O retorno de Bebel Gilberto
Cantora lança seu primeiro trabalho em seis anos e, em entrevista exclusiva, fala sobre o pai, João Gilberto, envelhecimento, moda, Novos Baianos e Billie Eilish.
“Hoje está um clima na cama com Bebel”, diz Bebel Gilberto, enquanto se acomoda entre travesseiros, em seu quarto, no Rio de Janeiro, para falar por Zoom sobre seu novo disco.
Agora é seu primeiro trabalho em seis anos e vem sendo gestado desde 2017, sem pressão de gravadora ou de empresário, mas com um período de luto. No último ano e meio, Bebel enfrentou a morte da mãe, a cantora Miúcha; do melhor amigo, o compositor Mario Vaz de Mello; e do pai, João Gilberto, a quem dedica uma canção do disco, “O que não foi dito”. Sem metáforas, ela canta: “Na outra metade da vida / Você soube, fez tudo / Mas nessa metade, vou ter que tentar te ensinar /…Me escuta, me deixa fazer / O que é necessário / Deixa eu cuidar de você / pois é preciso”. “É bom ter essa terapia pela música”, diz à ELLE.
Musicalmente, o disco evoca Tanto Tempo (2000), o primeiro álbum internacional de Bebel, que exportou a bossa nova eletrônica para o mundo, feito em parceria com Suba (o produtor sérvio, que morreu, vítima de um incêndio, antes da finalização do álbum, foi um dos responsáveis por introduzir elementos eletrônicos na música brasileira nos anos 90). “Eu estava a fim de me livrar um pouco do violão, deixa eu fazer uma coisa eletrônica.”
Agora é uma parceria com o produtor americano Thomas Bartlett, que já trabalhou com Norah Jones, St. Vincent e Yoko Ono. Mart’nália participa de uma das músicas, “Na Cara”. “Ela é minha amiga e sempre teve essa vontade de colaborar. Fez a letra por WhatsApp, rapidinho. Foi ótimo, melhor ainda fazer o clipe. A gente fez pelo iPhone, com o diretor orientando remotamente.”
A cantora planeja uma live para o lançamento de disco, acompanhada pelo sobrinho, o músico Chiquinho Brown, filho de Carlinhos. Nesta semana, seus shows na Holanda foram remarcados para maio, depois que sua turnê foi adiada. “Claro que correm o risco de serem cancelados de novo, mas é uma esperança.”
Aos 54 anos, Bebel se define uma “falsa hippie”, vaidosa e mais serena do que anos atrás. Na entrevista à ELLE, ela fala sobre envelhecimento, o novo disco, João Gilberto, Moraes Moreira e o álbum dos Novos Baianos (que batizou ainda criança), Billie Eilish e moda.
Como tem sido sua quarentena?
Nos últimos dois meses, tenho trabalhado à beça. Isso tem sido maravilhoso, poder ter tempo para falar com a imprensa, divulgar o disco, poder fazer Zoom.
Você viaja bastante, talvez nunca tenha ficado tanto tempo em um só lugar.
Acho que você está certa. É difícil, mas eu tenho uma casinha bacana, tenho uma vista bonita, moro perto da praia [no Rio de Janeiro], dá para dar umas escapadas. Estou malhando, cozinho muito, tento manter uma disciplina. Acho que são as chaves de manter a serenidade neste momento tão incerto e tão maluco que a gente está vivendo.
Essa pausa forçada pela pandemia e a criação do disco foram terapêuticos? Você teve um período de perdas sucessivas, em um curto espaço de tempo.
Acho que fazer música acaba sendo terapêutico. No meu caso, sempre acabo misturando um pouco da realidade nas minhas letras. Mesmo que diga metaforicamente, estou querendo dizer alguma coisa. São coisas que passaram pela minha vida. É prazeroso fazer isso, é bom ter essa terapia pela música.
Há uma música do novo disco que você dedica ao seu pai. Foi uma forma do luto se manifestar, de você dizer o que não havia dito?
Eu acho que era tudo: o que eu não tinha dito para ele… Toda a confusão. Queria me desculpar e explicar porque eu estava tomando a decisão de tentar ter a curatela [um instrumento jurídico em que um curador, nomeado pelo juiz, cuida dos interesses de outro, incapaz de fazê-lo]: para poder não só organizar as finanças dele, mas o dia a dia, a vida – o aluguel, a obra do apartamento. Para ter certeza que ele tinha uma net, luz, que estava tudo limpo e organizado. Nada de direitos autorais, nada disso.
Você acha este disco mais confessional que seus anteriores?
Eu acho, até por assinar todas as faixas, isso fez com que o álbum tivesse uma outra cara.
Musicalmente, o disco remete a Tanto Tempo?
Acho que, inconscientemente, acabou remetendo, por trabalhar com um produtor que é supereletrônico, que é superfã do Suba, que tem essa coisa de misturar sons orgânicos, filtrados, sample, que era muito a linha do Suba também. É quase como se fosse um tributo. E a gente, sem querer, fez um clima meio trilha sonora de cinema. Isso aparece bastante nos arranjos e no jeito que o disco acabou ficando. E eu também estava a fim de me livrar um pouco do violão: deixa eu fazer uma coisa eletrônica, cantar que nem a St. Vincent, só com o tecladista, um baterista, uma coisa totalmente inovadora, sem carregar seis músicos. Nada contra, mas fica caro, é tão difícil fazer turnê. Mal sabia que a pandemia ia acabar com tudo…
Houve um intervalo de seis anos entre seu penúltimo disco e este. Como foi esse período? Você passou um tempo na Itália.
Eu não estava pensando em fazer um disco. Quando fui para a Itália, as melodias começaram a vir: “Peraí, deixa eu prestar atenção. Poxa, essa música é legal. Deveria dar uma organizada no meu material”. Às vezes, a gente tem uma ideia e sabota, “ah, vou lembrar depois”. Eu organizei as melodias e liguei para o Thomas: “E aí? Tá fazendo o quê? Queria passar para te ver”. Não necessariamente ele ia produzir o disco ou eu iria fazer um álbum. Mas as coisas foram fluindo muito. Foi muito legal ter tido esse tempo, sem ter que fazer um disco porque a gravadora ou o empresário estão te pressionando. Tem que ter timing. Por incrível que pareça, consegui passar seis anos sem fazer um disco. Na verdade, o disco estava pronto no ano passado e decidimos lançar agora, sem saber que a pandemia ia atrapalhar tudo.
O que levou você à Itália?
Eu estava em turnê, tinha feito um show na Croácia, em vários lugares. Um festival de verão na Polônia. Imagina: Mar Negro. Deu uma vontade de um mar azul. Fiquei um pouco na Croácia, tinha uns amigos em Mikonos [Grécia], quando vi já estava na Puglia [Itália]. Não conhecia ninguém. Só no fim da viagem que encontrei o Giovanni Bianco, que acabou assinando a capa do disco. O Giovanni já estava com o Luigi & Iango [dupla de fotógrafos que assina as fotos de Agora]. Nessa mesma viagem, eles estava visitando a Madonna, que estava em Puglia também. A gente brincava: “Vai ser a capa do próximo disco”. Quando viu, estava aí mesmo.
Como é sua relação com a moda? Quando você lança um disco, planeja o que vai vestir ou é algo mais fluido?
Tudo é fluido comigo, mas eu chamei o Giovanni, que sempre acerta. Eu acho ele muito talentoso. Para o clipe de “Deixa”, consegui as roupas com o Valentino, eu tenho uma relação com o Cacá de Souza [PR da grife]. A gente teve os smokings do Dolce&Gabbana, que o [stylist] Felipe Veloso, que trabalhou comigo em diversas produções, maravilhoso, conseguiu. Sou muito amiga do Narciso [Rodriguez], do Francisco Costa. Isso acaba ajudando na relação com a moda e ganho uns presentinhos.
Você foi muito lembrada nesta quarentena por conta da morte do Moraes Moreira, em abril, e do disco dos Novos Baianos, Acabou Chorare (1972), que acabou batizando, ainda criança.
Ai, é… É uma relação linda. Outro dia, a Baby [do Brasil, que fez parte dos Novos Baianos] me ligou de madrugada, tocando violão, querendo que eu cantasse um negócio para o Moraes. A história que tenho com eles é maravilhosa. Foi muito lindo do jeito que o “Acabou Chorare” aconteceu, parece mágica: a mamãe estava dormindo, o papai me pegou dormindo porque não queria dirigir sozinho até Jacarepaguá [onde os Novos Baianos moravam em um sítio, na década de 70]. Lá fui eu, um menininha de 5 anos, dormindo, grande companhia, leão de chácara, né [risos]? Quando cheguei lá, acordei, saí do carro e tomei um tombo. No que levantei, vi que a mamãe não estava lá e aquele bando. Aqueles cabelos, aqueles cachos caindo em cima de mim. Causei praticamente uma bad trip quando comecei a chorar porque sou escandalosa. Só me lembro da aflição deles: eles gritando, papai pirando. Aí eu olhei e falei: “Não, não, acabou chorare, acabou chorare”. Acalmei, senão os bichos iam pirar para sempre” [risos]. Agora que me toquei: odeio tirar soneca, acordo no maior mau humor, vai ver é por causa disso [risos]. Dias depois, fizeram a música. Que presente da vida, de Deus.
O que te interessa na música hoje? Tem assistido a lives? Você participou de algumas da Teresa Cristina. Li que você é fã de Billie Eilish.
Ontem passei rápido na Teresa, era sobre o [João] Donato. Eu acabo por namorar a música. Não é que eu ouça sempre. Tem dia que resolvo ouvir tudo, outro dia que não escuto nada. Mas a Billie foi realmente uma inspiração, tô curtindo ela pelo jeito de cantar, pelas letras, por ter conquistado um espaço tão grande, sendo tão sincera e tão dark, aos 18 anos. Volto e meia escuto.
O que a idade tem te trazido, quais os ganhos de envelhecer?
Sabedoria, paciência, diplomacia. Obviamente, de vez em quando eu escorrego, morro de culpa, reconheço. Acho que quando você fica mais velha, a paciência realmente cresce. Sou muito impulsiva, muito emotiva, ups and downs. E agora está tudo tão melhor. Quando olho para trás [penso]: “Puxa, se eu tivesse um pouco dessa sabedoria, talvez teria sido uma pessoa mais tranquila”. Quando a gente é jovem, sofre muito pela ansiedade, pela incerteza, pela insegurança. Com a idade isso passa, você vai vendo que é tudo uma besteira e vai aprendendo com os erros. Também é muito importante ter essa rotina de se exercitar, é um glow, a tal da endorfina, realmente a bicha funciona [risos]. Tenho ouvido: “Ah, você é tão bonita”. Realmente, sou muito vaidosa, adoro me cuidar, sou uma falsa hippie… Sempre tive uma pele com muita acne, inclusive o Cazuza cantava para mim “Cheia de charme”, a música do Guilherme Arantes: “Cheia de espinhas” [risos]. Nunca vou esquecer. Então, prestei muita atenção nisso. É aquela história: tirar a maquiagem, lavar o rosto, ter sempre um creminho bom para passar debaixo do olho. Quanto mais natural, melhor. A velha e boa água. A gente tem que cuidar da gente. Fazer 54 anos é maravilhoso, só tenho pena que, como diria Caetano, eu não enxergo mais nada, na-da. O resto, eu tiro de letra.
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