André Bastos e Pedro Ávila se entrevistam e refletem sobre parceria criativa no design

Os designers André Bastos e Pedro Ávila firmaram uma parceria intensa, que colocam luz sobre pontos em comum: a inteligência, o humor e o talento para transcender.


Os designers André Bastos e Pedro Ávila.
André Bastos e Pedro Ávila acumulam parcerias e lançam produtos para Firma Casa, Colormix e Tramare. Foto: Gil Inoue



Bastam poucos minutos ao lado de Pedro Ávila e já se nota, em seus olhos quase antropofágicos, de quem deseja decifrar o outro por inteiro, a verve existencialista do designer. O brasiliense, de 34 anos, que cresceu entre as curvas de Oscar Niemeyer e Burle Marx, chamou a atenção do gaúcho André Bastos, 60 anos, do estúdio Nada Se Leva, com uma obra à la Marcel Duchamp de sua primeira coleção, que unia um cubo branco, uma tampa de panela de ágata e um suporte bíblico de madeira. André arrematou o trabalho na hora.

“Tempos depois, o convidei para ver a peça em casa e viramos superamigos”, conta, com sua voz macia, que faz contraponto ao olhar aguçado por trás dos óculos redondos de aros finos e ao pensamento refinado. Pois agora a amizade de pouco mais de uma década virou uma parceria criativa. E das boas. “Eu estava ávido por fazer coisas novas”, conta o designer. “No início, fiquei com medo de melindrar a amizade.”

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Mas os santos bateram e o temor se dissipou logo na primeira reunião profissional. E, quando se deram conta, tinham rabiscado duas coleções inteiras em apenas 15 minutos. “Foi um momento iluminado”, conta André. “Tem uma sinergia, um sincretismo, entre a gente”, emenda Pedro.

A dupla desenvolveu as séries Farol, toda de mármore, para a Firma Casa, Talha, um revestimento para a Colormix, Biomas Brasileiros, de jacquard, para a Tramare, e Fauno, de mesas de apoio com os pés em 3D.

A convite de ELLE Decoration Brasil, eles toparam o desafio de um entrevistar o outro.

Pedro Ávila – Gostaria de saber como você descreveria o meu trabalho para uma pessoa que não me conhece?

André Bastos – A partir de três escolas artísticas: você é dadaísta por excelência, neoconcretista, pela pureza e força de sua essência, e expressionista, pois é visceral, vê a emoção de forma ilimitada. Diria que você é uma faísca de futuro, como se tivesse vindo numa nave espacial.

André Bastos – O que o inspirou em especial quando desenvolveu sua primeira coleção?

Pedro Ávila – Agora estou até achando que ela é bem dadaísta (risos), mas naquela época foi a Lina Bo Bardi e sua visão de design de urgência, os objetos criados a partir do material que havia em volta para resolver uma necessidade específica, um design popular que subvertia os materiais. Eu tinha 21 anos quando peguei itens descartados e os ressignifiquei na linha Subverter.

Pedro Ávila – Como você torna o seu trabalho reconhecível, cria uma assinatura?

André Bastos – Eu sou imerso em memórias e o meu trabalho é a tradução desse mundo de referências, de coisas que eu amo. É assim desde o início do Nada Se Leva, junto com o Guilherme (Leite Ribeiro). Nossa primeira linha, Ligeiro, veio toda da silhueta do barroco brasileiro, com acrílicos pretos recortados a laser, o que na época era algo novo. Já a série Talha evoca uma coisa dos primórdios do design, de pegar um formão, tirar pedaços da madeira e fazer disso um padrão, uma beleza. A Farol também tem esse sentimento. Um farol é algo tão significativo, aquele que olha longe, um olhar silencioso, mas um olhar que vigia…

André Bastos – O que o inspira agora?

Pedro Ávila – Dois filósofos: o luso-brasileiro Vicente Pereira da Silva e o checo-brasileiro Vilém Flusser. Nos anos 1970, os dois acertaram em cheio como seria a evolução do design e da IA nesta nova era tecnológica. A filosofia e a psicologia têm sido o meu filtro hoje. Sou fascinado pela mente humana.

Pedro Ávila – Se você não trabalhasse com design, no que gostaria de trabalhar?

André Bastos – Aos 2 anos, minha mãe me dava um lápis e dizia às visitas que eu sabia fazer um círculo perfeito. Aos 8, eu tinha marionetes, fazia apresentações para os vizinhos e cobrava ingressos. (risos) Entre 10 e 14 anos, fiz mais de 3 mil bonecas étnicas, que cabiam em caixas de fósforo, com retalhos de lojas da vizinhança, depois as vendia no colégio e no bairro. Com esse histórico, acho que eu seria um artista plástico… (risos)

André Bastos – Como as futuras gerações vão usar a inteligência artificial? Como o artesanal vai resistir a essa ferramenta?

Pedro Ávila – Sou fã de IA, mas acho que ela nunca substituirá a subjetividade humana. O Midjourney, por exemplo, é um programa que depende do seu repertório e só transcende quando você cria prompts interessantes. Eu o uso mais como forma de estressar as minhas ideias.

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Pedro Ávila – Quais artistas e designers mais o influenciaram até agora?

André Bastos – Sou apaixonado por Anish Kapoor e Olafur Eliasson. Tenho uma coisa com poesia… Amo artistas que têm lirismo poético. James Turrell, por exemplo, constrói sensações com a luz, transporta você para outros lugares. Amo também o nível de abstração e subjetividade que Salvador Dalí coloca nos objetos, como o sofá que é uma boca. Você senta em uma coisa que não só provoca desejo, mas é um órgão de se alimentar das coisas. Outro nome é o cineasta Yasujiro Ozu, que inspirou toda a Nouvelle Vague com a câmera que vê tudo em ângulo baixo, um minimalismo japonês tão lindo. E Luchino Visconti! Não havia cenário vazio em seus filmes. Era tudo recheado, até a cômoda. No design, a poesia que Joaquim Tenreiro trouxe para o mobiliário com um desenho de leveza e graciosidade… É como se transformasse uma árvore em um pássaro. Em Carlos Molina, adoro a organicidade. Ele pega o corpo da mulher e o transforma em um encosto de cadeira, tira partido da madeira para expressar o feminino, o orgânico, o corpo, o osso.

André Bastos – Como é para você criar com outro designer de produto?

Pedro Ávila – Com outros designers, seria um martírio. Com você, é maravilhoso. Quando você desenha sozinho, não sabe se é viagem sua, se só você está enxergando aquilo. A vantagem de dividir o percurso é que você sai um pouco de si mesmo, não fica autocentrado demais.

Pedro Ávila – Como você imagina os designers das próximas gerações?

André Bastos – No universo do Design Thinking, que é mais disruptivo, mais ousado, menos metódico, para sair do padrão. Além da forma e da função, vai ser preciso repensar todo o sistema produtivo, de como o móvel é fabricado, reutilizado, descartado, e abandonar o pensamento de ver o design como um mero objeto.

André Bastos – Você se vê em outra profissão?

Pedro Ávila – Estudei desenho industrial porque achei que meus pais, advogados, não iam querer um filho artista plástico, que era o curso que eu gostaria de ter feito, mas também poderia tranquilamente ter cursado filosofia ou psicologia.

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