Na nova temporada de “True detective”, as mulheres dominam

Jodie Foster, uma das protagonistas do quarto ano da série, "Terra noturna", conversou com a ELLE sobre a produção, que se passa no Alasca.


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Jodie Foster em cena da série Foto: Divulgação



Jodie Foster é a estrela de True detective: Terra noturna, que estreia na HBO e HBO Max neste domingo (14.1), às 23h, com a mesma força da primeira temporada da série, protagonizada por Matthew McConaughey e Woody Harrelson, um fenômeno em 2014. 

É o primeiro trabalho da atriz vencedora de dois Oscars (por Acusados, de 1988, e O silêncio dos inocentes, de 1991) na televisão na fase adulta – Jodie, que começou sua carreira praticamente um bebê, fez séries quando era criança. 

No comando de Terra noturna, sai o criador Nic Pizzolatto e entra a mexicana Issa López, com créditos em comédias românticas e até novela como roteirista e diretora. Em vez de dois detetives homens e discussões filosóficas na paisagem verdejante e suarenta do sul dos Estados Unidos como na temporada de estreia, Terra noturna tem duas mulheres na liderança da investigação, em uma cidade fictícia no Alasca. Em Ennis, no inverno, a noite é eterna. A população é majoritariamente nativa. Liz Danvers (Foster), chefe de polícia e uma das únicas pessoas brancas do local, e Evangeline Navarro (Kali Reis), de ascendência latina e indígena, precisam investigar o desaparecimento misterioso de oito cientistas de uma base de pesquisas. 

O passado e o presente, o tradicional e o moderno, o racional e o sobrenatural misturam-se nessa história, como contaram a criadora, roteirista e diretora Issa López e as atrizes Jodie Foster e Kali Reis em entrevista à ELLE, em São Paulo. Leia a seguir os principais trechos da conversa:

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Jodie Foster (Liz Danvers) e Kali Reis (Evangeline Navarro) em cena da série Foto: Divulgação

Crimes sob o ponto de vista de mulheres

Jodie Foster: “Temos duas detetives, além de um elenco feminino completo. Então, é diferente de muitas séries de crimes em que as personagens femininas são apenas as vítimas. Mas penso que é importante lembrar às pessoas que as vítimas, principalmente da violência doméstica, são mulheres. E que mulheres indígenas desaparecidas e assassinadas são uma realidade, não apenas nas populações nativas, mas em todo o mundo. Embora haja homens mortos em nossa série, não evitamos esse fato de que as mulheres são na maioria das vezes, sim, vítimas.”

Vozes indígenas plurais

Jodie Foster: “O ponto de vista da série é o que a distingue de outras. A história indígena é central. Há muitos personagens indígenas, então há uma pluralidade, com o cara engraçado, o namorado, o capitão da polícia.”

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Jodie Foster (Liz Danvers) Foto: Divulgação

Sororidade sem clichês

Kali Reis: “Há uma camaradagem inevitável entre Evangeline e Liz, mesmo que elas não se gostem muito. Ou seja, não é uma sororidade sem rusgas. Elas trabalham muito bem juntas. A Evangeline, especialmente, é motivada a resolver os crimes por causa das muitas mulheres de sua vida. Ela sente uma espécie de dever de protegê-las, especialmente as mulheres indígenas. E a sororidade não se limita às duas, se estende às demais mulheres da comunidade.”

A vez das anti-heroínas

Issa López: “A chamada era da televisão de ouro, iniciada nos anos 90, foi criada em torno do conceito do anti-herói masculino, de Tony Soprano (de Os Sopranos), ao Professor White (de Breaking bad) e a Don Draper (de Mad men). Todos são pessoas terríveis, fascinantes, profundamente destroçadas. E nós torcemos por eles, mesmo sendo um pouco errado. Hoje temos as versões femininas. Uma série com o alcance de True detective é o veículo perfeito para nos aprofundarmos na anti-heroína profundamente ferida, cheia de defeitos, pela qual ainda assim torcemos. Não importa quanto estejam erradas em suas decisões, queremos acompanhá-las.”

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Kali Reis (Evangeline Navarro) e Jodie Foster (Liz Danvers) Foto: Divulgação

Mulheres no controle, inclusive de sua vida sexual

Issa López: “Assim como Don Draper e outros eram muito ativos sexualmente, pensei que seria muito divertido e instigante ter duas anti-heroínas que enfrentam as sombras da humanidade e também têm total arbítrio e controle sobre com quem fazem sexo. Queria ver esse poder de decisão e controle nessas duas mulheres. É um espelho para mostrar o outro lado daquilo que nos foi apresentado repetidamente ao longo da história no audiovisual.”

A chance de interpretar mulheres que gostam de sexo

Jodie Foster: “Para mim pareceu uma visão realmente moderna da sexualidade feminina. Essas personagens estão confusas. São obcecadas com seu trabalho e, de certa forma, isso as impede de ter relacionamentos plenos. Estou falando de Danvers, que está realmente confusa. Eu curti e ri muito de sua conexão com sua sexualidade. Acho minha personagem hilária.”

Kali Reis: “Danvers é muito mais complicada do que ela pensa. No caso da minha personagem, Navarro, foi uma boa oportunidade de mostrar a sexualidade feminina de uma forma diferente, como uma escolha. Normalmente não se vê isso na televisão e no cinema. Mesmo que seja consensual, nem sempre significa que ela tome a iniciativa. Isso dá outra camada à minha personagem. Ela é muito deliberada em alguns aspectos, mas não sempre. Navarro tem alguns problemas com raiva, tem o pavio curto, mas usa diferentes formas para tentar administrar isso, e sua sexualidade é definitivamente uma delas.”

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Jodie Foster (Liz Danvers) e Kali Reis (Evangeline Navarro) Foto: Divulgação

Crescimento na indústria e aumento das mulheres nos sets

Jodie Foster: “Estou muito aliviada e grata por ter tantas colaboradoras mulheres. Quando comecei, não percebia a diferença porque sempre estive rodeada por homens. Sempre estive cercada desses irmãos e figuras paternas que me ensinaram tudo, se importaram comigo e queriam que eu tivesse sucesso. Sou grata a eles. Issa López é uma das poucas diretoras com quem trabalhei, mas todas foram nos últimos cinco anos. E é diferente estar em um espaço em que a pessoa no comando cresceu da mesma maneira que você, tem a mesma bagagem. Podemos ter conversas um pouco diferentes das que eu costumo ter com essas figuras paternas com as quais trabalhei desde sempre.”

Issa López: “Você pode rir de maneira diferente de certas coisas. Trabalhei com muitos, muitos homens e algumas mulheres também. Cada uma das experiências foi valiosa e fascinante. Mas há uma linguagem específica de silêncio e compreensão em um olhar quando você trabalha com mulheres. É realmente muito agradável.”

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Jodie Foster na capa da ELLE estadunidense Foto: Reprodução

O sobrenatural como parte da história

Issa López: “Sou latino-americana, então faz parte da maneira como vemos o mundo. Eu pessoalmente já perdi muitas pessoas que amo. E a maneira que eu tenho de lidar com isso é colocar os mortos juntos com os vivos nas minhas séries. É um mundo que eu quero acreditar que existe. Este universo é muito mais amoroso e compreensível do que um em que as pessoas morrem, se vão para sempre, e, como Danvers diz, ficamos sozinhas. Não acho que estamos sozinhos. Dito isso, construí a trama de maneira em que tudo tem uma explicação racional. Cada detalhe. Danvers acredita mais no racional, e Navarro, no sobrenatural. No fim, elas se aproximam um pouco em direção à outra.” 

A crença no sobrenatural

Kali Reis: “Eu acredito. Venho de uma origem latina e indígena, em que os mundos se conectam.” 

Jodie Foster: “Conforme amadureço, permito que meu lado espiritual se manifeste mais. Antes, eu era essa nova-iorquina cética, que veste preto, é ateia. Mas fui ficando mais flexível, permitindo que os mortos vivam entre nós, porque eles vivem. E essa história reconfirmou tudo o que eu já estava sentindo a respeito da vida.” 

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