Para Gabriela Prioli, não assumimos nossa ignorância política

Advogada, comentarista e fenômeno das redes sociais, ela lança o primeiro livro com o intuito de aprimorar o debate sobre o tema: "Se o vocabulário é inacessível, fica difícil de se aprofundar nos assuntos".


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Foto: Divulgação/Danilo Borges



Gabriela Prioli quer disseminar conhecimento para desenvolvermos o olhar crítico necessário para fazermos nossas melhores escolhas políticas. Não é uma tarefa simples, ainda mais considerando o Brasil atual, em que a desinformação é um dos grandes obstáculos. Com sua abordagem simples, informativa e abertura às dúvidas e ao diálogo, a advogada de 35 anos se estabeleceu no último ano e meio como uma voz constante do debate público, em contraponto à cultura de hostilidade em que estamos submersos. Depois de falar sobre política nas redes sociais (e dar aulas sobre o tema para Anitta, além de seus milhões de seguidores) e na TV paga, como comentarista na CNN, ela lança neste mês Política é para todos (Companhia das Letras).

No livro, ela explora, em quase 300 páginas, uma vasta gama de tópicos importantes, como as diferenças entre autoritarismo e democracia, como campanhas eleitorais são financiadas, como a participação política pode ir além do voto e a função dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. “Meu interesse é que as pessoas se aprimorem, seja com a minha ajuda ou com a de outros”, diz.

Em conversa com a ELLE, ela fala sobre a construção do livro, os ataques que mulheres que analisam política sofrem, preconceito, a deterioração do debate político no Brasil e as eleições no ano que vem:

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Foto: Reprodução

Como nasceu a ideia do livro?
Nasceu da minha experiência nas redes sociais de ver dúvidas sobre política sendo ridicularizadas, de que a política tem um vocabulário que nem todo mundo entende. Isso faz com que as pessoas apenas repitam ideias sem entender do que estão falando. Pensei: “Por que não falar de um jeito fácil, que todo mundo consiga entender e apresentar um começo para que consigam se aprofundar, falar com mais profundidade e, consequentemente, tenham mais autonomia?”.

Como foi a seleção dos temas e chegar a um texto acessível?
Tenho trabalhado com comunicação política faz um ano e meio em diversos canais, na televisão, no YouTube, no Instagram e eu tenho meus cursos também. Isso me permitiu, a partir da interação com meus alunos e seguidores, compreender quais temas eu deveria considerar mais importantes para tratar no livro. Falo do que está presente de maneira sensível nas discussões atuais e eu considero que a gente precisa de uma base mais sólida para conseguir se posicionar a respeito. Não queria um livro muito denso, para encorajar a leitura dele até mesmo em pessoas sem o hábito de ler e dar a elas dicas para continuarem a consumir esse tipo de informação.

E quais são as suas esperanças em relação ao livro?
O que eu pretendo com o livro é que a gente crie uma consciência da necessidade de aprofundamento, fale das coisas com mais propriedade e se posicione de forma mais autônoma, e não apenas repita. O George Orwell tem uma frase em A revolução dos bichos da qual gosto muito: “O inimigo é a mentalidade de gramofone, concordemos ou não com o disco que está tocando agora”. Se uma pessoa emite uma opinião sem reflexão ou crítica, a opinião não é boa. O interessante é que as pessoas se manifestem a partir de um protagonismo individual. Assim nós conseguimos mudar o mundo em nível individual e coletivo, mas precisamos nos apropriar da nossa própria visão de mundo. A minha esperança é essa, que as pessoas se posicionem politicamente e em todos os setores de suas vidas de forma mais independente e crítica.

Por que o debate político se deteriorou tanto no Brasil? Quais são as suas sugestões de soluções para isso?
Não sei se dá para gente dizer que o debate político se deteriorou no Brasil. Acho que a gente teve mudanças no debate público e está em uma época de generalizações e polarização, mas não sei se dá para afirmar que, antes das redes sociais, a gente tinha uma educação política eficiente para as pessoas se manifestarem. Acho que, na verdade, o interesse por política tem crescido de forma significativa, mas é natural que as pessoas cheguem a esse novo universo e comecem a perceber que ele é muito mais complexo do que parecia ser. Se o vocabulário é inacessível, fica difícil de se aprofundar nos assuntos. A gente vem de um histórico de a política se desenvolver apenas para alguns, com um dialeto que não é o do cidadão comum, e as queixas sobre a representatividade na democracia já vêm de muito tempo. Essa exclusão não é um fenômeno novo. O que aconteceu foi que as redes sociais democratizaram o acesso ao debate e à informação, mas, muitas vezes, ele é superficial. Agora é hora de buscar o alicerce. E não tem atalho: a gente o constrói com estudo.


Você já sofreu ou sofre algum tipo de preconceito por ser uma mulher engajada no debate político?
Opa! (risos) E muito. Sofro preconceito por ser mulher, porque a gente está inserido em uma sociedade machista e reproduz esses padrões de comportamento, e muitas vezes sem perceber. Sofro preconceito quando decidi me apresentar para discutir assuntos complexos e tidos como “difíceis” com uma linguagem simples. Sofro preconceito porque decidi me apresentar da forma como eu gosto, com meus brincos e sapatos de brilho. Sofro diversos tipos de resistência, mas acho que isso faz parte da comunicação. É um recado de que a gente tem que ir além da superfície. Eu recebo muita resistência e opiniões não solicitadas, dizem o que deveria fazer da minha vida e da minha fala, mas tudo bem. Eu digo “muito obrigada, mas continuo a fazer o que eu quero” (risos).

Você observa isso acontecer com outras mulheres que escrevem em jornais, comentam sobre política em programas de rádio e TV, fazem análises sobre o tema etc.? Conversa com elas a respeito disso?
Sim, e com toda a certeza. Os ataques às mulheres são muito diferentes que os direcionados aos homens. Os ataques às mulheres incluem um eventual insucesso na vida afetiva, comentários sobre aparência, têm um traço de sexualidade. São extremamente diferentes (em relação aos homens) na forma e no conteúdo e mais agressivos. São inadmissíveis. Converso com as outras mulheres com quem tenho contato, e não só com as que comentam política, mas também com as que amam política. Nós nos solidarizamos umas com as outras e trocamos experiências de como resistir, de como reagir. Inclusive tenho grupos de WhatsApp com elas, em que a gente se apoia e se protege desse tipo de atitude.

Quais são as suas referências nessa atividade?
Luciana Barreto, da CNN. Gosto demais dela. A Luciana faz um trabalho belíssimo, e o trabalho acadêmico dela é maravilhoso também. Gosto muito da Thais Herédia (CNN) também. A Caroline Prolo, do Valor Econômico, é uma advogada do meio ambiente e eu adoro as colunas dela. Gosto muito do Pedro Dória (O Globo, Canal Meio) e do Cláudio Couto (canal de YouTube Fora da política não há salvação) para não falar só de mulheres. Amo a Djamila Ribeiro e a Chimamanda Ngozi Adichie. Ela é um sonho, fala coisas que fazem total sentido para mim.

Na época em que você fez lives sobre política com a Anitta, você recebeu elogios e críticas pela iniciativa. Como você vê isso?
Olha, fui mais elogiada do que criticada. Acho importante pontuar isso para a gente não errar na avaliação da realidade e dar protagonismo a quem é contra a informação. O segundo ponto: os temas que a gente tratou na live não são básicos, porque muitos por aí ignoram esses temas. A gente se comporta como se estivesse em um baile de máscaras e ninguém realmente assume a sua ignorância sobre os três poderes, a estrutura federativa, o que é responsabilidade federal, estadual e municipal, qual é o limite de interferência de um poder no outro. Não acho que todo mundo veja isso como básico. Será que a gente entende o modelo de democracia liberal? Como as democracias liberais têm se pervertido? Não acho que esses assuntos sejam tão básicos. O que a gente estava fazendo era conversar sobre temas complexos de maneira simples e, portanto, propondo um começo. O que a gente não fez foi esgotar esses temas, a gente só começou, e o mais importante foi legitimar a dúvida sobre eles. Você não sabe como funciona o nosso sistema federativo e, de repente, vê fake news sobre o Supremo barrar uma ação do governo federal durante a pandemia quando, na verdade, o Supremo falava de competência concorrente. A mentira se propaga porque quem não tem uma formação nas áreas relacionadas à política não sabe como funciona uma decisão do STF sobre competência concorrente dos entes federativos. Não é fácil, é difícil, pô (risos). Só que a gente fala que é difícil e leva olhar torto. “Como você não sabe?” Assim a gente para de perguntar e todo mundo perde, porque a chance que a gente tem de aprender é perguntando.


Vamos conversar sobre alguns dos assuntos que têm aparecido com força no dia a dia do brasileiro. Para começar, a defesa que o presidente faz do voto impresso e as ameaças de golpe que ele tem feito. Quais são as suas impressões a respeito disso?
Eu respondo com uma pergunta: se a gente tiver uma divergência entre o voto computado e o voto impresso, vai valer qual? Porque, se vale o impresso, a gente não precisa do eletrônico, e se tem o eletrônico, não precisa do impresso. A proposta do presidente é absolutamente estapafúrdia. Durante muito tempo, ele disse que não tinha prova nenhuma e depois confessou que mentiu aos cidadãos brasileiros. Essa proposta instrumentaliza interesses legítimos da sociedade de transparência nas eleições. E instrumentaliza em torno de uma pauta que não serve para nada, fragiliza a crença no sistema democrático e ao fazê-lo, permite fragilizá-lo contra os ataques que ele vem sofrendo. É um absurdo e muito me entristecem, sim, os votos que elas tenham recebido na Câmara, embora tenha sido derrotada.

Sobre as ameaças de golpe, as instituições devem reagir e percebo que elas têm reagido de forma mais enfática, porque em virtude dessas afirmações sobre a urna, do compartilhamento do inquérito sigiloso, o presidente já é alvo de mais um inquérito no STF. Os ataques à democracia estão sendo investigados e as pessoas que os protagonizam devem ser responsabilizadas. Mas, sinceramente, acho que Bolsonaro usa a retórica de golpe para tentar se fortalecer em um momento em que ele está enfraquecido e enfraquecendo mais a cada dia. Sempre insisto que, quando nós ouvimos essas bravatas, temos que tomar cuidado para não dar a Bolsonaro mais poder do que efetivamente ele já tem.

Como você avalia a CPI da pandemia?
Acredito que o Congresso está fazendo o trabalho que lhe cabe, com uma comissão parlamentar de inquérito que deve investigar as ações do Executivo. Espero que os senadores, enfim, se comportem de modo a fazer melhores perguntas, porque, no relatório final da CPI a ser encaminhado ao Ministério Público, devem ter elementos para responsabilizar quem tem nos feito passar por isso tudo durante a pandemia.

Na sua opinião, como devemos nos preparar para as eleições do ano que vem?
Lendo meu livro, porque já vai ser um ótimo começo. Ele vai te dar elementos para compreender muito melhor os assuntos que estão sendo colocados. Tenho um quadro no meu canal de YouTube que se chama “GPS político”, em que as lideranças expõem suas visões de mundo a partir de perguntas previamente elaboradas e iguais para todo mundo, então dá para saber um pouco melhor o que eles pensam, porque a gente precisa estudar os candidatos. E, principalmente, nós vamos conseguir nos aprimorar para 2022 quando criarmos a consciência de que temos que parar de discutir pessoas e começar a discutir ideias e projetos, porque é assim que vamos descobrir no que acreditamos como proposta para cobrar depois e tomamos decisões mais conscientes.

Quais são seus próximos projetos?
Vou ter um novo programa na CNN, sobre o qual eu não posso falar, mas estreia em breve. É um programa só meu, de entrevistas; ele é mais amplo, não vamos falar só de política. E devo lançar mais um curso neste ano que é muito diferente de tudo que eu já fiz até agora. Estou muito loira misteriosa na entrevista para a ELLE (risos).

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