bye!” é sobre ghosting, uma coisa que não existia antes dessa forma, de alguém simplesmente não te responder mais. É isso, a gente ama Novos Baianos, Mutantes, Doces Bárbaros, mas temos os recursos de hoje, então divirtam-se. Tentamos deixar o mais atual possível. Busquei outros lugares na minha voz. Estou caminhando para um lugar cada vez mais elétrico, e nos Amantes vou por um caminho totalmente contrário. Isso é legal para mostrar versatilidade, como fã de RuPaul Drag Race (risos). E fomos percebendo que era uma coisa nova, uma terceira coisa, e acabamos criando todo um conceito. Adoro um conceito, né? A gente se divertiu fazendo os clipes, todos no Pará, era importante que fosse. Estou construindo narrativas, me divertindo. Cheguei num momento da minha vida em que não sabia mais se estava me divertindo, agora voltei a me divertir. O vocalista dos Amantes, o Amado, tem uma história própria. Ele é um menino que nasceu no desembocar do rio atlântico, então é meio sem mundo, nasceu num barco. E ele é muito livre, muito solto, ama todo mundo. Jaloo está postando umas coisas muito ousadas, então estou planejando o Amado assumir o Instagram.

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Foto: Divulgação/Maíra Henriques

Como é a história de “Cotijuba”?
Jaloo: Cotijuba é um lugar incrível, lindo de morrer, que fica em Belém (é uma ilha a 22 quilômetros da capital). No dia que a gente se reuniu para compor, descobriu que os três nunca tinham indo para lá. E fomos para fazer o clipe, olha que doideira. O clipe é só isso, a gente indo para Cotijuba, ligando a câmera, parando para almoçar e tomar uma cervejinha, entrando no barco. Transformamos isso em música, para falar de como o Pará é gigante, é rico e, por mais que você passe a vida inteira explorando aquele lugar, não vai conhecer por inteiro. Isso é mágico. Eu exploro menos o Pará que os meninos. Não viajava tanto por conta dos meus pais, que não tinham dinheiro.
Arthur Kunz: Isso tem muito a ver com o Brasil, com a identidade que a gente acabou perdendo, deixando de se apropriar. Meu pai é gaúcho, morei em Canoas dos 2 aos 10 anos, e mesmo morando lá não conheci muitos lugares. O Brasil não conhece o Brasil. Essa música saiu num momento histórico bom, em que as pessoas estão começando a se ligar que têm que voltar a se apropriar dos símbolos do nosso lugar.
Jaloo: Essa aproximação com o Pará não foi muito consciente. Foi meu inconsciente trabalhando, ele está precisando muito fazer as pazes. Fiz esse êxodo lá em 2012 e ainda vivo em São Paulo mais por questões pessoais que preciso resolver do que porque realmente quero. Estou muito feliz de ter feito essas pazes, mais conectado com a minha família. Mas foi algo que chegou e eu só abracei.

Como é a cidade onde você nasceu, Castanhal?
Jaloo: Tudo que sou hoje, a maneira que me comunico, o jeito tímido e receoso de me mostrar demais, tudo faz parte da minha criação numa cidade que não é pequena, mas onde todo mundo se conhece. Sou de família simples, minha mãe é professora, meu pai era vigia noturno. Tenho duas irmãs, a mais nova evangélica casada com o filho do pastor, e a mais velha sapatão, caminhoneira, se assumiu aos 13 anos – eu tinha 10. Todas essas vivências me construíram e me fazem muito bem quando volto para elas. Me sinto mais forte e mais autêntico. Gosto muito da natureza da Amazônia, os arredores da cidade são cercados por pequenos rios, que a gente chama de igarapés.

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Foto: Divulgação/Maíra Henriques

Suas feições são muito indígenas, você conhece essas origens?
Jaloo: É um dos próximos passos. Minha mãe não se sente muito confortável de falar sobre as origens dela, já até tentei ter essa conversa. Ela teve uma infância muito difícil, trabalhou em casas de outras famílias e passou por situações. Eu não sei o nome da minha bisavó, que era índia de fato. A última vez que senti muito a ancestralidade indígena foi quando eu tomei ayahuasca. Eu morria de medo, ficava apavorado com a ideia, mas teve um momento que me senti tranquilo e tomei, e me senti muito pertencente àquilo.

Como aconteceu a parceria do Strobo com Marina Lima?
Leo: Foi uma experiência muito enriquecedora. Sempre fomos uma banda que estava ali, relax com os números, mas respeitada pelos músicos. Quando fazia show, ia uma galera que a gente queria que fosse, mas ia pouca gente. É instrumental, só vai quem se interessa mesmo. Fizemos um show e a Marina pintou lá para ver, começou assim. Com ela a gente conseguiu entender como funciona uma série A do campeonato brasileiro da música. Ela foi muito importante nas nossas vidas, e nós na dela.
Arthur: O que ela trouxe de bom foi a amizade. Fazer som com ela é uma loucura, a gente teve que entender os porquês. Jaloo é muito maluquinho, a gente fica tentando entender por que ele é revoltado, mas depois descobre por que ele é maluco. Marina é minha amiga, a gente tem uma tatuagem atrás do braço, um Leonilson, a gente foi num tatuador e ela disse: “Arthur, eu te amo, vamos fazer uma tatuagem”. Quando pintou o novo músico da banda, aí ela não me amava mais (risos). Ela ama um de cada vez, mas ama.
Leo: Ela lançou o disco Novas famílias, e realmente durante esses três anos a gente foi uma família, todo mundo passando seus perrengues, eu sendo pai. Ela sentou do meu lado num voo: “E Aí, Leo, fez um filho? Me conte tudo”. Eu, destruído, “foi fora do casório, Marina”, e ela: “A vida é essa, vamos aí”.

Jaloo é maluco?
Leo: Ele é rebeldinho, gosto do Jaloo rebeldinho (risos).
Jaloo: O Jaloo é maluquinho. O Leo é mais good vibes, só vibra. Mas eu sou namastê também, deixo a vida me levar. Já fui muito mais insuportável, graças a Deus me livrei disso.

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