Maria Flor estreia na literatura com “Já não me sinto só”

Entre a ficção e as memórias, livro acompanha a trajetória de uma atriz que, após o término de um relacionamento, passa a trabalhar com um diretor de cinema com quem teve um intenso flerte: "Meu objetivo era confundir, mesmo".


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Foto: Divulgação/Jorge Bispo



Atriz, diretora, roteirista, produtora de conteúdo para a internet e, agora, também escritora, com o lançamento de seu primeiro romance, Já não me sinto só (editora Planeta). Atuando em várias plataformas, Maria Flor, 37 anos – mais 20 deles de carreira –, se reconhece hoje simplesmente “artista”. “Poder me expressar das mais diferentes formas é, sem dúvida alguma, um privilégio e também uma coragem enorme”, afirma.

Em seu livro de estreia, que ela vinha gestando desde 2016, narra a trajetória de Maria, que, assim como ela, é atriz. Após o fim de um relacionamento sem mágoas, ela parte para São Félix do Tocantins. Por lá, vai gravar um filme, dirigido por Júlio, que conheceu na abertura de uma edição do Festival de Cinema de Toronto e com quem teve um intenso flerte.

O tema da obra é amor, tópico que permeia muitos dos projetos de Maria Flor, como as séries Aline (2008-2011) e Do amor (2012-2014), a peça Tudo o que você sempre quis dizer sobre o casamento e os vídeos do canal do YouTube Flor e Manu – nos dois últimos, divide a cena com o marido, Emanuel Aragão.

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Maria conversou com a ELLE sobre Já não me sinto só no sábado, 29 de maio, horas antes do início das manifestações contrárias a Jair Bolsonaro. Crítica ferrenha do atual governo federal – ela criou a personagem Flor Pistola, que solta o verbo contra o presidente, no Instagram –, a atriz não pôde comparecer aos atos. Gravando Um lugar ao sol, próxima novela das 9 da Rede Globo, tem seguido uma série de protocolos para não contrair o coronavírus.

“Se antes gravávamos 30 cenas por dia, atualmente temos feito dez. Muitas respeitando o distanciamento social e com o uso de máscaras.” Na trama, ela será a manicure Stephany, vítima de uma relação abusiva. A partir de 29 de junho, também poderá ser vista na série Os ausentes, na HBO Max, sobre uma agência de investigação em busca de pessoas desaparecidas.

O que a levou a escrever Já não me sinto só?
No início, quis transformar o livro em roteiro de filme. Mas isso exigiria colocar o projeto em uma lei de fomento, algo bem complicado no Brasil atualmente devido à política cultural do governo federal. Então, pensei que esta história poderia se tornar um livro, um objeto que me encanta. Fora que, diferentemente de um filme, em que as imagens das personagens são entregues prontas, o livro permite que cada leitor elabore, em sua imaginação, as personagens do jeito que quiser. Os livros têm este lindo poder.

Ao ser questionada sobre sua profissão, já respondeu ser escritora?
Ainda não. A maioria das pessoas ainda me conhece como atriz, mas, cada vez mais, consigo admitir que sou uma artista, algo que não é fácil de assumir. Talvez, agora, aos 37 anos e depois de tantos trabalhos, eu entenda isso. Sou roteirista, diretora, tenho canal no YouTube e sou atriz também. Poder me expressar de diferentes formas é, sem dúvida, um privilégio e também uma coragem enorme.

Há quem possa confundir a personagem do livro, Maria, com sua trajetória, embora o material de divulgação assegure que não se trata de um livro de memórias. Qual foi sua intenção com esta estratégia?
Meu objetivo era confundir, mesmo. Será que a história da Maria do livro é igual à minha? Busquei dar algumas pistas para que o leitor tente descobrir o que é ficção e o que é realidade. Com as redes sociais, aumentou o meu interesse por esta questão: aquilo que é mostrado na internet é real ou não?

No início de Já não me sinto só, você escreve: “Espero fazer você acreditar no amor”. Trata-se de um sentimento abandonado?
Quero mesmo que as pessoas acreditem no amor! E mais: que encontrem o amor próprio, que passem a olhar mais para si mesmas com generosidade e gostem de quem realmente sejam, com seus defeitos, buracos e histórias. Tenho a impressão de que quem apoia o presidente Jair Bolsonaro não sente absolutamente nada. Por isso, ignora o que está acontecendo no Brasil. Só com amor podemos enxergar o outro e entender a sua dor. E não ficar sem reação diante de mais de 2.000 mortes por Covid-19 diariamente.

O fato de já ter vivido romances na ficção a ajudou a encontrar o amor?
Acredito que, até o momento, só vivi histórias de amor possíveis na ficção. Mas, se pensarmos bem, todo tipo de amor é possível. Aliás, as histórias de amor da vida real tendem a ser até mais estranhas. No fim, sempre nos questionamos: “Caramba, como foi possível se apaixonar por esta menina, por aquele cara?”

Ao lado do Emanuel Aragão, você, além de fazer a peça Tudo o que você sempre quis dizer sobre o casamento, também produz vídeos em que falam sobre relacionamento. Têm medo de se exporem demais?
Na peça, claro, havia uma dramaturgia. Já nos vídeos do YouTube, muitas vezes deixamos escapar algo muito íntimo de nosso relacionamento. Mas, quando isso acontece, confesso que gosto. É um projeto espontâneo. E, por meio desses vídeos, percebi a minha caretice em relação a vários assuntos, como quando falamos sobre trisal [relacionamento a três]. Eu e o Emanuel somos super monogâmicos, mas percebemos que outras formas de relação também são possíveis. Com os vídeos, passei a achar bacana expor a minha caretice. Tenho aprendido muito com isso, o que me ajuda a alargar as minhas ideias sobre diferentes tópicos.

No livro, você afirma: “Gostaria que você gostasse da minha história e, consequentemente, gostasse de mim”. Como lida com a aceitação?
A gente quer ser amado, nem que seja por alguém da própria família. Quem afirma que não precisa de ninguém está mentindo. Por isso escrevi esta frase. E quem está dizendo isso sou eu mesma, não a personagem [risos]. Nas redes sociais, há muitas mensagens de ódio, que me deixam triste e tiram a minha energia. Isso aumentou devido à personagem Flor Pistola. Por outro lado, o incômodo provocado por ela me alegra, pois me mostra que algo aconteceu dentro daquela pessoa que viu o vídeo da Flor Pistola a ponto de ela escrever um comentário.

“A Flor Pistola surge em decorrência do que está acontecendo no Brasil, mas também porque estava insatisfeita com o Instagram, onde as postagens estão muito ligadas à inveja e à vaidade”.

Falando na Flor Pistola, a transição de vídeos sobre relacionamento para os sobre a realidade política brasileira foi natural?
Os vídeos do canal Flor e Manu continuam no YouTube. Já a Flor Pistola surge em decorrência do que está acontecendo no Brasil, mas também porque estava insatisfeita com o Instagram, onde as postagens estão muito ligadas à inveja e à vaidade. É um acúmulo de imagens de pessoas dizendo estarem bem-sucedidas e em lugares paradisíacos. Quis fomentar algo que desconstruísse essa ideia. Eu e o Emanuel pensamos em criar uma personagem falando barbaridades sobre a realidade do país no réveillon de 2020.

Após o primeiro vídeo da Flor Pistola, você passou a ser vítima de fake news. Uma dizia que sua produtora, a Fina Flor Filmes, havia captado R$ 10 milhões pela Lei Rouanet e havia sumido com o dinheiro. Qual foi a sua reação diante disso?
Fui tagueada na própria plataforma do Instagram. Foi preciso que o jornalismo sério explicasse que aquilo se tratava de uma mentira. A questão é que esta informação não chega à bolha bolsonarista. Não, não captei este valor. Mas poderia ter captado, pois a Lei Rouanet permite. E, se houvesse captado, teria produzido um monte de coisa, feito várias peças de teatro e dado emprego para muitos profissionais. O problema é que muita gente não entende como funciona a Lei Rouanet. Os apoiadores do atual governo vivem dizendo: “Ah, criticam o presidente porque perderam a mamata”. Não estaria errada se houvesse captado este valor. Tanto desmentir uma fake news quanto explicar como funciona uma lei dá trabalho nas redes bolsonaristas.

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