Saiba o que é o movimento solarpunk na arquitetura
O movimento solarpunk sonha com um futuro que represente o amálgama perfeito entre a natureza e a tecnologia.
Se você entrar no Pinterest e digitar “solarpunk” na busca, as imagens que aparecerão podem direcioná-lo a uma ideia enganosa do que, de fato, esse movimento representa. Em geral, a pesquisa costuma cair em imagens de prédios vertiginosos, transparentes e forrados de plantas – quase como florestas artificiais, suspensas no céu. É um jeito bem plástico de pensar a arquitetura do amanhã, que, invariavelmente, precisará encontrar algum alinhamento com o meio ambiente, dada a questão das mudanças climáticas relacionadas ao desenvolvimento humano como conhecemos no presente. Pense nos Gardens by the Bay, de Cingapura, e no edifício Bosco Verticale, em Milão.
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No entanto, o solarpunk – que surgiu como um subgênero nativo e digital de ficção científica no final dos anos 2000 – tem menos a ver com esse desenho estético e mais como uma maneira otimista de idealizar um futuro em que o ser humano e a natureza fazem as pazes. Ou seja, o oposto do cyberpunk – que prevê uma distopia, em que estaremos absolutamente subjugados ao reino das máquinas e dos robôs. Qual delas vai vencer, é outra conversa. Porém, em um contexto histórico em que a maioria das projeções sugere catástrofes naturais e cenários apocalípticos, o solarpunk é um bem-vindo convite à fé de que a humanidade pode, sim, virar o jogo.
Nestas ilustrações, o arquiteto belga Luc Schuiten imagina um possível desenvolvimento urbano biomimético até 2200 para o bairro de Laeken, em Bruxelas, Bélgica. Acima, ele representa o ano de 1900. Ilustração: Luc Schuiten
“O que mais me interessa na ideia é a possibilidade de uma integração radical com o meio ambiente. Essa proposta inevitavelmente cria uma estética própria”, diz Dror Benshetrit, arquiteto, designer e pensador estadunidense que, em 2018, fundou o Supernature Labs, uma empresa focada no desenvolvimento de ecossistemas humanos em total harmonia com a natureza.
“Desde que tomei consciência do papel devastador do antropoceno em nosso meio ambiente, faço perguntas sobre o futuro”, indaga Luc Schuiten, arquiteto belga que trabalha há décadas com biomimética – um dos principais pilares do solarpunk. É ele, por sinal, o autor dos desenhos que ilustram esta reportagem. “É a maneira que eu encontrei de imaginar esse novo mundo – é um exercício importante, ainda que nem sempre realista.”
A representação dos anos 2000, por Luc Schuiten. Ilustração: Luc Schuiten
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“Já está claro para todos nós que a proximidade com o verde nos relaxa, nos faz bem, nos torna mais criativos. E eu acho que essa abordagem mais holística é muito inteligente. Até porque tenho que ser otimista. Esse é o meu trabalho”, retoma Benshetrit.
Ainda assim, os entraves para que esse futuro venha a se concretizar são vários. Não à toa, portanto, a confusão em torno do conceito de solarpunk. Existem fóruns e mais fóruns online em que são publicados múltiplos renders de arquitetos imaginando o que seriam esses projetos – muitas vezes, mais ecobrutalistas, ou ecomodernistas, do que realmente solarpunk. Pautadas pelo contraste dos prédios geométricos que explodem em jardins oníricos, essas duas escolas são definições puramente estilísticas, ou seja, pouco se preocupam com os valores do movimento.
A representação dos anos 2100, por Luc Schuiten. Ilustração: Luc Schuiten
“O solarpunk é um movimento visionário, que se alinha muito com a maneira como eu penso a arquitetura”, declara o norueguês Erlend Blackstad Haffner, arquiteto por trás de projetos como a reconstrução totalmente sustentável de Utøya (a ilha norueguesa que foi palco de um ataque terrorista em 2011) e um dos profissionais envolvidos na concepção do The Line, uma cidade planejada na Arábia Saudita que promete um sistema público de deslocamento ultrarrápido, assim como uma circularidade total em relação à sustentabilidade.
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A representação dos anos 2200, por Luc Schuiten. Ilustração: Luc Schuiten
“O The Line leva esses valores a uma escala gigante. Mas é fundamental pensar meticulosamente cada detalhe desse projeto – da construção ao funcionamento operacional – para não perder de vista esses ideais”, diz ele em resposta à controvérsia gerada pelo fato de a cidade artificial contrastar em absoluto com o ambiente ao seu redor: o deserto.
Na vida real, o greenwashing – termo que designa projetos que se vendem como sustentáveis para se beneficiar do discurso, mas fazem pouco na prática – ainda se infiltra em muitos dos impulsos solarpunk da contemporaneidade.
Ilustração completa da cidade de Louvain-la-Neuve, por Luc Schuiten Ilustração: Luc Schuiten
“Ainda mais quando se leva em consideração que essas iniciativas de integração arquitetônica com a natureza vêm do mercado de luxo. Com poucos recursos, ainda é difícil apostar em tantas novas tecnologias. Demora um pouco para que as novas diretrizes se consolidem socialmente”, pontua Benshetrit. “Ainda assim, os princípios do solarpunk são menos uma possibilidade de futuro e mais uma necessidade do agora. E eu estou comprometido em levar isso a cada um dos projetos de minha autoria”, finaliza Haffner.
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- Esta reportagem foi publicada originalmente na edição impressa do volume 3 da ELLE Decoration.
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