Livrarias com curadoria especial: conheça algumas no Brasil

Com estratégias montadas para sobreviver nas redes sociais e mais títulos escritos por mulheres e pessoas negras, os empreendimentos saem do lugar-comum com acervo especializado.


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Livrarias pequenas de rua: qual foi a última vez que você saiu de casa para ir até uma? Mesmo que a resposta seja “antes de março de 2020”, saiba: elas ainda estão de pé e resistem com seus acervos especializados. Inclusive, há livrarias abrindo neste momento: como a Megafauna, que acaba de chegar no Edifício Copan, em São Paulo. Indo na contramão dos grandes conglomerados, que oferecem em suas prateleiras os títulos mais vendidos, o grande trunfo dos comércios independentes são os títulos escolhidos a dedo, com viés e temáticas feministas, antirracistas e humanas. Isso inclui, sim, olhar para seus acervos e incluir mais autores mulheres negros e mulheres.

Não que tenha sido fácil para esses negócios sobreviverem durante o ano passado — alguns deles, como você lerá abaixo, tiveram que fazer apelos nas redes sociais (como a livraria infantil paulistana PanaPaná). Já outros tiveram o aluguel pago por vizinhos, como a livraria Taverna, de Porto Alegre — isso tudo nos melhores dos casos. Mas os livreiros que mantêm os espaços afirmam: se eles estão no WhatsApp respondendo os pedidos de clientes, fazendo lives com autores e autoras e criando outras estratégias para os novos tempos, é porque, além de precisarem sobreviver, eles amam os livros e o que existe dentro deles. Confira abaixo onze livrarias com curadoria especial para se encantar:

Livrarias especiais em São Paulo

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Banca Tatuí, em São Paulo.

Divulgação

Livraria Mandarina

A livraria Mandarina abriu as portas de seu sobrado em Pinheiros no final de 2019 e em suas prateleiras há cerca de 6 mil títulos sobre humanidades, com o intuito de ser um espaço fértil para a produção de conhecimento. O projeto já havia nascido híbrido com o meio virtual e compartilhava nas redes bate-papos com autores e também seu clube de leitura. Com a pandemia, no entanto, a presença on-line da livraria se intensificou. “Oferecemos insumos, como livros, lives, palestras e grupo de estudos para que a sabedoria frutifique em todos”, conta a publicitária Daniela Amendola e a jornalista Roberta Paixão, que comandam o projeto.

A curadoria dos exemplares é focada em “todos os assuntos que nascem com o tema humano: romance, conto, crônica, poesia, filosofia, ciências políticas e sociais, psicologia, artes”. Os destaques ficam para os editores e autores independentes de todo o Brasil que estrelam as estantes – e os posts –, ao lado de nomes consagrados no mercado editorial.

Livraria Africanidades

A livraria Africanidades, localizada na Vila Nova Cachoeirinha, Zona Norte de São Paulo, é um empreendimento em crescimento cujo acervo é especializado em literatura negra e feminista. Criada por Ketty Valencio, ela nasceu em 2013 como livraria virtual e, em 2017, ganhou espaço físico, com o intuito de ser um pólo cultural dedicado aos saberes e culturas afrodiaspóricas. “A seleção das obras bibliográficas é realizada por pesquisas, conversas com quem escreve, envio de exemplares para leitura técnica e só então escolho o livro. O importante é que o material tenha a valorização e o protagonismo de personagens ou saberes negros, principalmente que a autoria seja composta de pessoas negras”, conta Ketty sobre a curadoria.

Com a pandemia, a livraria suspendeu suas atividades presenciais – que incluíam oficina de yoga kemética, atendimento psicológico e eventos culturais – , mas manteve a estrutura virtual e criou alternativas, como o Clube de Assinatura, um oferecimento trimestral que entrega livros de autoras negras e com parcerias de afroempreendedoras, hoje já consolidado.

Livraria PanaPaná

A livraria PanaPaná, especializada em livros infantis e localizada na Vila Clementino, em São Paulo, foi uma exceção durante o começo da pandemia no Brasil: teve uma alta de vendas. Mas de acordo com sua criadora, Celina Bodenmüller, isso só foi possível por causa do engajamento digital de seus seguidores, que compartilharam publicações com o intuito de manter viva a pequena e charmosa livraria. Ela afirma ainda que as obras campeãs de venda durante o período são aquelas para as crianças em processo de alfabetização – talvez um reflexo das escolas também vazias no mesmo período.

O espaço físico se mantém, após uma reorganização, e continua com seu acervo especial, no qual o destaque são livros infantis imaginativos. A livraria tem prateleiras divididas por tema e capas à mostra, o que facilita a consulta dos pequenos. No ambiente virtual, continuam as lives de contação de histórias, que ajudam a levar a mágica do universo infantil para dentro de casa.

Megafauna

Audre Lorde, Grada Kilomba, Amara Moira e Florencia Ferrari – essas são algumas das mulheres que estrelam a curadoria plural dos 11 mil livros da Megafauna, uma surpresa inaugurada na cidade de São Paulo em 2020, ano de tantas portas fechadas. Coordenado por Rita Palmeira, o acervo tem intuito de abranger os horizontes dos leitores por meio da multiplicidade e qualidade das editoras, que vão desde as independentes até as já consolidadas. A coordenação da Megafauna é de Fernanda Diamant (ex-curadora da Flip) e, juntamente com ela, está a editora Irene de Hollanda, além de um grupo de profissionais do meio editorial. O projeto pretende também chamar curadores rotativos para participarem da Megafauna, o que incrementará os títulos presentes.

O intuito da livraria é criar um espaço de reflexão no centro da cidade. E é no centro mesmo: a livraria ocupa o térreo do lendário edifício Copan, e tem projeto assinado pela arquiteta Anna Ferrari, que criou vitrines voltadas para a rua, além de um espaço que prioriza a circulação entre a calçada e a galeria, dando o nó entre a cidade e os livros. O espaço ainda conta com um café-restaurante, o Cuia, com cardápio assinado pela chef Bel Coelho. A livraria e o café estão abertos, mas as vendas pelo site e pelo WhatsApp continuam.

Banca Tatuí

No final de 2014, surgiu no centro de São Paulo uma banca de rua, toda amadeirada, que chamou atenção do público. Era a Banca Tatuí, com seu acervo inédito que reúne mais de 200 editoras, coletivos e artistas independentes de todo o Brasil. A iniciativa é da editora Lote 42, que publica com um ritmo mais calmo, conhecido como slow publishing. “Nós oferecemos publicações que exploram formatos, acabamentos e temáticas que dificilmente se encontram em pontos de venda convencionais”, descreve a proposta da editora. Com as atividades presenciais suspensas durante grande parte de 2020, a banca foi uma das 53 selecionadas para receber apoio financeiro do Projeto Retomada das Livrarias, uma proposta de financiamento coletivo que tenta reduzir os danos causados no período.

Com isso, ela também aumentou sua movimentação virtual: além de crescerem os vídeos no Youtube com conversas com autores e outros conteúdos literários, surgiu o Papo Tatuí, um podcast de conversas com artistas e editores independentes, comandado pelo editor João Varella. Uma indicação direto de um dos episódios: o zine Magra de Ruim, da artista cearense Sirlanney, publicado pela editora, no qual ela expõe dores, revoltas e também fragilidades por meio de quadrinhos com multiplicidade de traços.

Livrarias especiais em Porto Alegre

\u200bLivraria Baleia, em Porto Alegre.
Livraria Baleia, em Porto Alegre.

Divulgação

Livraria Baleia

A livraria Baleia está no centro de Porto Alegre há seis anos. Mas desde o primeiro dia que teve que fechar as portas para o público, no começo da pandemia, a proprietária Nanni Rios desenvolveu uma estratégia para se adaptar ao momento. Criou um site para expor o acervo, assim como um clube de assinatura de livros com cinco modalidades: ficção, não-ficção, poesia, feminismos e livro do mês. Tudo, é claro, com a curadoria da casa, voltada para literaturas de autoria feminista, antirracista e às temáticas de gênero, sexualidade e direitos humanos. “Não há um só livro em toda a loja (física ou virtual) que não tenha uma razão de ser e estar ali e sobre o qual não saibamos conversar”, conta Nanni.

O WhatsApp da Baleia, disponível no site da livraria, fica aberto para leitores e leitoras que queiram bater um papo ou pedir indicações de livros – uma tentativa de levar a aconchegante experiência física na livraria para o mundo virtual.

Livraria Taverna

Os editores André Günther e Ederson Lopes não imaginavam que uma livraria inteira poderia surgir da venda de livros em feiras de rua – e se tornar uma das mais queridas de Porto Alegre atualmente. O motivo? O acervo da Taverna com uma curadoria crítica. O destaque e a visibilidade vão para publicações independentes, artesanais e de pequena tiragem, sempre prezando por livros escritos por mulheres e autores negros – assim como outros “assuntos urgentes”, como descrevem os livreiros. Para eles, tudo isso é mais relevante do que criar uma livraria apenas com títulos mais vendidos pelo mercado.

A loja virtual, que existe desde 2016, consolidou suas vendas durante o período de pandemia, mas assim como as outras livrarias dessa matéria, a Taverna contou com ajuda para passar pelo momento pandêmico que ainda se estende. Uma vizinha, por exemplo, decidiu apoiar os sócios pagando um mês do aluguel da livraria. Além de livros de artes, humanidades e literatura, o catálogo da livraria também inclui HQs e revistas.

Livrarias especiais no Rio de Janeiro

\u200bKitabu Livraria Negra, no Rio de Janeiro.
Kitabu Livraria Negra, no Rio de Janeiro.

Reprodução Instagram

Kitabu Livraria Negra

A curadoria da carioca Kitabu tem ênfase na valorização da cultura afro-brasileira. Desde 2003, trabalham com títulos que abrangem da antropologia à poesia, passando também por estudos de religiões de matriz africana. Hoje, são mais de 750 exemplares divididos em 30 categorias. “Visamos ser uma referência da cultura africana no Brasil, podendo suprir as necessidades que autores afro-brasileiros encontram para publicar seus trabalhos”, escrevem Heloisa Marcondes e Fernanda Felisberto, as criadoras da livraria. Fisicamente, a Kitabu faz parte da Kaza 123, um complexo de culinária, arte e moda africana localizado no centro de Vila Isabel.

Em agosto de 2020, a livraria realizou uma mostra digital em celebração aos 60 anos de publicação de Quarto de Despejo, livro de Carolina Maria de Jesus, com pinturas, um panorama das edições do livro vendidas pelo mundo e também vídeos nos quais escritores, professores e artistas leram trechos da obra. O mais recente lançamento da editora de mesmo nome é Conhecimentos desde dentro: os afro-sul-americanos falam de seus povos e suas histórias, de Sheila S. Walker (organização) e Viviane C. Antunes (tradução), que tem entrega para todo o Brasil.

Livraria Leonardo da Vinci

A Leonardo da Vinci é conhecida por ser um marco carioca. Fundada em 1952, atualmente está sob a gestão do livreiro Daniel Louzada, que adaptou toda a história do espaço – composto por 300m² – para o mundo virtual. De acordo com ele, o diferencial da livraria é a profundidade de seu acervo (focado em ciências humanas, literatura e artes), resultado obtido graças aos livreiros, figuras centrais na composição do acervo da Da Vinci.

A livraria, porém, vem sofrendo com a pandemia. Para tentar se reestruturar, mantém dois clubes de assinatura mensal, compostos por um livro surpresa e uma carta sobre a obra escolhida. No plano “Insurgentes”, dedicado a livros políticos, o assinante recebe clássicos e contemporâneos do pensamento de esquerda e antifascista, como E eu não sou uma mulher?, de bell hooks (Editora Rosa dos Tempos). No plano “Grandes Histórias”, todo mês chega em casa uma grande história de ficção ou não-ficção. Ambos ideais para quem quer mergulhar em bons livros e ainda montar um acervo especializado. “Um resumo do espírito Da Vinci em um único pacote”, afirma Louzada.

Livrarias especiais em Salvador

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Livraria Boto-cor-de-rosa, em Salvador.

Foto: Divulgação

Livraria Boto-cor-de-rosa

A Boto-cor-de-rosa nasceu em 2015, primeiro como uma livraria-café em Salvador e, a partir de 2017, como empreitada itinerante, levando livros e criando elos entre escritores e leitores ao redor da Bahia e do Brasil. Foi esse formato sem rigidez que fez com que a poeta, coordenadora e tradutora britânica Sarah Rebecca Kersley, radicada no Brasil, focasse no âmbito digital da Boto, mesmo antes da pandemia. “Sabemos que nada se compara à sensação de estar em uma livraria física, perambular entre prateleiras e dialogar com livreiras e livreiros. Porém, no mundo virtual, um link nos leva a outro, uma livraria ou editora independente nos leva a outra, e assim muitas pessoas podem conhecer títulos que não seriam de fácil acesso nas megalojas de shopping”, conta Sarah.

Hoje a Boto conta com a professora de literatura Milena Britto para compor seu acervo, focado em literatura contemporânea, com destaque para poesia, livros infantis e livros sobre gênero e negritude. Em 2017, surgiu também seu selo editorial, a Paralelo13s, que já editou 14 livros. Entre os destaques do próximo lançamento está o livro Dandara, obra infantil de Amanda Julieta.

Livraria Porto dos Livros

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Livraria Porto dos Livros, em Salvador

Foto: Divulgação

Os irmãos Carla e Lucio Urbanetto sempre tiveram o sonho de ter um espaço cultural. A oportunidade surgiu em 2016, quando o sebo Porto dos Livros, já conhecido em Salvador, anunciou seu fechamento. A dupla arrematou o espaço e mergulhou no mundo da literatura, realizando diversos saraus literários ao longo dos anos. Em junho de 2020, por conta da pandemia, fecharam o espaço físico, mas continuaram a venda online de seu acervo, recheado de grandes clássicos da literatura nacional e também de muitas raridades antigas ou esgotadas.

“O mais difícil de vender apenas online é a diminuição da força de venda de alguns livros. Os leitores gostam de folhear e são sim atraídos pela capa. Por isso incentivamos muito no nosso site que o cliente garimpe com paciência e conheça nosso acervo”, destacam eles. Para reforçarem sua presença on-line, usam bom humor, leveza e curiosidades sobre autores e livros em cada post que fazem. “Dessa forma a gente consegue instigar os leitores a se conectarem com novos tipos de leitura”, finalizam.

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