Casa do futuro: como iremos morar em 2050?

Convidamos profissionais para imaginarmos como será o interior das casas em 30 anos. E os caminhos indicam que os ambientes serão multifuncionais, versáteis e guiados por uma profunda conexão com a natureza.


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Projeto virtual do escritório FGMF. Mint Studios 2



Pensar em como será a casa daqui a 30 anos não é uma tarefa fácil. Agências especializadas no estudo de tendências se baseiam em metodologias muito precisas e, por isso, costumam prospectar elementos específicos como cores, materiais, texturas e iluminação para um futuro mais próximo – até dois ou cinco anos à frente. Mas, se ainda não é possível detalhar a decoração da casa do futuro, daqui a três décadas, podemos, sim, imaginar alguns cenários e refletir sobre como iremos morar até lá. “Prever o futuro com tal antecedência é mais adivinhar do que prever. Ainda assim, temos nossas intuições e podemos fazer suposições”, explica Brune Ouakrat, head de prospecção e planejamento estratégico da Peclers Paris, agência especializada em tendências, estilo e inovação. 

E um bom caminho para imaginar o amanhã é justamente olhar para o passado. “Nos últimos 30 anos, pudemos observar como principal fenômeno a casa, antes um espaço funcional, tornar-se uma oportunidade de autoexpressão, muito apoiada pela democratização do design”, explica Brune. Portanto, a consultora sugere que podemos pensar, daqui para frente, em espaços mais versáteis, personalizáveis e que ofereçam mobilidade. “A casa tornou-se ‘estável’ muito recentemente. A sua origem está enraizada no nomadismo, quando os móveis e a decoração precisavam ser fáceis de movimentar”, diz. Nesse sentido, voltaremos a ser nômades? Talvez. O avanço das mudanças climáticas, tema fundamental nos estudos de tendências, indicam essa direção. É o que também acredita o arquiteto Guto Requena, que tem um olhar voltado para a arquitetura e o design do futuro: “Entenderemos que nossa casa é o planeta, por onde iremos nos deslocar. Assim, a casa se desmaterializa, a carregaremos conosco. Livros, fotos e memórias vão estar dentro das nossas interfaces. A casa se torna um sentimento. E o sentimento de lar, levaremos para onde estivermos”, afirma.

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Projeto de Guto Requena de 2021. Foto: Divulgação.

Neste contexto, a mudança seria menos estética e mais sobre o modo de vida. Se olharmos três décadas para trás, no início dos anos 1990, perceberemos que os interiores não mudaram tanto, o visual é esteticamente cíclico. “Na tendência atual para o futurismo, poderemos ver reminiscências dos anos 1960 como o tropicalismo, por exemplo. Mas o que estará no centro de nossas preocupações serão o bem-estar, o conforto e os elementos naturais de volta aos espaços”, propõe Brune.

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“O ser humano sempre buscará identidade, pertencimento, sensação de conforto, conexão com objetos de valor emocional e com a natureza”, reforça a arquiteta Juliana Vasconcellos. A profissional também imagina que haverá um movimento considerável de parte da sociedade saindo das metrópoles para refúgios, em busca de espaço e equilíbrio de estímulos. Mas, independentemente de onde estivermos, é impossível não pensar em como a tecnologia irá afetar os interiores. “Teremos mais objetos inteligentes, dispositivos multifunções e talvez até controlados pela mente”, entende Juliana. 

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Heartwall. Foto: Divulgação.

Neste cenário, Guto Requena elenca alguns elementos que devemos considerar como importantes componentes das casas do futuro, como móveis e objetos feitos por fabricação digital (impressão 3D ou corte CNC), design paramétrico (que usa algoritmos para conseguir formas mais fluidas e menos retilíneas), dispositivos que acionam painéis, janelas e eletrônicos para criar espaços reconfiguráveis, a biofilia, os biomateriais e o fim do uso do concreto.

“Outra tendência que eu acredito e desenvolvo é a união entre tecnologia e afetividade. Poderemos produzir formas que são, literalmente, desdobramentos de emoções”, diz o arquiteto que criou o Heartwall (objeto de parede que mostra batimentos cardíacos de pessoas amadas) e o Love Project (vasos, fruteiras e luminárias criados em impressão 3D a partir do som de histórias contadas). 

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Peças do Love Project, de Guto Requena. Foto: Divulgação.

E sim, com a IA (inteligência artificial) e a IoT (internet das coisas) incorporadas, as casas poderão sofrer algumas modificações. “Talvez tenham sensores nos ambientes que indiquem que estamos gastando muita energia ou nos monitorem e passem a sugerir que precisamos de mais exposição solar ou o consumo de determinado tipo de alimento” indica Sergio Lessa, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo da Faculdade Belas Artes, em São Paulo.

Lessa pressupõe que a casa precisará ser adaptável aos novos contextos e realidades, com espaços flexíveis e multifuncionais, que se modificam de acordo com nossas necessidades. “Não deixaremos de existir fisicamente e de ocupar um espaço, então, a casa, a longo prazo, deverá suprir uma quantidade maior de necessidades. Os fios de eletrônicos tendem a desaparecer e a iluminação será otimizada – mas continuaremos a desejar ambientes com humanidade, memória e identidade”, resume.

Outro ponto que há tempos vem sendo reforçado é um compromisso maior com a sustentabilidade e, no futuro, ela será mais do que urgente. “Ao pensar em 30 anos para frente, alguns temas importantes precisam ser atendidos como o suprimento de energia (avanço na questão fotovoltaica), o consumo de água consciente (captação, limpeza e reutilização) e a redução da pegada de carbono no uso dos materiais”, indica Lessa. Para ele, as casas irão se tornar mais autônomas e a integração com os espaços verdes, especialmente nas grandes cidades, será essencial. “É um passo sem retorno, precisamos pensar em edificações e espaços urbanos que garantam ao menos a montagem de uma horta para a produção de alguns alimentos”, considera. 

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Projeto virtual do escritório FGMF. Imagem: Mint Studios 2.

Pensando em um maior cuidado com o entorno, justamente para não repetirmos os erros do passado, Guto Requena propõe que devemos pensar num futuro conectado com a nossa ancestralidade. “Quanto mais tecnológicos, mais precisaremos olhar para o passado, para os povos originários e a natureza. Da mesma forma que há um avanço na tecnologia, há também um retorno cada vez mais acentuado às nossas origens”, diz. Nesse sentido, o arquiteto Rodrigo Marcondes Ferraz, do escritório FGMF, também destaca que a tecnologia, as interações virtuais e a inteligência artificial continuarão revolucionando nossas vidas. Da mesma forma que irão surgir materiais mais resistentes, tecnológicos e inovadores. Mas ele prevê que continuaremos almejando as relações pessoais, o bem-estar e os materiais naturais por perto. “Há uma grande diferença entre o espaço que a tecnologia poderá nos proporcionar e aquele em que vamos realmente querer estar – e, nesse sentido, penso que nossas casas não serão tão diferentes assim”, pondera.

Seguindo essas percepções, para o arquiteto Gustavo Cedroni, o design deverá refletir o mesmo raciocínio. “O uso do plástico deverá ser extinto e, no lugar dele, utilizaremos cada vez mais fibras naturais, madeiras certificadas, cerâmicas, materiais renováveis e produtos locais, com a figura do artesão sendo mais valorizada”, imagina. “A casa do futuro terá a tecnologia de ponta e a sabedoria popular, entendida como a expressão do saber proveniente da relação com a natureza e a comunidade na qual se está inserido, caminhando juntos, não em oposição”, complementa o arquiteto Martin Corullon, sócio de Cedroni no escritório Metro Arquitetos Associados.

Em resumo, este é o cenário previsto para a casa do futuro, a partir de 2050:

Interiores: Espaços versáteis, flexíveis, multifuncionais, personalizáveis, reconfiguráveis e com mobilidade. Móveis e objetos feitos por fabricação digital (impressão 3D ou corte CNC) e design paramétrico (formas mais fluidas e menos retilíneas). Nomadismo.

Conexões emocionais: Bem-estar, identidade, pertencimento, objetos de valor emocional, artesanais, conforto, afeto, ambientes com humanidade e memória.

Tecnologia: IA (inteligência artificial), IoT (internet of things), casa com sensores nos ambientes, livros, fotos e memórias em interfaces, interações virtuais, sistemas wireless (sem fios), iluminação otimizada e materiais inovadores.

Sustentabilidade: Elementos naturais, conexão com a natureza, biofilia, biomateriais, sistemas fotovoltaicos, consumo de água consciente, redução da pegada de carbono, espaços verdes nas edificações e espaços urbanos, horta para produção de alimentos, fibras naturais, madeiras certificadas, cerâmicas, materiais renováveis e produção local.

Ancestralidade: Futuro imaginado a partir de um olhar para o passado e respeito aos povos originários.

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