Indicado a dez Oscars, “O brutalista” traz o passado para entender o presente
Adrien Brody, que interpreta um arquiteto sobrevivente do Holocausto, Guy Pearce, Felicity Jones e o diretor Brady Corbet conversaram com a ELLE sobre o filme

Pode-se acusar O brutalista, longa que estreia nesta quinta-feira (20.02) nos cinemas brasileiros, de tudo, menos de falta de ambição. O vencedor do Leão de Prata de direção no Festival de Veneza tem mais de três horas e meia de duração, um intervalo que faz parte da experiência, e foi rodado em VistaVision, processo que usa película 35 mm (e não câmeras digitais) em formato widescreen.
O filme chegou forte à temporada de premiações. Dirigido por Brady Corbet (Vox Lux: O preço da fama, de 2018), levou três Globos de Ouro, quatro Baftas e concorre a dez Oscars, incluindo melhor filme, direção, ator (Adrien Brody, vencedor do Oscar por O pianista, de 2002), ator coadjuvante (Guy Pearce, de Amnésia, de 2000) e atriz coadjuvante (Felicity Jones, de A teoria de tudo, de 2014).
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Favorito ao Oscar de ator, Brody interpreta László Tóth, um arquiteto húngaro fictício que chega a Nova York em 1947, depois de sobreviver a campos de extermínio. É um momento de confusão: durante a Segunda Guerra, Tóth separou-se da mulher, Erzsébet (Felicity), e da sobrinha dela, Zsófia (Raffey Cassidy). As notícias sobre a sobrevivência das duas demoram a chegar. A princípio, ele é recebido por um parente, Attila (Alessandro Nivola), mas recomeçar em outro país não é fácil.
As coisas parecem mudar quando o milionário Harrison Lee Van Buren Sr. (Pearce) se encanta pelo trabalho de Tóth e o contrata para um grande projeto. Até que o imigrante vê que seu sonho americano não necessariamente vai se tornar realidade.
O diretor e elenco conversaram com a ELLE sobre as ideias contidas em O brutalista e a identificação com os personagens.
Adrien Brody em cena do longa
A relação de Tóth com O pianista
No filme de 2002 dirigido por Roman Polanski, Brody interpreta um musicista judeu polonês que também sobrevive ao Holocausto e às ruínas de seu país durante a Segunda Guerra Mundial. “Adrien me disse que os anos de pesquisa e conversas com sobreviventes ajudaram muito no seu papel aqui (em O brutalista), 20 anos mais tarde”, contou Corbet. “Quando O pianista foi lançado, ele tinha 29 anos. Agora, tem mais de 50. Mas o entendimento sobre esses homens sobreviventes do Holocausto continuava internalizado.”
A proximidade do ator com o personagem
A mãe de Brody, Sylvia Plachy, nasceu na Hungria e fugiu do país durante a Revolução Húngara de 1956, uma onda de protestos contra o governo comunista, subordinado à União Soviética, que mandou tropas para aniquilar a revolta, matando milhares de pessoas. Com a família, ela se refugiou em Nova York, onde se tornou fotógrafa. “Esse filme é uma experiência notável para mim em diversos aspectos, mas principalmente por causa dos paralelos com a história da minha família”, disse Brody. “Claro que é uma experiência universal também, de muitos descendentes de imigrantes. Mas foi ótimo poder falar da minha própria compreensão dessa jornada. Minha mãe e meus avós não apenas fugiram da Hungria, ela também é uma artista, há paralelos com László. Sua natureza empática e como ela enxerga o mundo me influenciaram muito e também às minhas escolhas como ator. Foi incrível representar as lutas passadas da minha mãe.”
Brody e Felicity Jones
Filmes que têm o que dizer
“Todo o mundo está com medo de dizer a coisa errada, mas precisamos poder explorar ideias sem sermos cancelados”, disse Corbet. “Não faço filmes de propaganda, com mensagens. Quero explorar por que estamos aqui hoje. Mas é um período complicado para o mundo. O antissemitismo está em alta, a islamofobia também. É uma bagunça. Mas o pior seria pararmos de fazer filmes que falam de algo. Porque isso seria a morte da cultura e de tudo o que amamos.”
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Por que o brutalismo
Tanto Corbet quanto sua mulher e corroteirista Mona Fastvold são apaixonados por arquitetura. László é baseado em arquitetos como o hungaro Marcel Breuer, o estoniano Louis Kahn e o alemão Mies van der Rohe, que se radicaram nos Estados Unidos. Eles ficaram famosos pelo movimento chamado brutalismo, de proporções grandes, uso de concreto, formas geométricas e estruturas expostas. O Brasil é um dos expoentes do brutalismo, com arquitetos como Lina Bo Bardi, Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha.
Além de seu auge ser no período retratado pelo filme, havia outras razões para a escolha do estilo. “Os conservadores nos Estados Unidos tendem a romantizar os anos 1950, querem voltar àquela época”, disse Corbet. “E sempre dou como exemplo minha avó, que era comissária de bordo nessa época, amava seu emprego, mas foi demitida assim que engravidou. Então acho perverso romantizar esse passado. Da mesma maneira, fico perturbado com a arquitetura neoclássica, um estilo que autocratas do mundo todo amam. Não digo que o brutalismo é a resposta, mas é um caminho para o futuro. Inclusive acho o brutalismo da América do Sul e Central muito mais convidativo do que aquele dos Estados Unidos e da Europa do Leste e Central. As pessoas não compreendem o brutalismo. Mas ele simboliza progresso e a experiência do imigrante. É inclusive muito interessante que, em seu primeiro mandato, Trump tinha um projeto chamado ‘Torne os prédios federais bonitos novamente’, que basicamente proibia a arquitetura brutalista em Washington. Interessante porque ele certamente não sabe quem é Albert Speer (arquiteto nazista que propôs a reconstrução de Berlim de maneira grandiosa e no estilo neoclássico), mas parece carregar a tocha dessa tradição.”
Brody e Guy Pearce
Trauma
“O longa trata basicamente de estresse pós-traumático e como cada um dos personagens lida com isso”, disse Corbet sobre as consequências da Segunda Guerra Mundial e do antissemitismo. “Nos anos 1950, havia uma epidemia de heroína. Para muitas pessoas, era uma maneira de lidar com o trauma. László tem muita dificuldade de se expressar verbalmente, o que era muito comum nos homens daquela era. O trauma dele se manifesta em seu trabalho. Era uma maneira de exorcizar os demônios, estando ou não consciente disso.” Para Felicity, a conexão entre Érzsébet e László e entre ela e a sobrinha são as coisas que fazem com que ela consiga atravessar o trauma. “Ela está sofrendo com osteoporose provocada por desnutrição, vemos os efeitos físicos, mas na segunda parte do filme, sua resiliência retorna, quando ela se reúne com a pessoa que ama.”
O capitalista contra o brutalista
Para Pearce, seu personagem reconhece o talento de László. “Mas ele é como um caçador que vai à África, vê um leão, aprecia sua beleza e poder, mas o mata para não se sentir sem poder diante daquela criatura. Então há um senso de propriedade e de sufocamento. É a única maneira de ele sentir que tem poder.”
Século 20
“Há algo cíclico na história. Uma coisa é dizer que a história se repete, outra é sentir. Quero capturar o sentimento da história”, disse Brady. “Tenho interesse no século 20 – meu próximo filme também se passa no período (Corbet vai fazer uma mescla de terror e western que acontece majoritariamente nos anos 1970 e fala de misticismo e imigração) – porque há muitos acontecimentos definidores. Mas também porque quero saber por que estamos onde estamos hoje. Acredito que ninguém está muito empolgado com a maneira como o mundo está funcionando agora. Muitos estadunidenses estão falando de deixar o país depois da última eleição presidencial. E me pergunto: mas para onde vão? Temos Marine Le Pen na França, Bolsonaro no Brasil. Nenhum lugar está a salvo. Para mim, é um problema global. Não é uma crise nacional, mas internacional.”
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