Letrux lança segundo livro com lembranças, afetos e surtos em águas tragicômicas
"Tudo que já nadei" abarca textões, contos e poemas que mostram as observações da autora sobre a vida e sua relação com o mar durante e antes da pandemia.
“Ressaca”, com textões ou contos, “Quebra-mar”, com poemas, e “Marolinhas, com considerações anônimas. É assim que é dividido Tudo que já nadei, novo livro da cantora e poetisa Letrux. Publicado pela editora Planeta, o lançamento acontece no dia 03 de março, em uma live com participação de Bruna Beber, Lulu Santos, Linn da Quebrada e Rita Von Hunty.
Com pré-venda já disponível em algumas livrarias, a coletânea de contos, poemas e aforismos parte de uma premissa netuniana: a relação da autora com o mar. Letrux recorda férias de infância na praia com a prima Marina – a quem o livro é dedicado –, lágrimas confidentes derramadas na água, lisergia com amigos e tentativas de retorno ao útero da mãe.
O mar ainda permeia amores-dores, prantos pandêmicos e expõe uma observadora Letícia, que não escolhe sempre o fone às vozes no seu entorno e cata frases – presentes – em pontos de ônibus: “Mãe, no céu é outro país ou é água, mesmo?”.
“Tudo que já nadei”, com lançamento para 3 de março, é o segundo livro de Letrux.Divulgação
Tudo que já nadei emerge de onde?
O meu primeiro livro (Zaralha: Abri minha pasta – editora Guarda-Chuva) é uma bagunça maravilhosa. Depois dele, fiquei um pouco na cobrança de ser adulta, o que é uma grande besteira, e uma hora relaxei e falei “Letícia, você tem minicontos, poemas e alguns aforismos. Por que não reunir tudo isso?”. E aí fui modelando e recebi o convite da Planeta, no início da pandemia, em março. Quando fechamos, em dezembro, várias águas já tinham rolado. O livro permeia tanto piscininhas rasas quanto ressacas abissais. Eu não gosto de gente muito intensa, que depois você precisa contar uma piada, e também não gosto de quem é muito raso, que quando você pesa o papo fala “ah, não, vamos mudar de assunto”. Eu gosto das variações tragicômicas.
O álbum Aos Prantos foi lançado no início da pandemia, fase na qual Tudo que já nadei começou a tomar forma. O livro sai agora e no começo deste mês você lançou o EP Prantos Pandêmicos. Como tem sido criar ultimamente?
O livro não foi escrito integralmente durante a pandemia, alguns textos e poemas foram. É importante o registro do ano que passou, mas não é algo que surgiu aqui. Eu me encontro em um lugar positivo porque estou falando de um pequeno oásis, um delírio. Eu estou em um deserto esperando a vacina e, de repente, lanço um livro. Claro, não vai ter noite de autógrafos, que é uma maneira de encontrar as pessoas amadas, beber vinho bom e barato e rir. A gente é resiliente, mas 2021 não tem um bom prenúncio. Nada passou, eu não tenho essa noção de copo cheio, mas observo a gotinha que resta, que é o Tudo que já nadei. Ou seja, me sinto otimista, querendo ter um pouquinho de fé na humanidade e sonhando com o Bolsonaro, que vai ter um sacode, um despertar, e um raio que vai entrar na sua cabeça.
“Nada passou, eu não tenho essa noção de copo cheio, mas observo a gotinha que resta, que é o Tudo que já nadei.” – Letrux
Algo que aparece com força é o seu rebanho afetivo, com amigos, família e amores. Quando você leva todas essas pessoas e sentimentos para o mar, muita coisa surge, não é?
Eu acho que tenho muita sensibilidade familiar. Todas as pessoas da minha família – sejam elas esquisitas ou tendo votado em quem eu não acredito – foram as minhas primeiras observações de como funciona a psicanálise. Eu sempre fui muito de fazer correlações, aí comecei a ler livros, ver filmes e falava “nossa, a minha prima parece com não sei quem”. O livro é dedicado à minha prima Marina, que faleceu aos 19 anos – eu tinha 17. Essa história é muito forte para mim e eu sempre gostei de ser observadora. Tem algo na escolha dos adjetivos, dos verbos e de como as pessoas se xingam. Ficamos muito isoladas nos celulares, sem prestar atenção. Às vezes, estou nesse lugar automático, mas é tão magnífico quando a gente consegue estar em comunhão. São pequenos momentos banais que acendem qualquer coisa por dentro. Reparar o jeito que o piloto fala no avião pode virar uma piada interna com um amigo, o que se transforma em um poema, uma música.
Apesar da intimidade com o mar, você diz no livro que ele ainda não é o seu lar, mas que a areia já o é. Que relação é essa?
É a sensação do amor mais livre que pode existir. A coisa mais linda e anárquica do amor é a não necessidade. Às vezes, eu fico pensando que preciso do mar, mas estou há 4 meses sem. Ele está dentro: eu bebo água e também faço uma loucura de colocar sal na água no balde, à procura de uma sensação salina. Além disso, eu acho que eu tendo a organizar demais, militarizar as coisas. Mas eu não sei até que ponto as emoções são tão possíveis de serem engavetadas assim. Toda vez que eu me percebo nesse estado duro, eu me banho. Corpo duro com vida dura, fudeu. Corpo mole com vida dura, aí já temos um equilíbrio dos estados.
“A coisa mais linda e anárquica do amor é a não necessidade.” – Letrux
Você diz que, quando está em um lugar com muitas pessoas, traça esquemas imaginários sobre quem vai morrer primeiro. O livro é dedicado à sua prima. A percepção sobre esse assunto mudou nos últimos tempos?
Quando eu tinha 13 anos, acordei na noite de Réveillon, na hora do “10, 9, 8…” e vi todo mundo se abraçar. Na hora, comecei a chorar e pensei: “Todo mundo vai morrer”. Eu levei à minha ex-psicanalista que não sabia se queria ser mãe, porque eu não quero parir um neném e falar para ele: “Você vai morrer”. Dar à luz é também sentenciar à morte, ninguém é Highlander. Claro, existe um trauma da minha prima ter morrido de uma maneira muito estúpida, de meningite. Ela acordou no dia do seu aniversário e morreu. Até então, a minha vida era muito classe média tijucana, tínhamos tudo que queríamos. Quando o dólar ficou R$ 1 fomos à Disney. E aí, Marina morreu. O nome dela era Mar-ina. Forte, né? “Mar”. Na época, eu tinha 17 anos e isso me voltou à ideia dos 13, que todo mundo vai morrer, como se fosse um alívio por estar certa. Na pandemia, fiquei um pouco mais hipocondríaca e, todo dia, mais de mil pessoas morrem. Sinto uma pinta na cabeça e quero fazer uma tomografia, mas é porque eu não quero que seja estúpido. Todo dia ainda é um choque, mas eu tento me manter para não adoecer, porque se eu dou muita atenção para esse lado, crio doenças. E aí começa uma loucura hipocondríaca, eu me sinto mal, tudo é garganta, 600 faringites, 700 amigdalites. A morte existe, é para darmos a mão a ela e à vida ao sair na rua, mas uma hora tem que largar, assim como a vida. Tem momento que a vida não merece tanto e tem um ponto final. Digo metaforicamente: relações, trabalhos…
Um dos pontos presentes em Tudo que já nadei é a lisergia, que você apresenta como uma forma de lidar com o grotesco. O que é esse delírio?
Se eu fechar os olhos e fizer uma regressão rápida, eu lembro de ser uma criança engraçada, de ter ataque de riso. Esse gracejo vem de uma família esquisita. Tenho lembrança das minhas avós falarem coisas bizarras, dos meus avôs jogando buraco e roubando. Era um contato muito extremo, cômico. A lisergia é uma opção de vida, é um situacionismo que eu escolho. Eu não sou alienada, mas na pandemia, se eu puder escolher a lisergia por um dia, por que não? Claro, não torno uma coisa diária, senão vira uma nuvem de delírio. Ao mesmo tempo, faço análise, vou no terreiro. O livro traz isso. A cabeça gira quando estou no furacão do Brasil em 2021, mas tem hora que paro e observo, fico no centro, no cu do furacão. Bolsonaro causa horror, mas tem coisas tão absurdas que acontecem que vira a máscara do teatro: gargalho e choro ao mesmo tempo.
Pergunta cretina: artística e publicamente, você tem várias facetas, mas sempre partindo muito forte da palavra. Tem muita diferença para você cada uma dessas?
Não é uma pergunta cretina, não. Eu acho que o mais cretino é eu ser atriz-barra-cantora-barra-escritora, mas eu não tenho escolha, são forças artísticas que evocam dentro de mim. Eu me formei em teatro para ser a cantora que sou. Por mais que eu faça o embrião da composição, uma hora eu preciso passar para a banda, preciso passar para o Arthur (Braganti, produtor) para ele colocar o arranjo. Com a literatura, eu tenho vergonha de mostrar para os meus amigos. Não tem a coisa de “gente, fiz uma poesia!”. Eu não sei o que acontece, eu amo ser poetisa, mas tem algo na construção dos anos que fez virar um lugar de constrangimento, o que é muito bobo.
Por que parece que há mais escritoras envergonhadas do que atrizes e cantoras encabuladas? Será que tem a questão da prepotência da intelectualidade, a coisa de “já tem muitos livros no mundo, não vou colocar outro nele”?
Acho que esbarra um pouco na prepotência e é hilário porque o ator é o corpo presente e eles não têm a menor vergonha – inclusive, adoram. Faz parte do barato de atuar o frisson de estar ao vivo. A apresentação da literatura não se dá assim. Você vai para casa e lê aquele livro no vaso sanitário, deitada na cama de perna para cima. E aí, o suspense da escritora de não saber para onde você levou o meu livro. Quando eu faço show, eu vejo quem está gostando. Eu canto de olho aberto – não sou “gatinha mistério”. Já fiz muito show que tinha gente de braço cruzado na frente me olhando. Então, a resposta é mais imediata. A literatura é fugaz, as palavras escritas são mais nebulosas do que no canto e na atuação. Fica essa tensão, mas eu acho bom. É um mistério…
Live de Lançamento de Tudo que já nadei (à venda aqui)
Quando: 03 de março às 20h
Onde: perfil de Letrux no Instagram
Quem: Letrux recebe Rita Von Hunty, Bruna Beber e Linn da Quebrada, além de Lulu Santos, que gravou um vídeo recitando um dos poemas do livro.
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