Milian Dolla incendeia as pistas e as redes sociais

Mergulhe na trilha sonora da vida dessa DJ goiana, que tem feito a cabeça e os quadris do Brasil com seus sets rebolantes.


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Milian Dolla é a DJ goiana de 26 anos que tem conquistado a cena de São Paulo e arrebata fãs com seus looks performáticos no Instagram. Milian Rúbia é a mulher que gosta de ouvir discos na ordem, do começo ao fim, com mil e uma manias que variam a cada álbum. Milian Dolla toca música barulhenta para jovem dançar, como seu amigo e excelente produtor musical MAFFALDA definiu. Milian Rúbia só consegue ser Milian Dolla porque, de vez em quando, foge do olho do furacão. Da dualidade constante e de uma profusão de referências, a artista tira sets envolventes, ótimos para rebolar e sempre com um elemento surpresa, um quê inesperado que dá o tom da magia.

A carreira de Milian na noite começou ainda em Goiânia, mas não nas pistas: ela trabalhava como hostess de uma balada chamada El Club, quando um amigo DJ percebeu sua paixão pela música. Sugeriu, então, que ela começasse a discotecar e a ensinou brevemente como operar uma CDJ. De hostess, a garota passou a ser a última DJ do line-up da El Club, aquela que entrava com o objetivo de segurar a pista no auge da loucura. Assim, foi-se criando o lugar de Milian Dolla, DJ que faz as pessoas dançarem.


A curadoria de Milian, inicialmente mais focada em hip-hop e rap, rapidamente foi agregando outros elementos. A liberdade de ser a última DJ, aliada à pressão do horário, abriram espaço para que ela não se resumisse a um estilo – e sua bagagem eclética também contribuiu para isso. A mãe de Milian ouvia músicas dos anos 80 e limpava a casa ao som de Roxette a toda altura. Seu pai andava com várias fitas no carro de música goiana, modão, sertanejo raiz – e ainda que por algum tempo ela tenha negado esse lado, hoje fala com muito orgulho que “Sublime Renúncia” e “Boate Azul” são brilhantes. “Embora não seja o tipo de som com que eu trabalho, me traz muito para quem eu sou, fala sobre minhas raízes e foi muito importante para a minha construção de referências”, conta.

Além do trabalho nos clubs, Milian é presença frequente em festivais, onde já tocou como DJ de Pabllo Vittar e de Jaloo. Também é um dos nomes por trás da Stash, projeto liderado por artistas mulheres que produz festas na cena noturna paulistana. De três anos para cá, ela também tem flertado com produção musical, namoro que se intensificou graças ao tempo livre decorrente da quarentena imposta pela pandemia do novo coronavírus.

Curiosamente, Milian não se arrisca muito em playlists. Quando não está trabalhando, prefere escutar discos inteiros e raramente ouve as músicas que toca nas pistas, mais reservadas aos momentos de pesquisa. Na entrevista feita por chamada de vídeo para a ELLE, a DJ conta que tem com a música uma relação de “trilha sonora”. “Sempre que escuto esses álbuns, eles me levam pra esses momentos, onde eu estava, quem eram meus amigos da época, o que eu estava vivendo, quais eram os meus dramas”, conta ela. É por meio dos 12 discos mais marcantes da vida de Milian, portanto, que você vai conhecer mais sobre a trajetória da DJ.

Milian Dolla vestida com blusa laraja com babados e oculos com lentes rosa degrade

Pesquisadora musical por natureza, a DJ acumula referências que incluem som dos anos 80 e sertanejo raiz, que seu pai costumava ouvir.Foto Fernanda Liberti

Metronomy, The English Riviera (2011)
Em uma faixa: “Corinne”
Volto lá atrás, na época da minha transição de sair do interior para morar em Goiânia, quando conheci a galera da balada, encontrei pessoas com quem eu me identificava. Era um álbum que eu ouvia muito com meus amigos, ele me trazia muita paz quando eu queria relaxar, quando queria dar uma animadinha, mas não animar muito, era pau para toda obra. O indie contemplou muita gente porque era esse lugar: não era sobre rock cru, mas não era sobre pop nem sobre eletrônico, mas incluía tudo. Eu curtia muito.

Daft Punk, Random Access Memories (2013)
Em uma faixa: “Giorgio By Moroder”
Esse eu acho transcendental. Tinha que ouvir esse ábum no fone [de ouvido], mais sozinha. Hoje que eu estou me aventurando com produção musical, o disco me traz muito para a referência de construção de música. Eu já era fã de Daft Punk e, quando saiu Random Access Memories, fiquei uns três meses ouvindo diariamente. É muito chique, Daft Punk sempre foi muito à frente do seu tempo.

Hot chip, In Our Heads (2012)
Em uma faixa: “Motion Sickness”
Eu fazia algumas viagens com amigos, a gente ia para Chapada dos Veadeiros, Pirenópolis, sempre botava no carro. Ficou essa associação pra mim de música de viagem. Só que também me levava a transcender sonoramente, uma produção musical muito bem feita, me chamava muito a atenção pela coesão do álbum.

Sade, Diamond Life (1984)
Em uma faixa: “Why can’t we live together”
Nesse movimento de resgate de músicas que minha mãe ouvia, eu consumia muitas faixas. Muito tempo depois, fui pesquisar quem eram os artistas e me aprofundar mais. Lembro que tinha uma música da Sade que eu amava, comecei a ouvir muito esse álbum, que é incrível: tem uma vibe sensual, chique. Só que é para escutar em um volume médio, não é para explodir de alto, nem no fone. Música de jantar, sabe?

Interpol, El pintor (2014)
Em uma faixa: “My desire”
Escuto até hoje quando quero chorar, é a trilha sonora da minha tristeza. El Pintor é um disco muito elegante, que me causava essa sensação de mais de solitude, de querer ficar sozinha, mas diferente de um ‘sozinha Daft Punk’, que era para brisar. Esse era de sentir. O show que fui assistir do Interpol no Lollapalooza era da época desse álbum, e estava chovendo, de tarde, tudo cinza. Era exatamente essa impressão que eu sentia quando ouvia o álbum, introspectivo mesmo.

Blood Orange, Freetown sound (2016)
Em uma faixa: “E.V.P.”
Eu já era muito fã do Dev Hynes e do Blood Orange, ouvia as coisas mais soltas dele e fiquei muito tempo ouvindo esse álbum. Ano passado, eu resgatei: estava com uma amiga que também é fã dele, a gente estava em casa cozinhando e eu falei ‘vou botar’, pronto. Só que foram sensações diferentes: quando ele foi lançado, eu ouvia em viagens de carro, com amigos, e me deixava muito bem, trazia sensações muito boas. Ao ouvir no momento em que eu estava sacando mais de produção musical, peguei como referência – ele é muito marcado pela bateria e comecei a ouvir os elementos de outra forma, prestar atenção em outras coisas. Valorizo muito músicas que criam momentos – sabe uma música que você está acompanhando e de repente ela vira outra coisa, vai para outro lugar, até causa estranheza? Gosto. Músicas muito retas, lineares, bem, eu não me vejo tanto ouvindo a faixa do começo ao fim, sou meio impaciente.

Milian Dolla com luvas azuis e maquiagem com cristais

Milian Dolla: cada álbum é uma viagem no tempo.Foto Takeuchiss

Serena Assumpção, Ascensão (2016)
Em uma faixa: “Xangô”
Esse disco veio em um momento em que eu estava muito ligada à macumba, ouvia para começar o dia, me trazia uma sensação de entrar em uma cachoeira. É um álbum póstumo que reúne artistas incríveis e cada faixa é sobre um orixá. É lindíssimo, me deixa muito emocionada. Desde criança, eu era muito doida do mundo, mas tinha um lance com religião. Meus pais não iam à igreja, mas eu ia sozinha com a minha bíblia na mão – hoje vejo que o que me deixava mais maravilhada na igreja era a parte musical. Em Goiânia, fui com um amigo em um terreiro de umbanda e foi o mais próximo de me sentir muito bem e sentir que faz sentido, sabe? Nunca consegui ter uma grande frequência por causa do meu trabalho, é um dilema. O que faço é tentar, em casa, dar uma atenção de outra forma para minha espiritualidade. Tenho meu altar, minhas velas, faço meus rituais. Esse álbum foi muito marcante para mim nesse momento de reconexão.

Jorge Ben Jor, Tábua de Esmeralda (1974)
Em uma faixa: “Errare Humanum Est”
e Mateus Aleluia, Fogueira Doce (2017)
Em uma faixa: “Fogueira Doce”
Esses dois discos são sobre o mesmo momento, que é sobre fugir de São Paulo. Em 2017, eu estava no auge do surto. Trabalhava numa assessoria de imprensa, estava prestes a entender que queria trabalhar com música, mas não tinha coragem, sofria muito. Fui demitida e foi uma libertação, só que minha cabeça não estava boa para eu entender para onde eu ia. Fui morar na praia (em Picinguaba, Ubatuba) com a MC Tha, que também estava nesse momento de se entender musicalmente. A gente ouvia bastante Tábua de Esmeralda e Fogueira Doce. Foi uma estadia muito musical, esses dois álbuns me trouxeram a cura desse momento que eu estava vivendo. Foi um momento muito transformador, aí, eu me senti pronta para voltar para São Paulo e, magicamente, as coisas começaram a acontecer.

Céu, Tropix (2016)
Em uma faixa: “A Nave Vai”
Desde 2013 eu trabalhava na produção do Festival Bananada, o que me trouxe muito esse contato com a música brasileira e artistas brasileiros. Jaloo, Liniker, pessoas que hoje são minhas amigas, conheci ali. Quando a Céu lançou o Tropix, eu devorei do começo ao fim, achava muito gostosinho de ouvir. Gosto da voz dela, dessa voz doce, do álbum de ter uma energia dançante, ter momentos profundos, mas não me levar pra tristeza, sabe?

Elza Soares, A Mulher do Fim do Mundo (2015)
Em uma faixa: “Luz Vermelha”
Primeiro, que é Elza. Segundo, é um álbum muito necessário. Ninguém trouxe a questão do abuso da forma que ela trouxe, com essa urgência. “Cadê meu celular? Eu vou ligar para o 180”, sabe? Cravar isso na mente das mulheres, que elas têm para onde denunciar, que o número é esse, acho muito forte. E é gostoso de ouvir: ao mesmo tempo em que é pesado, é denso, ele tem sua leveza. Quando saiu, foi uma época em que eu já estava me conectando muito com a música brasileira, vi vários shows da Elza nessa época. Chapei muito nesse disco.

Linn da Quebrada, Pajubá (2017)
Em uma faixa: “Serei A”
É difícil falar isso, porque tenho muitos amigos artistas maravilhosos, que amo, e muitos artistas que não são meus amigos, e eu admiro muito. Mas, para mim, a Linn da Quebrada é a minha artista do momento, é quem faz mais pelo Brasil hoje. Ela mata a paulada, te faz pensar sobre muita coisa, te ensina muita coisa, te faz questionar muito a fundo. Em um momento em que a gente acompanha as pautas LGBTQIA+, ela veio e desconstruiu tudo. Ela trouxe um “a gente quer estar viva” como pauta, mas também vem com um lado meio tragicômico, pesado, de falar de putaria, porque também é sobre isso. É um álbum sem pudor e, para quem não está ligado, é um álbum que incomoda, provoca. É uma obra-prima, um grande disco.

Ouça aqui a playlist de Milian Dola:

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