Michaela Jaé Rodriguez, do drama à comédia

A atriz, vencedora do Globo de Ouro por Pose, fala do papel distante de sua antiga série que interpreta em Fortuna, que estreia na Apple TV+.


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Michaela Jaé Rodriguez foi a primeira atriz transgênero a ser indicada ao Emmy e a primeira a vencer o Globo de Ouro. Tudo por causa da Blanca Evangelista, de Pose (2018-21). A série sobre a cena ballroom na Nova York dos anos 80 e 90, que reunia pessoas LGBTQIAP+ latinas e negras, foi pioneira ao escalar cinco atrizes trans para seu elenco principal, focando nas experiências dessa comunidade e no surgimento e auge da epidemia de AIDS.

Na época da cerimônia do Emmy, em setembro do ano passado, a atriz e cantora anunciou que queria ser mais do que a personagem e deixar o mundo conhecer a mulher dentro de MJ Rodriguez, seu nome artístico até então. Ela passaria a usar em seus trabalhos seu nome próprio, Michaela Jaé Rodriguez.

É como se fosse o princípio de uma nova fase. Depois de um pequeno papel em Tick, tick… boom! (Netflix), dirigido por Lin-Manuel Miranda (Hamilton), ela retorna na série Fortuna, que estreia na sexta-feira (24.06), no Apple TV+.


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Sua Sofia Salinas não poderia ser mais diferente de Blanca Evangelista, começando pelo fato de a série ser uma comédia. Michaela interpreta, porém, a personagem séria e focada que dirige a fundação de Molly Novak (Maya Rudolph, do Saturday night live), uma bilionária que decide se envolver mais em filantropia depois de se separar do marido.

Fortuna é uma comédia sobre o ambiente de trabalho com toques dramáticos sobre as dificuldades de mudar, quando se é adulto, e sobre as desigualdades sociais do mundo. Michaela conversou com a ELLE sobre a série:

No ano passado você foi capa da ELLE Brasil. Quais são suas memórias?
Ai, meu Deus! Primeiro, eu amo o Brasil. Vocês sempre me mostraram amor e coisas positivas como nenhum outro lugar. De verdade. Então toda vez que eu recebo amor do Brasil, preciso verter de volta. Fazer a capa da ELLE Brasil foi um dos pontos altos da minha vida. Nunca tinha feito uma capa da ELLE antes, e poder fotografar com um fotógrafo brasileiro, stylists brasileiros, estar perto de pessoas que percebi serem muito semelhantes a mim me deixou tão confortável e segura. Foi uma experiência ótima.

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Michaela, clicada por Will Vendramini, para a ELLE Brasil


Você é mais conhecida no Brasil por causa de Pose, que foi uma série tão importante em termos de representatividade, falando das experiências de pessoas trans e queer latinas e negras. Em Fortuna, as questões de gênero e étnicas não são o foco. Como é ter a oportunidade de interpretar alguém tão diferente em uma série tão diferente?
A principal coisa que me atraiu a Sofia foi que sua transgeneridade ou cisgeneridade não eram o foco, mas sim sua força motriz de ser a melhor possível nesse ambiente de trabalho. Essa é uma das coisas que a diferencia de Blanca. Mas também amo sua persistência e como, mesmo quando ela é dura, há algo acolhedor por trás. Gosto de como suas defesas podem ser derrubadas por Molly, que é um sopro de ar fresco. Mesmo que Sofia fique frustrada quando Molly toma seu espaço, sua vontade de controlar diminui, e ela deixa Molly ocupar espaço. Sofia não aceita não como resposta. Eu aprendi com isso!

Ela é muito apaixonada por suas lutas contra a desigualdade. É importante estar numa série que, sim, é engraçada, mas fala desse tema?
É muito importante. É irônico que Molly, essa bilionária que herda US$ 87 bilhões, tem esse momento de virada ao se divorciar de seu marido e vai para essa fundação que Sofia dirige há muito tempo. Molly está tentando reconstruir sua vida por meio dessa fundação, enquanto Sofia está tentando reconstruir o mundo em que Molly viveu por tanto tempo. É muito importante, e eu adoro ver que é abordado de tal maneira que você pode rir e também levar a sério, porque são questões sociais que estão acontecendo no mundo inteiro.

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Michaela em cena de “Fortuna”Foto: Divulgação


Sofia é a escada, porque os personagens à sua volta estão fazendo a comédia, e ela se mantém séria. Como foi para você?
Foi difícil, porque todo o mundo é engraçado. Todos são comediantes e sabem improvisar. Eu ficava lá, olhando para eles e em alguns momentos não conseguia segurar a risada. Certamente, foi bem difícil manter minha compostura porque a Sofia tem de ser séria, mas foi muito divertido de vez em quando cair na risada e apreciar o que eles tinham a oferecer.

Voltando à questão da representatividade, aqui temos duas mulheres como protagonistas: você, negra, latina, e a Maya Rudolph, que também não é branca.
Sim. É lindo ver duas mulheres na liderança. A coisa mais importante para a Sofia é não desprezar Molly. Ela sabe que a Molly é uma mulher que passou por muita coisa. Sofia não quer que Molly se dê mal, porque não é isso que, nós, mulheres, queremos fazer. Molly é a CEO, e Sofia, a COO (diretora de operações). Muita gente aproveitaria a chance de Molly estar por baixo para tentar tomar o lugar da outra. Mas Sofia não é essa pessoa. Ela quer ter certeza de que há alguma camaradagem e girl power naquele espaço, porque elas têm de conviver.

Sofia é a bússola moral da série e daquela fundação. Você acha que, pela posição que conquistou, tem responsabilidade de ser um exemplo?
Ah, sim! Eu certamente acho que tenho responsabilidades. Sempre estou falando sobre isso com meu namorado, e ele tenta me manter lúcida. Sou de Capricórnio, então estou sempre remoendo as coisas, a cada minuto do dia. Mas, sim, é uma linda responsabilidade, e quero ter certeza de que faço jus a ela. Sei que sou humana e vou errar, e as pessoas vão ter suas ideias sobre meus erros, mas em geral sou uma pessoa otimista e gosto de me envolver em grandes trabalhos que vão fazer as narrativas progredirem mais, estando elas atreladas ao fato de eu ser uma mulher trans ou sendo apenas um projeto falando de camaradagem e da coletividade de trabalharmos juntos.

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A atriz com Maya Rudolph na série Foto: Divulgação


Este é o Mês do Orgulho LGBTQIAP+. No Brasil e ao redor do mundo, ainda há muito progresso a ser feito. Quais são suas prioridades nessa luta no momento?
Quando se é adulto, há coisas que você pode mudar, mas muitas coisas estão solidificadas. Com os bebês, as crianças, não. Eles sempre estão aprendendo até virarem adultos. Eles são meus focos. Como nós influenciamos as crianças? Como ensinamos? Como conversamos com elas? Sem, claro, ir muito fundo nos assuntos, mas oferecendo o suficiente para que tomem decisões corretas para si mesmos. E, enquanto adultos, identificando-se como heterossexual, transgênero ou gay, como conversar com os jovens para que eles se desenvolvam para ser as lindas flores e árvores que são. Esse é meu foco. E é essa a contribuição que espero poder dar com meu trabalho.

Tem esperança no futuro e na juventude?
Ah, sim! A juventude hoje está bem à frente. Acho que por causa das redes sociais, eles têm as ferramentas nas mãos. Nós temos esses tiroteios horríveis aqui nos Estados Unidos, mas ver meninos e meninas exigindo que políticos tomem medidas para evitar os massacres em escolas, implorando por suas vidas, me mostra que essa nova geração é determinada, autoconfiante e preparada para agir. Espero que todos aprendam com ela e continuem agindo.

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