Passinho, dez anos depois

Concluído em 2018, dez anos após o vídeo "Passinho Foda" ter sido publicado no YouTube, o diretor Emílio Domingos homenageia a dança que se transformou em um dos mais importantes movimentos culturais brasileiros.


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Este vídeo faz parte do ELLE Stories, uma curadoria de vídeos, filmes e documentários inéditos feita pela equipe da ELLE Brasil, que você confere aqui, no nosso site.

Emílio Domingos é documentarista e antropólogo, diretor de obras como Favela é Moda, A Batalha do Passinho, Deixa na Régua e L.A.P.A. Agora, ele lança o minidoc Dez Anos Depois, que conta a história do vídeo “Passinho Foda”. Hoje com mais de 4,6 milhões de visualizações, o vídeo foi publicado despretensiosamente em 2008 no YouTube, registrando os amigos Allan Santana, Rodrigo Costa, Bruno Barcelos Beiçola, Rodolfo Santos, Vitinho Balo e Marcos Lúcio durante o aniversário de Rodrigo, apelidado de ‘Bitala’, dançando o passinho. O vídeo é um marco histórico para o movimento, que até hoje é citado por diversos grupos de passinho como referência e inspiração.

O passinho, que se espalhou pelo Brasil e o mundo, é uma dança que atravessa corpos negros e periféricos, que explode, mas também alegra e apaixona, uma verdadeira potência agregadora e sociopolítica. Com admiração e paixão pelo movimento, o diretor Emílio Domingos, por meio da produção de Dez Anos Depois, pôde reencontrar os personagens do vídeo original e homenageá-los. “Essa minha relação com passinho foi transformadora na minha vida, na minha biografia. Esse vídeo não é importante pra mim, pessoalmente, é importante para todos os garotos do passinho, esse vídeo difundiu e ampliou o campo do passinho”, diz o diretor.

Emílio fala com muito respeito sobre todo o processo que vivenciou e ainda vivencia com os garotos do passinho por meio do audiovisual, e relembra como, de forma espontânea, esses meninos fizeram do que poderia ter sido um episódio isolado um acontecimento responsável por uma importante transformação da cultura brasileira, em um período de ascensão da internet no País.

“É um momento particularmente importante. Uma tecnologia que permitiu que, através de aparelhos celulares, essa camada da população conseguisse se filmar, se registrar. É uma ferramenta que possibilita essa produção imagética e, ao mesmo tempo, tem a internet permitindo a difusão via rede”, relata Emílio em uma reflexão sobre o uso da internet como plataforma democrática. “O passinho surge também como dança nesse período, então é um casamento muito feliz e acho que tem uma ciência dos garotos no uso dessa tecnologia, na forma como se filmam. São vídeos extremamente curtos, em espaços geralmente pequenos e tem todo um pensamento sobre posicionamento de câmera, sobre autorepresentação, sobre a performance dentro da performance, a posição que você fica diante da câmera, seu monitoramento, controle corporal”.

“O passinho é fantástico, altamente sofisticado e complexo”, afirma Emílio Domingos, que continua apontando a importância da internet para a disseminação da cultura. “Muitas artes incríveis e complexas surgiram em outros momentos históricos, inclusive, nesses mesmos espaços, mas tiveram maior dificuldade para serem disseminadas, para se fazer reconhecidas como arte. Então, o passinho tem essa sorte histórica também, de acontecer em um período de acesso tecnológico por esses jovens da periferia”.

“Eu sou muito orgulhoso de poder ter contado essas histórias, de ter acompanhado esses artistas, ter visto no que o passinho se transformou e a importância que ele adquiriu com o tempo, reconhecimento que ele conquistou merecidamente”.

Emílio ainda aponta que a internet foi um veículo importante para que uma série de pautas que são muito importantes, mas que durante muito tempo ficaram submersas, fossem pensadas e refletidas. “As pessoas não tinham muito espaço para expressar isso, então, de certa maneira, ela representa uma série de reivindicações e de manifestações. Há uma conquista da internet como espaço democrático, que funciona como uma espécie de fórum de debates, e esses debates surgem como uma demanda histórica de se afirmar como indivíduos. Ela também serve como plataforma para mostrar o quanto a cultura desses lugares é forte, como a cultura da favela, das periferias e das comunidades é forte”.

“A cultura é definidora da identidade”

Emílio trabalha com audiovisual há 20 anos, iniciou produzindo filmes com caráter acadêmico na área de antropologia visual, sempre demonstrando grande interesse por culturas de periferias e juventude. Ele nos conta que, neste momento, encerra um ciclo muito feliz, por ter contribuído ao registrar essa história tão importante da cultura do passinho. “Eu acho que isso pode servir como fonte para pessoas que se interessam por cultura de periferia, não só pelo passinho, pela dança, mas cultura de periferia de maneira em geral. É um retrato de uma época que, com muita profundidade e efervescência cultural, eu tive o privilégio de poder acompanhar”, diz ele. “Acredito que esses filmes funcionam como documentos para todas as pessoas que venham a ter interesse no assunto, e eu sou muito orgulhoso de poder ter contado essas histórias, de ter acompanhado esses artistas, ter visto no que o passinho se transformou e a importância que ele adquiriu com o tempo, reconhecimento que ele conquistou merecidamente. Essa série de trabalhos audiovisuais que eu fiz com eles é também um momento da minha carreira, representa o fim de um ciclo, de uma etapa pra mim”.

“A cultura é definidora da identidade e acho também que ela tem uma importância enorme nessa questão do pertencimento, das pessoas terem uma identidade comum e se sentirem parte de um todo. Então acho que o passinho gerou aquilo, que é um braço do funk, essa cultura dos bares, mas que tem uma força de expressão da juventude de favela do Rio de Janeiro. Não é uma questão de entretenimento e de lazer, é de identidade e de associação imediata com uma juventude, com uma geração negra e de favela”, finaliza ele.

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FICHA TÉCNICA
Direção: Emílio Domingos
Edição: Felipe Rodrigues
Fotografia: Paulo Castiglione
Som: Bruno Espírito Santo
Pré Edição: Lucas Millecco
Produção: Emílio Domingos e Luisa Surerus
Osmose Filmes

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