De Dancin’ Days a O Clone, Marília Carneiro relembra tendências ditadas por novelas
A figurinista, que criou o anel-pulseira de Jade na trama de Gloria Perez que voltou a ser exibida em outubro, comenta este e outras hits lançados por ela.
Se hoje o feed do Instagram é uma das maiores fontes de desejo de consumo, a televisão e, principalmente, as novelas, há tempos têm o poder de ditar moda no Brasil. Quem nunca se encantou pelo estilo de uma personagem e tentou replicá-lo de alguma forma, que atire a primeira pedra!
O Clone, que voltou a ser exibida em Vale a pena ver de novo no início de outubro, na TV Globo, fez muita gente ir atrás de um lápis kajal para delinear o olho, investir em lenços e acessórios de inspiração marroquina no início dos anos 2000. Outro exemplo marcante são as meias de lurex coloridas usadas com sandálias de salto que Dancin’ Days transformou em febre nacional na década de 70.
A responsável por esses looks é Marília Carneiro, que trabalha na Globo desde 1973, e já assinou o figurino de mais de 32 telenovelas, além de seriados e minisséries. A seguir, ela comenta alguns dos seus trabalhos que influenciaram a maneira como os brasileiros se vestiram.
O Rebu (1974)
O Rebu (1974)
Foto: Memória Globo
O Rebu marcou a história das telenovelas ao exibir, ao longo de nove meses, acontecimentos que se deram ao longo de apenas 24 horas. Dessa forma, os atores passaram a trama toda usando exatamente o mesmo figurino. “Fiz quatro modelos iguais para cada personagem, sempre tinha um impecável à disposição”, conta Marília.
Mesmo com a responsabilidade de criar looks que foram exibidos repetidamente ao público por meses, a figurinista considera que fez um bom trabalho. “Mas quem virou moda mesmo foi a belíssima figura da Sílvia, vivida por Bete Mendes, no auge da sua beleza.” Seu vestido lânguido inspirado nos anos 1920 e seus cabelos com o corte La Garçonne colados com gomalina, um fixador popular naquele tempo, foram o objeto de desejo daquele ano.
Dancin’ Days (1978)
Dancin’ Days (1978)
Foto: Memória Globo
Uma das maiores provas da influência das novelas na moda brasileira são as meias coloridas de lurex usadas com sandálias pela personagem Júlia Matos, interpretada por Sônia Braga, na novela Dancin’ Days. Se hoje o truque de styling parece até óbvio, na época foi uma aposta bastante ousada de Marília que virou hit no fim da década de 1970 no Brasil.
“Tudo só aconteceu graças o incentivo do diretor Daniel Filho, que aprovou com entusiasmo aquela ideia louca que eu estava sugerido”, conta. “Nunca imaginei que uma combinação tão ousada fosse dominar as ruas. E não foi só nas discotecas, como na novela, as pessoas ‘mais comportadas’ foram as que mais consumiram. Quando se alastrou pela criançada, foi ainda mais espantoso”, lembra a figurinista.
Rainha da Sucata (1990)
Rainha da Sucata (1990)
Foto: Memória Globo
Os looks de mulher de negócios usados pela protagonista Maria do Carmo (Regina Duarte) refletiam a tendência do power dressing da década de 80 como uma forma de demarcar a presença feminina no mercado de trabalho e que chegava com força ao Brasil. “Encontrei seus tailleurs de executiva para trabalhar e enfrentar seus concorrentes masculinos na Elle et Lui”, conta Marília sobre a loja carioca que tinha exclusividade de venda de grifes internacionais de prestígio na época.
Como complemento, a protagonista de Rainha da sucata usava franja bem curta, um laçarote dando acabamento ao coque e joias marcantes. Logo, esse estilo se tornou mania entre mulheres, inclusive fora do ambiente de trabalho. “Diga-se de passagem, tenho muito orgulho dessa figura poderosa e feminista que ajudei a compor”, conta a figurinista.
O Clone (2001)
O Clone (2001)
Foto: Memória Globo
“O Clone me convenceu que tinha virado mania quando vi uma ala de Jades no Carnaval, homens e mulheres, todos com o anelzinho-pulseira, símbolo da personagem”, conta Marília. Até onde ela se lembra, o acessório foi descoberto pelo próprio Jayme Monjardim, diretor da novela, em viagem ao Marrocos.
Batizado no Brasil de “pulseira da Jade”, em referência à protagonista vivida por Giovanna Antonelli, era encontrado com facilidade em lojas de acessórios e camelôs, mas não foi a única peça a fazer sucesso. “Todas as outras joias de inspiração marroquina que a personagem usou foram criadas por mim e pela (então figurinista, hoje designer de joias) Junia Machado – e também se tornaram objeto de desejo”, relembra Marília. Pulseiras largas, braceletes e maxi brincos também dominaram as ruas e vitrines graças à novela.
Celebridade (2003)
Celebridade (2003)
Foto: TV Globo / João Miguel Júnior
E como esquecer de Claudia Abreu na pele da vilã Laura em Celebridade? Sua assinatura eram as gargantilhas. “No início da novela, ela usava uns lencinhos, que foram substituídos por uma gargantilha de ouro quando se tornou milionária, lançando moda”, relembra a figurinista. Se as chokers foram um hit nos anos 2000, pode ter certeza que a personagem teve influência sobre isso no Brasil.
A briga icônica entre Laura e Maria Clara, personagem de Malu Mader, também rendeu tendência. “Os vestidos com os quais elas brigaram rolando no chão – Malu de branco representando a pureza, e Claudia de preto símbolo da maldade – viraram sonho de consumo do grande público e o telefone da Globo não parava de tocar para informações”, diz Marília.
Ti Ti Ti (2011)
Ti Ti Ti (2011)
Foto: TV Globo / Estevam Avellar
E quando a ideia é fazer algo bem específico para um personagem, mas que acaba conquistando o público em geral? Foi o que aconteceu na segunda versão de Ti ti ti com Claudia Raia como Jaqueline Maldonado, dona de um visual extravagante. “Ela usava uns macacões com uma modelagem muito ousada e uma coleção de colares igualmente inusitada. Foram coisas que quando criei, pensei unicamente na Claudia com aquela dimensão e exuberância que são só dela”, explica Marília.
A novela já estava no ar há algum tempo quando a figurinista foi pega de surpresa em uma viagem. “Fui a Recife a trabalho e, para meu espanto, vi milhares de Claudias Raias enchendo as ruas da capital pernambucana”, relembra.
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