Sophie Charlotte volta ao cinema e ao streaming

Atriz estreia "O rio do desejo", protagoniza "Meu nome é Gal", participa de filme de David Fincher e retorna com nova temporada da novela "Todas as flores".


Divulgação



Sophie Charlotte está colhendo os frutos que plantou nos últimos anos. Nesta quinta-feira (23.03), ela estreia O rio do desejo, dirigido por Sérgio Machado, em que contracena com o marido, Daniel de Oliveira, Rômulo Braga e Gabriel Leone.

No longa, baseado no conto O adeus do comandante, de Milton Hatoum e com roteiro do escritor, de Machado, Maria Camargo e George Walker Torres, a atriz interpreta Anaíra, que vive uma paixão por Dalberto (Oliveira). Mas, enquanto ele faz uma longa viagem pelo Rio Negro, ela se aproxima dos dois irmãos dele, Dalmo (Braga) e Armando (Leone).

No dia 5 de abril, Sophie volta ao ar com a segunda temporada da novela Todas as flores (Globoplay), em que vive Maíra. No segundo semestre, estreia Meu nome é Gal, de Lô Politi e Dandara Ferreira, no papel da cantora Gal Costa (1945-2022) no começo de sua carreira, e The killer, uma produção da Netflix dirigida por David Fincher (Clube da luta), com Michael Fassbender.

À ELLE, a atriz falou sobre filmar no Amazonas, trabalhar com o marido, o contato com Gal Costa e a oportunidade de ser dirigida por Fincher:

Como foi filmar no Amazonas?
Foi uma experiência inesquecível e arrebatadora. Passamos dois meses lá. O primeiro impacto é do calor, diferente, úmido, sensorial. É quase um personagem do filme e compõe os personagens também. Tudo isso foi transformando minhas moléculas, meus chacras. Fui muito feliz em Itacoatiara porque a população nos recebeu com muito afeto. Quando você está vivendo ali, na beira do Rio Negro, caudaloso e pulsante, com a outra margem sendo floresta densa, isso tudo afeta o dia a dia, vai te transformando. Essa experiência cultural, sensorial e antropológica tão rica que foi morar durante esse tempo lá me transformou e me encantou profundamente. Não tentei me proteger dessa vivência. Aproveitei porque são raros esses momentos e é uma das maiores belezas que o cinema nos dá, de viver outras aventuras, morar em outro lugar, comer outras comidas, conhecer outras pessoas e dar voz e corpo a outras vivências possíveis que não a sua realidade.

Conseguiu se despir da atriz global que mora no Rio?
É importantíssimo o espaço de atores locais em obras audiovisuais. É rico, é diverso, todo o mundo ganha com isso. Para mim, como atriz, é importante ressaltar a raiz do meu ofício, que é me transportar e me deixar permeável para outras experiências, para vidas que não são a minha. A gente circulava muito pela cidade, não tinha esse distanciamento de glamour, de estrela. Vivemos a cidade, convivemos com as pessoas. Eu curto isso. Em filmes como esse, é ali, naquele dia a dia, no suor que escorre, no tacacá que eu tomei, até a rotina da cidade, eles fazem sestas longas pelo calor… Tudo isso foi muito rico e inesquecível também.

“A vida é feita de ciclos, há momentos de plantio e de colheita. Agora é um momento lindo em que estou recebendo a colheita desses trabalhos”

O que Anaíra representa nesse ambiente super masculino desses três irmãos?
A Anaíra é essa vida, esse poder feminino de movimento. A estrutura da casa é resistência ao movimento. Tem muitos takes em que eu estou abrindo janelas, abrindo espaços para ventilar esse conservadorismo, pode-se dizer, que o Dalmo representa, esse lugar fechado, mofado. A Anaíra chega com essa explosão de vida, de desejo pulsante, sem se responsabilizar e sem se permitir ser responsabilizada pelo desejo que ela provoca. É um poder feminino que não pede desculpas por existir e por ocupar o espaço que ocupa. É um conflito muito interessante de se ver.

O nosso filme é um debate sobre destino e liberdade. Será que você só está seguindo em direção a um destino inevitável? O que é essa liberdade do desejar? É um filme que fala de questões humanas que permeiam todos os tempos, todas as sociedades e estão presentes em tantas narrativas. Ao mesmo tempo, se torna muito atual com vários questionamentos que estão se desdobrando e se iluminando nesse momento, na questão do poder feminino, da misoginia muito pesada que temos de enfrentar, de um conservadorismo arcaico que ganhou tração nos últimos anos com o governo que tivemos, mas que agora a gente busca retomar uma pulsação democrática e que valorize a nossa cultura. Eu fico muito feliz e honrada de perceber que nosso filme abre portais, ele não tenta te dar uma resposta só.

Acha que a mulher tem essa possibilidade de provocar mudança?
Sim. A história de opressão acontece muito porque o poder do feminino real é invencível, está ligado a uma libertação e à liberdade. E tira da dualidade do bem e do mal, do certo e do errado, e coloca tudo em uma complexidade muito maior e mais humana. É para isso que o filme aponta e acredito nisso.

Como foi contracenar e viver essa história intensa com o seu parceiro de vida?
A gente se conheceu trabalhando, em um set. E queria muito fazer um longa-metragem. Esse, do Sergio, foi uma oportunidade linda porque levamos o Otto (filho do casal), vivemos um processo profundo, porque esse filme fala de questões tão complexas e humanas, podendo dialogar também entre a gente, no sentido de leitura de mundo, dessa literatura do Milton Hatoum que é tão misteriosa e rica. E no Norte, que nós dois amamos muito. O Daniel já tinha feito outros longas-metragens lá, ama a região. Minha família por parte de pai é paraense. Então, amamos as cores, os sabores, a gente, o sotaque. Cinema é uma aventura muito bem-vinda e um marcador na nossa vida de conquistas artísticas importantes. Foi muito especial.

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Daniel Oliveira e Sophie Charlotte em O rio do desejo Foto: Divulgação

Você está em um momento especial da sua carreira, lançando O rio do desejo, voltando com a segunda temporada de Todas as flores e estreando Meu nome é Gal e The killer.
Sim, realmente estou muito feliz. A vida é feita de ciclos, há momentos de plantio e de colheita. Agora é um momento lindo em que estou recebendo a colheita desses trabalhos.

Como foi rodar The killer com o David Fincher?
Foi um sonho. Só acreditei porque voltei mais duas vezes para filmar essa minha participação, que é bastante pontual, mas foi muito rica. David Fincher é um gênio, é um gentleman, muito atento, preciso, e a equipe foi de um respeito, de uma educação… E de um afeto muito grande. Ter essa oportunidade de contracenar com o Michael Fassbender foi incrível. Foi também um aval no sentido de entender que o que a gente está fazendo aqui comunga com o que eles produzem lá. É o ofício, é o fazer artístico. É em outra língua? É. Mas somos do mesmo universo. Foi maravilhoso de descobrir, de viver.

Imagino que tenha feito muitos takes com o David Fincher, que também é conhecido por isso?
Muitos! Mas para uma participação pontual isso foi o máximo porque eu consegui aproveitar toda a experiência de verdade. Porque em participações às vezes a pessoa chega com aquela adrenalina para uma fala, para uma cena, e se é um diretor que faz um take, só são 15 minutos, 1 hora para um desejo imenso desaguar. Passa muito rápido. No caso do set do David, eu consegui curtir. Ele realmente te dá essa atenção e os takes necessários para você viver plenamente todas as possibilidades daquela cena.

Gostaria de investir mais em projetos fora do país?
Sim. Esse foi uma coincidência muito feliz. Tinha acabado de filmar Passaporte para a liberdade, uma série da Globo (exibida em 2021) em parceria com a Sony, toda em inglês. Foi isso que me encaminhou (para o filme de Fincher). Fui atrás do projeto (Passaporte para a liberdade), quis fazer a Aracy de Carvalho porque queria contar a história dessa mulher na cidade onde eu nasci (Hamburgo, na Alemanha, onde morou até os 7 anos). O projeto se desdobrou e foi feito em inglês. Foi uma possibilidade que se abriu, que já deu frutos. Para mim, uma coisa não exclui a outra. Poder fazer cinema, televisão, teatro, trabalhar aqui e fora, quem sabe um dia fazer um filme em alemão. Essas possibilidades me interessam muito. Mas o cinema brasileiro é minha bandeira, é minha paixão.

E como foi seu contato com a Gal Costa?
Foi uma experiência que me iluminou muito. Sempre fui muito fã dela. Poder brincar de sintonizar numa frequência para contar a história dela, encontrar com ela, ter uma troca… Porque a Gal, com toda a sua complexidade e sendo a diva que ela sempre será, também era muito simples na sua vida. Eu guardo momentos muito mágicos e reveladores. A obra da Gal é realmente ímpar. E, ao mesmo tempo, ela é uma mulher, um ser humano. É uma deusa… Isso foi lindo de conhecer. Fiquei muito triste (com sua morte) porque nosso desejo, da equipe toda, era presenteá-la. Mas acho que ela sentiu esse presente durante a feitura e no início da montagem. Disse para ela o quanto a amava muitas vezes. Claro, foi um choque para todos nós. Mas acho que agora a gente começa a celebrá-la de outro jeito e finca cada vez mais as bandeiras que ela levou a vida toda, que ganham outros contornos de imortalidade. Que ela seja cada vez mais homenageada e reverenciada. Eu escuto muito Gal. E me emociona muito escutar. Escuto e reverencio os nomes que admiro na música, Caetano, Gil, Bethânia, Milton. Porque nós somos de alguma forma filhos dessa geração tão poderosa que combateu fervorosamente a Ditadura. É para eles que eu olho. É a eles que eu reverencio e busco respostas.

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