Luiza Brunet: “Fui de corpo livre”

Aos 58 anos, a modelo volta a posar nua para o fotógrafo Bob Wolfenson, relembra seus momentos mais icônicos na moda e fala sobre envelhecimento e seu ativismo.


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Luiza Brunet estava confortável no estúdio, cercada pelo mínimo de pessoas, dispensando até um providencial roupão em alguns momentos. Anos depois, voltou a posar para Bob Wolfenson, uma parceria que começou ainda nos anos 1980, quando ela era uma das modelos mais bem sucedidas da década, além de símbolo sexual, e ele a fotografou nua, seminua, em fotos sensuais.

Nudez nunca foi um tabu para Luiza, que relembra algumas dessas imagens em seu perfil no Instagram. Aos 58 anos, teve, naturalmente, algum receio em posar assim novamente, mas ela foi em frente. “Acho que o corpo tem que ser livre mesmo de preconceito”, diz Luiza, que já conta mais de 40 anos como modelo. O resultado desse ensaio pode ser visto no Volume 03 da ELLE impressa, que está à venda aqui.

Nos últimos anos, ela também vem combatendo a falta de informação em torno da violência doméstica, do qual foi vítima há cinco anos. Luiza se reinventou como ativista e vem debatendo o tema, que ganhou ainda mais urgência na pandemia, quando o número de feminicídios aumentou expressivamente.

Na entrevista a seguir, ela conta sobre sua parceria com Bob Wolfenson, relembra seus momentos mais icônicos na moda, fala sobre envelhecimento e ativismo:

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Foi diferente fotografar nua com o Bob desta vez?

Nunca tive nenhum problema com o meu corpo. Sempre foi uma coisa muito natural posar seminua, nua, por conta da profissão e porque eu era modelo de corpo, né? Justamente por ter feito nu algumas vezes, vi que isso, simplesmente, é uma fotografia ok para mim. Mas não tinha imaginado fazer uma foto dessa forma com 58 anos. Quando o Bob me convidou, disse para ele que estava preocupada, que não era uma menina para posar nua. Mas falei: “Bom, tudo bem, também”. A ELLE é uma revista que está acima de qualquer tipo de preconceito. Fui de corpo livre. Acho que a mensagem mais legal é isso: não precisa ter vergonha do seu corpo, em qualquer idade que você esteja. Acho que o corpo tem que ser livre de preconceito, mesmo.

Você se imaginava, décadas atrás, trabalhando como modelo aos 58 anos?

Nossa, eu não fazia ideia… Na verdade, nunca deixei de ser modelo. Acho que hoje em dia diminuiu muito essa comparação da carreira de modelo com a de jogador de futebol (de que ambos têm trajetórias breves). Falava-se muito isso, né? E a gente vê que o mundo da moda mudou, as mulheres que agregam valor podem ter idade mais avançada. Elas estão com tudo em cima, têm o que dizer e eu acho que é isso o que importa. Não sabia que o mundo estaria dessa forma, mas estou me surpreendendo com a maturidade dele e com a minha também.

O que tem sido prazeroso e o que tem sido difícil em envelhecer?

Nunca tive problema em envelhecer, sempre aumentei a idade. Ainda não fiz 59 anos, mas já falo que tenho. E tem gente que coloca 60 anos e não me incomoda. Nunca escondi a idade porque não tem como esconder isso de você mesma. Os ganhos que a gente tem é algo maravilhoso. A maturidade é estar de bem com você mesma, é ter uma auto aceitação muito maior. Acho que envelhecer é muito bom quando você tem uma cabeça boa, quando está preparada. Quando você não está, é muito difícil de encarar. Algumas mulheres ficam mais solitárias, são mais seletivas nos relacionamentos. Tudo é mais difícil para a mulher, principalmente no Brasil. Vejo esse tipo de comportamento em países da Europa, mas acho que aqui tem um certo preconceito com a mulher de meia, terceira idade. Nunca senti e também, se houver, nem levo em consideração.

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Luiza, clicada por Bruce WeberFoto: Acervo pessoal

Você consegue eleger os momentos mais icônicos da sua carreira na moda?

Depois que saí da Dijon por um problema de abuso, fui contratada para fazer a campanha da marca que a gente copiava, que era Calvin Klein, com o Bruce Weber (em meados dos anos 1980). Aquele momento foi de grande importância na minha carreira, fui requalificada na indústria da moda, podendo fazer outras coisas mais interessantes como modelo. Porque, até então, eu era um símbolo sexual e uma modelo exclusiva de uma marca (a Dijon). Conheci o Guy Laroche no Brasil, em 1986. Ele me convidou para fazer seu desfile da alta-costura. Fez toda a roupa do desfile no meu corpo. Ficava o dia inteiro lá (na maison), praticamente nua. Acabou saindo uma foto minha linda, grande, na primeira página do Le Figaro. Fiquei muito emocionada. Eu não era o padrão brasileiro de manequim de alta-costura. Trabalhei um pouco também com o Azzedine Alaïa nos anos 1980, no auge dele.

Você postou recentemente uma foto sua, feita pela Dadá Cardoso, com a legenda: “Quando nossos corpos não tinham interferências de cirurgia plástica ou harmonização”. Como você vê hoje as cirurgias plásticas?

Acho que hoje em dia é muito mais fácil você se tornar mais harmoniosa, com relação a todos os aparatos que se tem para deixar a mulher mais bonita. O que me preocupa é o excesso de reparos. Falei sobre os anos 80, porque, de fato, ninguém fazia interferência, só as mulheres mais maduras que faziam cirurgias plásticas no rosto, o peito era natural. Sinto um caminho de volta hoje em dia, vejo muitas amigas minhas da minha idade que estão tirando o silicone e voltando a ter o seu peito natural. Acho que é muito legal isso, muito saudável também. O que me incomoda e o que eu não faria é o excesso. Não quero voltar a ficar com cara e o corpo de 20 anos porque é uma busca impossível.

Tivemos um aumento significativo de feminicídios na pandemia. Você conta receber muitos pedidos de ajuda pelo Instagram de vítima de violência doméstica. Eles têm um perfil comum?

Para mim, é mais que comprovado que violência doméstica é democrática porque falo com mulheres pobres, de classe média alta e ricas. Acho que a violência doméstica vai acometer todas as mulheres em algum momento da vida, poucas não sofrem. Infelizmente, o feminicídio aumentou demais. O que eu falo para elas (vítimas de violência doméstica) é para que não se sintam sozinhas porque todas as mulheres passam por esse mesmo problema. O que a gente tem que fazer é unificar nossa fala e nossas atitudes, porque muitas mulheres ainda julgam muito as outras, não são unidas e isso dificulta o andamento da pauta. Seria maravilhoso a gente reivindicar todo mundo junto. Na minha opinião, depois de conversar com tantas mulheres, descobri que aquelas que falam sobre quem fez a denúncia com indignação sofrem abuso e não percebem. Então, elas encontram ali uma forma de agredir a outra porque não conseguem sair disso. Sofri violência doméstica e sei o impacto que isso causa na vida da gente, desde a infância até a vida adulta. É difícil de você lidar com isso na vida adulta, inclusive. Melhorei muito depois que comecei a falar. Comecei a descobrir, de fato, as coisas que sofri depois que comecei a falar.

A gente ainda tem um bom tempo de distanciamento social no Brasil pela frente. Qual é a melhor maneira de combater a violência doméstica neste cenário?

Acho que a melhor forma é falar todos os dias; que as ativistas, as especialistas não desistam nunca dessa pauta. Sempre faço uma alusão ao cinto de segurança: quando começou, ninguém usava, achavam chato, mas isso minimizou demais os acidentes. A gente tem que fazer a mesma coisa: massificar essa fala para educar as meninas e mais ainda os meninos. E educar a sociedade para que ela entenda que não se pode naturalizar mais esse tipo de agressão. A gente precisa mudar esse comportamento, nem que seja na marra.

“Acho que é muito mais fácil a gente falar a verdade sobre o que a gente passou do que ficar camuflando e depois ser descoberta” Luiza Brunet

Por mais que a gente fale, essa epidemia de violência não diminui. A Maria da Penha mandou em fevereiro uma carta ao Supremo Tribunal Federal defendendo que pouca coisa mudou.

A Maria da Penha tem razão, pouco se fez. Há muitas pautas, muito se fala, mas a gente pouco vê políticas públicas contundentes. Não existem campanhas para os homens deixarem de agredir as mulheres, são para as mulheres se protegerem. Acho o foco errado. Por que a mulher tem que estar sempre se protegendo e o homem não? Vejo isso como uma mulher que sofreu violência, fico indignada. Esperei quatro anos para terem uma decisão do meu agressor. Ele me machucou, foi uma coisa horrorosa. Esses processos que estão na Justiça para serem resolvidos… As mulheres se angustiam, acabam com a sua vida, morrem esperando que essas questões (sejam resolvidas pela Justiça), que amenizem essa dor que têm. Enquanto você não tem um sinal, você não descansa.

Além do episódio de violência doméstica, você já falou do abuso sexual que sofreu aos 13 anos, de aborto. Como encara falar desses temas?

Acho que é muito mais fácil a gente falar a verdade sobre o que a gente passou do que ficar camuflando e depois ser descoberta. Sempre fui muito transparente, muito verdadeira como pessoa. Minha vida sempre foi muito limpinha, teve esse episódio horroroso de violência doméstica do meu ex-companheiro. Acho que é o único risco que tenho. Mas estou muito feliz com a minha nova nomenclatura de ativista, de ser considerada no Brasil uma mulher com uma fala forte, nada rebuscada. Falo naturalmente o que sinto, o que vejo e o que acho que poderia mudar. É uma coisa muito involuntária. Não fiz faculdade de sociologia, de políticas públicas. É uma coisa que a vida me deu a oportunidade de aprender, observar e de estar em lugares em que eu também aprendi e ter essa fala. Eu me sinto muito forte, muito forte, mesmo.

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