Designer Dror quer levar o luxo da natureza para as cidades

Em sua passagem por São Paulo, onde vai desenhar um parque público para um projeto residencial, o israelense fala à ELLE sobre o conceito de Supernature e sua atuação para melhorar o ambiente urbano. 


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Dror Benshetrit: "Casa no campo não é uma solução possível para todos". Foto: Divulgação



Dror tem nome de super-herói e, de fato, se parece com um. Alto, cabelos raspados, estiloso e simpático, ele envolve seus interlocutores com um discurso tão seguro quanto emocionado sobre a importância da natureza nos projetos que vem desenvolvendo ao longo dos últimos cinco anos, quando formulou a filosofia e a metodologia que embasam o conceito batizado de Supernature. Designer atuante e prolífico, com estúdio fundado em 2002 e colaborações com marcas como Swarovski, Alessi, Capellini e Rosenthal, nesta última fase ele afirma ter se voltado para o que realmente está fazendo falta no mundo: “uma abordagem diferente para o urbanismo, que integre a natureza e a ecologia ao ambiente urbano”, nas palavras dele. Dessa cepa nascem projetos como a área verde incorporada ao conjunto residencial recém-anunciado pela Cyrela na zona sul paulistana. Na obra, que deve levar cinco anos para ser finalizada, as torres serão entremeadas por um parque desenhado por Dror, que pretende ser de uso público – a ideia é que seja uma “praça viva”, onde poderão ser realizados eventos, como cinema a céu aberto e show de luzes. Para o designer, a proposta pode mudar a maneira como incorporadoras trabalham a inserção de seus empreendimentos na cidade. A seguir, Dror Benshetrit detalha essas e outras ideias.  

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Projeto de Dror para a Cyrela, na zona sul da capital paulista. Foto: Divulgação

Este não é seu primeiro projeto no Brasil. O que ele tem de único?
Ele não é apenas arquitetura, porque fizemos o parque, que funciona quase como um catalisador para todo o resto. Todos nós, no mundo inteiro, passamos por dois anos muito difíceis, pelas mesmas experiências de isolamento – não só em relação a outras pessoas como, para aqueles que vivem em cidades, em relação à natureza. Isso mudou totalmente nossa definição de luxo. De repente, nos demos conta de que passar tempo com amigos e entes queridos, além de desfrutar de um ambiente natural, é realmente um luxo enorme. Desenvolvemos este projeto para provar o valor de um parque, e como isso pode mudar totalmente a experiência de quem vive em um lugar assim. Simplesmente por estar mais ao ar livre, dispor de luz natural, sentir o cheiro da vegetação e a textura do solo, quem sabe praticar mais atividade física… A existência de uma área verde desse porte consegue influenciar a rotina de alguém. Por isso ela é o coração desse empreendimento e gera precedente para os próximos. As incorporadoras são engessadas por inúmeras regulamentações e limitações, e elas muitas vezes ditam o que será construído. Penso que iniciativas como essa têm potencial para mudar essas regras. Particularmente, no Brasil, o que se planta cresce, graças às maravilhosas condições climáticas. Por que não dar esse presente às pessoas? Isso só melhora a cidade.

Seu trabalho se baseia da promoção do bem-estar por meio do design. Além da presença do verde, que outros aspectos ajudam a alcançar esse objetivo?
Nos últimos anos, me concentrei na questão da inclusão da natureza, mas, claro, não se trata apenas disso. Quando penso em design, independentemente do tipo, eu considero, acima de tudo, a experiência que ele vai promover. Citando um exemplo em outra área: 12 anos atrás, ao criar uma coleção de bagagens para a Tumi, analisamos como as pessoas viajam e como deixar esse processo mais fácil. O desenho das malas expansíveis, que se transformam para melhor se adaptar à necessidade do usuário durante uma viagem, nasceu dessa motivação. Voltando às cidades, a razão pela qual decidi me dedicar ao conceito que batizei de Supernature nos últimos tempos é o desafio que temos à frente. Ao chegar a São Paulo, levei duas horas até o centro.

Foi rápido, acredite.
(Risos) E o mais maluco é que este não é um problema exclusivo de São Paulo. Todas as cidades, no mundo todo, sofrem das mesmas mazelas: trânsito, poluição, lixo etc. Projetos como esse me animam porque trazem a oportunidade de tratar do contexto de forma mais ampla. As prefeituras já perceberam que não dá para erguer bairros exclusivamente residenciais ou exclusivamente comerciais, que criam zonas-fantasma, com pouco movimento em determinadas horas do dia e da noite, e se tornam desagradáveis ou até mesmo violentas. Um empreendimento capaz de cobrir todas as necessidades diárias das pessoas geralmente são caminháveis, agradáveis e resolvem os vazios urbanos. E o design é a chave para alcançar isso.

Poderia falar mais sobre o conceito de Supernature?
Formulei essa ideia há cinco anos, quando estava prestes a completar 40 anos e entendi que havia passado toda a minha carreira obcecado pela próxima encomenda. Então, pela primeira vez, me questionei não sobre o que eu queria fazer, mas sobre o que o mundo mais precisava. E ficou claro que faltava uma abordagem diferente para o urbanismo, uma filosofia que integrasse a natureza e a ecologia ao ambiente urbano. Veja, em certo ponto de minha trajetória, comprei uma casa de campo. Os nova-iorquinos adoram pegar estrada na sexta-feira e partir para o interior, onde supostamente relaxam, expandem a consciência, respiram. Mas aí você percebe que possui uma dupla identidade: a urbana e a rural. Não gostei disso, pareceu artificial. Ter uma casa no campo não é uma solução possível ou que funciona para todos, muito menos sustentável. Como trazer a beleza e o luxo da natureza para as cidades, além de plantar árvores ou ficar brigando com as prefeituras para implantar mais parques? A proposta de projetar não só incluindo a natureza, mas seguindo os princípios dela, nasceu assim. Hoje, após consolidar essa filosofia e sua metodologia, entendo que pautamos uma nova disciplina do design, que chamo de bioplanejamento – uma estratégia de planejamento urbano que funde densidade e ecologia e não enxerga a malha urbana ortogonal, feita de linhas retas, como obrigatória para as cidades. Hoje, com a enorme capacidade tecnológica e de processamento de dados, sabemos que um desenho orgânico promove um tráfego fluido e redução de infraestrutura, por exemplo. Há modelos para simular e medir esses benefícios, e nosso esforço se dá no sentido de atrair designers, arquitetos e urbanistas para esse tipo de abordagem.    

Ao olhar seu portfólio, fica claro que existe uma fusão de seus projetos com a natureza. Quais são as dificuldades técnicas para isso?
Qualquer inovação sofre com uma questão de outra ordem: a da educação. Porque existe uma fixação em executar as coisas da forma de sempre, mesmo mediante estudos que comprovam as vantagens de custo, tempo e ganhos de se construir de outro jeito. Precisamos mudar o raciocínio, compreender que existem outros caminhos. Nossa proposta requer essa visão em vários níveis: prefeitura, incorporadoras, construtoras, arquitetos, urbanistas… e isso deixa tudo bastante complexo, especialmente porque não se trata de uma inovação baseada em uma única solução para um problema específico, mas, sim, de uma abordagem holística, muito mais difícil de comunicar por causa da nossa mania de enfrentar uma questão por vez, como se não se conectasse com outras. Por exemplo, eu corro. Não consigo começar o dia sem sair para correr. Sempre me perguntam se faço isso para emagrecer, mas, para mim, significa muito mais. Correr me relaxa, me deixa criativo, me dá energia, eu respiro melhor, durmo melhor… trata-se de uma solução holística e, com o Supernature é a mesma coisa. Outro ponto: o senso comum acredita que linhas retas facilitam o planejamento urbano. Isso não necessariamente procede, por exemplo, para uma rede de distribuição de água, na qual a lógica circular se prova mais eficiente. Pense em rios, árvores, colinas: o mundo natural não é nada reto. As formas circulares e fluidas são capazes de acomodar imprevistos, enquanto as linhas retas muitas vezes precisam se comportar de forma violenta para se impor.  

Você já mencionou a responsabilidade dos designers em incentivar o consumo consciente. E os arquitetos, o que mais podem fazer em termos de sustentabilidade?
O termo edifício sustentável me remete a itens como certificação ambiental, que basicamente é uma checklist com pontos como eficiência energética, economia de água, iluminação. Mas a vida não se resume a isso. Sustentável, a meu ver, quer dizer longevo. Um prédio que as pessoas amam vira um ícone e permanece por centenas de anos. Isso guarda muito mais relevância do que um simples selo na parede de uma edificação sem nenhum valor estético e que, por isso, será demolida daqui a dez anos, com impacto enorme. Temos de aceitar que nem toda construção vai durar tanto tempo e imaginar formas menos danosas de desmontá-las ou de trocar seu uso. Arquitetos e designers têm uma grande responsabilidade nisso. São profissões enquadradas no campo da prestação de serviço, e creio que, para promover essa integração de que necessitamos, a saída é tratar nossa produção mais como arte. Espero realmente que possamos inserir mais cuidado, mais arte e mais responsabilidade em nossa atuação como arquitetos. No fim das contas, é isso que trará sustentabilidade para nossas criações.

Você se define como um futurista. Está otimista em relação às próximas décadas?
Muito, muito mesmo. A Covid-19 ajudou a acelerar nossa consciência em tantos aspectos… Apesar de toda a destruição e tristeza, agora estamos um pouco mais inteligentes e mais conectados. Também sinto que o mundo despertou para novos desejos, significados e propósitos.  

Para finalizar: fale um pouco de sua casa.
Na pandemia, passei dois anos com minha família no interior. Foi mágico. Minha mulher e eu somos seres urbanos, amamos a cidade e suas oportunidades, mas nos conectamos com a natureza em outro nível nesse período, a ponto de ficarmos desconfortáveis em voltar para Nova York. Então, escolhemos experimentar um novo ambiente e nos mudamos para Miami. Nossa casa de campo em Connecticut segue sendo meu endereço preferido, com muita arte e natureza, mas, no fim das contas, eu vivo metade do tempo no avião. E tudo bem. É o que preciso fazer. O mundo é minha casa. 

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