Marina Sena fala sobre novo álbum, raízes e fama

Cantora lança "Vício Inerente", o primeiro disco por uma grande gravadora. "Preciso ser divulgada fora do Brasil, e não daria conta de fazer isso sozinha", diz ela.


Marina Sena foto Fernando Tomaz
Fotos: Fernando Tomaz



“Você vai se viciar, quer queira, quer não”, afirma Marina Sena, ao explicar o título de seu segundo álbum solo, Vício inerente, com lançamento nesta quinta-feira (27.04) . Nascida há 26 anos em Taiobeiras, cidade de 33 mil habitantes no norte de Minas Gerais, a cantora e compositora viciou primeiro o público de Montes Claros, município de 418 mil habitantes onde morou, também do norte de Minas, como integrante d’A Outra Banda da Lua. Em 2019, com o grupo Rosa Neon, conseguiu viralizar a música “Ombrim”, o que se repetiu na estreia solo, dois anos depois, com o álbum De primeira e, em especial, com o hit “Por supuesto”.

Determinada em amplificar cada vez mais seu alcance, Marina inaugura com Vício inerente a associação com a gravadora multinacional Sony, interrompendo assim uma história que crescia organicamente, frequentemente sem nenhum dinheiro. “A coisa que mais me deixava triste no Rosa Neon era ter mais de 1 milhão de views e eu não ter um real no bolso”, diz, encarando com doses de humor e ironia os degraus que galgou e os que ainda tem a galgar.

MarinaSena Capa VicioInerente

A capa de Vício inerente

Em entrevista à ELLE, Marina fala sobre suas origens na região peculiar que une Minas e Bahia e descreve a chegada da fama, ao mesmo tempo desejada e desconcertante.

Como foi o início da sua vida, em Taiobeiras?
Viver no interior é bom demais. Você tem contato com a roça, com o leite da vaca, com o alface orgânico. Tive uma infância muito livre, andando de bicicleta e patins na rua, sem nada para fazer e indo para a casa da tia fazer nada de novo. Demorei a ter computador. Com 18 anos, quando mudei para Montes Claros, não tinha nem WhatsApp, só mandava SMS. Meus pais são pessoas muito humildes, não conseguem nem abraçar o fato de hoje eu ganhar dinheiro. Até esses dias, dizia para minha mãe, que vinha para São Paulo de ônibus: “Mamãe, sua filha é cantora, tem que andar de avião”. Mas ela não queria: “É muito caro, não quero. Está gastando demais”. Toda medrosa de eu ter condição agora. Meu pai é a mesma coisa, falei que ia colocar ele num hotel muito bom, “e eu quero saber de hotel bom?, me coloca num pequenininho, numa pensão”. Ele tem várias habilidades, agora está mexendo com chocadeira, chocando ovo. Minha mãe tinha uma fábrica de lingerie e saía vendendo calcinha e sutiã pelo Vale do Jequitinhonha todo, de carro, de porta em porta, de 50 em 50 reais. Ia muito com ela para o Vale, e amava. É a coisa mais linda do mundo, o cinema lá é forte, é muito musical, muito cultural. Tem as lavadeiras do Vale do Jequitinhonha, o congado mineiro, o reisado. O norte de Minas tem muitas aldeias indígenas, muito quilombo, então é culturalmente muito diverso.

“Sempre fui muito preocupada com a imagem, porque música boa eu faço brincando”

Você é essa mistura?
Com certeza. Sou o exato fruto dessa musicalidade. Não sei falar exatamente o que peguei, mas acho que é meu jeito de cantar. Considero meu canto muito agreste. Tinha uma banda lá que se chamava Grupo Agreste, outra era o Grupo Raízes. O Raízes tinha Ângela Linhares, e quando escutei a voz dela, falei: “Eu canto assim, nesse lugar cortante, bem agreste”. Ela tem isso, as lavadeiras do Vale do Jequitinhonha têm isso, essa coisa aguda e cortante. A voz parece ser um instrumento. Só consigo cantar se for assim. Ficou enraizado em mim que é assim que se canta, porque lá até as cantoras de forró fazem assim. Cresci no forró pé de serra, forró na roça, com sanfoneiro tocando, São Joãozão mesmo, quadrilha, fogueira. Ia muito, dançava forró com os véio tudo lá da roça, com os tios, os primos todos pequenininhos dançando forró. Falo que o norte de Minas é o melhor lugar do Brasil, porque é a mistura de Minas com Bahia. É perfeito. É essa calma das montanhas de Minas, mas também o pau comendo no axezão, a galera do sangue quente.

Você chegou a participar do programa The Voice aos 17 anos, quando ainda morava em Taiobeiras?
Nessa época, minha mãe decidiu me mandar estudar em Belo Horizonte, morei meio semestre lá. Aí, me inscrevi no The Voice, passei na primeira etapa e participei da segunda, que não é na televisão (é uma seletiva). A partir disso, nunca mais fui à escola. Vi que tinha alguma coisa, uma menina lá de Taiobeiras passar num negócio da Globo… Para mim, significou muita coisa, uma comprovação de que estava certa. Falei para minha mãe: “Vou fazer isso da vida”. Ela foi compreensiva, porque o negócio era “essa menina tem que arrumar alguma coisa, já vi que ela não quer nada relacionado com a escola, não quer fazer faculdade”.

MarinaSENA corpo


Ela já entendeu que a filha escolheu uma profissão que precisa de muito trabalho?

Ela não sabia, e nem eu. Caramba, precisa trabalhar tanto assim? Não sabia, me enganaram. Juraram para mim que eu ia ser vagabunda. Falei: “Vou ser artista, artista é vagabundo. Quero ser vagabunda”. Cheguei aqui, tinha que trabalhar pra caramba. Ai, meu Deus do céu, o que fui arrumar? É muita canseira, muito trabalho, o tempo todo. Se você canta, pode até parar, só que não vai produzir. Até pode tocar o foda-se e tirar dois meses de férias, mas e a estrutura montada ao redor de você para o trabalho funcionar? Você é uma empresa mesmo, e para ter um mecanismo que funciona precisa estar trabalhando.

No final do Rosa Neon, o integrante Marcelo Tofani falou da banda como “uma bola de ego louca”. Como era isso?
Artista, né? Eu sempre fui uma bola de ego (risos). Mas acho que todo ser humano é, a diferença é que o artista tem mais oportunidade de mostrar que o ego dele é elevado. Mas banda é complicada. Amo os meninos da Outra Banda da Lua mais que tudo nesta vida, quando estou triste só queria estar em Montes Claros com eles fazendo um som, lá na roça, tomando uma cerveja, pé no chão. Só que dá trabalho a tal da banda. Você tem que negociar sua opinião o tempo todo. Chegou um momento que falei: “Não quero mais isso, quero falar e está falado. Posso até estar errada, mas me deixe errar. A gente pode até discutir, mas se no final falar que é isso, não quero mais que você tente me convencer do contrário (risos)”. E banda não é isso.

“Sempre fui uma bola de ego (risos). Mas acho que todo ser humano é, a diferença é que o artista tem mais oportunidade de mostrar que o ego dele é elevado”

Por que Rosa Neon virou um hype?
Acho que, além de um som diferente, também tinha uma estratégia de marketing bem pesada para quem era independente e não tinha um real no bolso. A gente chegou muito grandão, fez oito clipes em oito meses. Anitta fez isso aqui no Brasil, mas com gravadora. Fizemos com nada, gastamos 5 mil reais com o clipe de “Ombrim”. Com os outros, nem isso. A gente chegou no mercado cheio de nariz empinado, de pompa, mas se ferrou para cumprir o que tinha prometido. Chegamos com sangue no olho, não chegamos para pouco. Marketing é tudo, realmente. Era tudo da nossa cabeça. Até De Primeira foi desse jeito. Sempre fui muito preocupada com a imagem, porque música boa faço brincando. Se peidar faço uma música boa. Quanto a isso, está ok. Mas me preocupei além disso, porque precisava de uma imagem boa, toda uma coisa atrelada à música.

Já no Rosa Neon havia uma música chamada “Fama”. Que reflexão você faz sobre estar cada vez mais famosa?
A coisa que mais me deixava triste no Rosa Neon era ter mais de 1 milhão de views e não ter um real no bolso. Como vou pagar de rica se não tenho um real no bolso? Estava viralizando num nicho, mas não não sabia nem como ganhar dinheiro, não sabia que tinha como ganhar royalty. Depois, você começa a ver que tem como ganhar dinheiro assim. Mereço esse dinheiro, deveria estar ganhando e não ganhei. Qual tinha sido a pergunta mesmo?

Marina Sena Elle View

A cantora na capa da Elle View de dezembro de 2021

Perguntei sobre fama e você respondeu sobre dinheiro. São coisas atreladas?
A música diz “Fama às vezes não dá dinheiro/ dinheiro compra até fama”. A gente vivia exatamente isso. Olhava uma galera (e me perguntava), por que essa pessoa é famosa? É dinheiro, comprou a fama. Agora comecei a entender como artista ganha, de onde, mas essa informação ninguém te dá. Achava que ou você era Anitta ou não tinha um real no bolso. Não sabia que existia esse lugar de crescimento, descobri no processo. Você fica rica e as pessoas começam a te dar coisas. Mas quando não tinha dinheiro ninguém me dava. Agora que tenho ficam me dando. Mas eu posso comprar.

O primeiro single, “Tudo pra amar você”, gerou algumas críticas sobre ter muitos efeitos eletrônicos na voz. Quanto sua música é orgânica ou não?
A voz é um instrumento como qualquer outro. Se você distorce uma guitarra, pode distorcer a voz tranquilamente. Enxergo minha voz como um instrumento. Tem horas que as pessoas acham esquisito, mas não tenho obrigação com a voz natural da fala. Tenho obrigação com uma vibe, com que som a música está pedindo naquele momento. Pode ser o som de um saxofone ou de uma guitarra desafinada, às vezes é minha voz que está fazendo esse barulho.

“Falei: ‘Vou ser artista, artista é vagabundo. Quero ser vagabunda”. Cheguei aqui, tinha que trabalhar pra caramba. Ai, meu Deus do céu, o que fui arrumar?'”

O que muda com sua entrada na Sony Music?
Foi uma mudança grande, porque até então tudo que eu tinha feito foi independente. Tem um ano e meio que lancei De primeira e tudo isso aconteceu, eu mesma investindo, colocando fé no negócio e tratando com muita seriedade. Mesmo quando eu não era nada e meu nome não existia no mercado, decidi agir como se fosse grande, uma estrela, como se todo mundo já me conhecesse. A música boa eu tenho, se vier com tudo atrelado, com seriedade, é óbvio que vai bombar. Fui para a Sony porque chega um momento que você precisa de ajuda, de algo maior, se quiser crescer. Preciso ser divulgada fora do Brasil, e não daria conta de fazer isso sozinha. Vou lançar Vício inerente com a certeza de que minha música vai tocar na rádio, meu post vai estar sendo patrocinado para pessoas que jamais acessaram minha música, minha cara está aparecendo em lugares que não estou nem vendo.

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