SPFW N57: André Lima
Doze anos depois de sua última participação no evento, o estilista paraense André Lima retorna à SPFW N57.
Doze anos depois do seu último desfile, André Lima retorna à SPFW igual e diferente. As diferenças passam pela ausência de estampas, fornecimento de tecidos e o modelo de negócio. As semelhanças estão no drama, na nostalgia, no vício na intensidade.
Desde que relançou sua marca homônima em 2020 (as atividades foram encerradas em 2014), o estilista paraense decidiu colocar seu acervo de tecidos para jogo. “Todo meu processo criativo começa a partir dos materiais. Sou meio que um dealer de tecidos”, fala ele. “Sempre colecionei, tenho meu próprio acervo, frequento vários outros e vivo caçando tecidos, principalmente os antigos.”
O primeiro desfile de André Lima, na Casa de Criadores em 1999, foi quase todo feito de restos de tecidos de cortinas e almofadas. “Eles eram da minhas tias, da minha avó, as mulheres que costuravam na família. Quando vim para São Paulo, trouxe eles comigo”, recorda.
André Lima, SPFW N57. Foto: Agência Fotosite/Marcelo Soubhia
André Lima, SPFW N57. Foto: Agência Fotosite/Marcelo Soubhia
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Se antes o upcycling – que nem upcycling chamava – era apenas uma porção das coleções, agora é a totalidade. Com isso, os estoques são mínimos, os produtos, limitados, os lançamentos, menos frequentes, e os pontos de venda ,selecionados – atualmente, nas multimarcas Pinga e Gallerist. “É uma maneira de fazer moda que faz mais sentido, é mais responsável”, comenta ele.
A coleção desfilada na SPFW N57 tem como ponto de partida o maiô da Mulher Maravilha. No caso, aquele usado pela atriz Lynda Carter na versão televisiva dos quadrinhos, nos anos 1970. Como a super-heroína é uma versão pop de Diana, a deusa da caça na mitologia romana, as túnicas servem de base para os vestidos de moulage. Já as armaduras inspiram os looks de sarja bege e alguns de tricô – as peças mais assimiláveis e práticas.
André Lima, SPFW N57. Foto: Agência Fotosite/Marcelo Soubhia
André Lima, SPFW N57. Foto: Agência Fotosite/Marcelo Soubhia
Na virada dos anos 1990 para os 2000, André Lima desafiou convenções com sua imagem carregada e datada (no bom sentido). É o que o estilista venera e respeita o passado – o seu próprio, o dos outros, o do mundo (aka história). Excessos visuais também nunca foram um problema. Pelo contrário. O problema era que não o entendiam.
Champagne, cristais e ouro. Pérolas, luzes, paetês, espelhos pareciam cafonice intrínseca. Naquele tempo, a moda era ainda mais sudestina-centrada e desconsiderava toda a miscelânea cultural do Brasil profundo e de quaisquer outros Brasis. “Era cafona você ser brasileiro. Diziam que era kitsch, aí o kitsch virou brega”, diz, aos risos.
De lá para cá, muita coisa mudou. Sua moda sem dúvida decolou. No entanto, o desfile na SPFW N57 provoca reações não muito diferentes daquelas de suas primeiras coleções apresentadas no evento (a primeira foi em 2001). Os decotes profundos, as costas abertas, os recortes diagonais, as fitas adesivas, os tops e calcinhas tarja preta (tipo censura), as (de)(re)construções, o mix, mix de peças, tecidos, belezas, penteados, texturas, volume, de tudo parece descontextualizado. Boa parte do que se viu na passarela não se conecta com o agora – nem com o que André vem fazendo bem nessa sua nova fase.
André Lima, SPFW N57. Foto: Agência Fotosite/Marcelo Soubhia
André Lima, SPFW N57. Foto: Agência Fotosite/Marcelo Soubhia
Não se trata de momentos de falta de acabamento. É mais uma questão de olhar antigo, nostalgia, saudade – totalmente explicável em situação de retorno. Ou pode ser caso de ironia a toda prova. Depois de quatro anos só levando “lapada”, suas próprias palavras, da crítica, o designer pegou trechos dos textos negativos e os usou como trilha para o desfile de inverno 2003. Três anos depois, a produção do DJ Zé Pedro com a artista e cantora Liana Padilha (falecida em março deste ano), foi lançada oficialmente pela banda NoPorn, da qual Liana fazia parte. O nome da música? “Baile de Peruas”.
Goste ou não, a presença de André Lima na SPFW é de grande importância. Parafraseando Rita Lee, em tempos de moda toda boazinha, toda do bem, tão galera – e chata paca –, criadores sem medo de voar, sem medo de abalar são mais do que necessários.
Este texto usa trechos das músicas “Baile de Peruas”, “Canibalismo” e “Xingu”, da banda NoPorn.
Em homenagem a Liana Padilha.
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