O Brasil de Sergio Rodrigues

Criador de alguns dos móveis mais icônicos do nosso design moderno, o arquiteto, que completaria 96 anos este mês, ficou conhecido pelo bom humor, o traço forte e a inspiração na alma brasileira.


Sergio Rodrigues
Foto: Luciana Whitaker / ISR Instituto Sergio Rodrigues



As lembranças dos tempos de infância, o humor e o espírito da cultura brasileira convivem e inspiram cada peça desenvolvida por Sergio Rodrigues (1917-2014). O arquiteto carioca, considerado o grande criador do mobiliário moderno nacional, marcou a história do design com itens icônicos, como as poltronas Mole e Chifruda e o banco Mocho, entre tantos outros que até hoje, nove anos depois de sua morte, são admirados e desejados no Brasil e no exterior. 

Nascido no Rio de Janeiro em uma família de talentos (era sobrinho do jornalista Mario Filho e do dramaturgo Nelson Rodrigues), Sergio ficou conhecido como designer de móveis, mas sempre que podia gostava de frisar que era arquiteto. E assim assinou seus croquis durante anos.

Formado pela Faculdade Nacional, no Rio, na década de 1940, ele começou sua trajetória em um período extremamente fértil para a arquitetura do país. Os ares modernistas sopravam com força por aqui, embalados pela construção de Brasília e a chegada de novas ideias sobre o morar. Os móveis mais rebuscados começavam a dar lugar para peças com formas enxutas, propondo um modo de vida afinado com os tempos do pós-guerra. O próprio Sergio se divertia com isso, apelidando o móvel francês, forrado com veludos e cheio de frufrus, de “móvel senhorita”.

poltrona diz de sergio rodrigues

Poltrona Diz: em linha com o Modernismo brasileiro. Foto: ISR Instituto Sergio Rodrigues

A nova tendência, com limpeza de linhas, tinha influência direta da arquitetura. Sua mesa Arimello, o sofá Hauner e as poltronas Diz e Oscar, esta de palhinha, criada em homenagem a Niemeyer, são bem representativos dessa vertente. Segundo o depoimento da curadora e historiadora do design Adélia Borges no site do Instituto Sergio Rodrigues, “o movimento modernista brasileiro tem uma clara decorrência na arquitetura e no design. Prega a integração da arquitetura, do mobiliário e do paisagismo. Os arquitetos, então, desenhavam não só prédios, mas móveis, luminárias e utensílios domésticos”. 

Solidez e sensualidade no design de Sergio Rodrigues

Foi assim que Sergio acabou convivendo com nomes fortes dessa onda criativa. Além dos arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer, cruzaram seu caminho, com maior ou menor proximidade, outros mestres, como Joaquim Tenreiro, Zanine Caldas, Gregori Warchavchik, Vilanova Artigas  e Lina Bo Bardi. Mas foi em Sergio que essa brasilidade espaçosa, divertida e ao mesmo tempo acolhedora despontou.

Sua poltrona Mole nasceu de uma encomenda do fotógrafo Otto Stupakoff, que precisava de um sofá para seu estúdio. Como o espaço era pequeno, Sergio voltou com a ideia de uma poltrona larga. Projetada no início dos anos 1960, ela teve como ponto de partida a rede indígena e oferecia conforto de sobra para se espalhar. Nada a ver com o sentar comportado. Generosa, ela tem uma solidez e uma sensualidade que deixam na poeira os móveis pés de palito, que reinavam até então. Embora tenha causado estranheza no início, a peça venceu o respeitado Concurso Internacional do Móvel de Cantu, na Itália, em 1961. De lá para cá, virou referência incontornável quando o assunto é mobiliário modernista brasileiro.

poltrona mole de sergio rodrigues

Poltrona Mole: rede indígena foi o ponto de partida. Foto: ISR Instituto Sergio Rodrigues

O banco Mocho, sua estreia, em 1954, é outro bom exemplo da proximidade de Sergio com os aspectos mais puros da cultura brasileira. Ele foi inspirado nos banquinhos usados na zona rural para ordenhar vacas e chama a atenção pela simplicidade: três pés e um assento circular com um furo que funciona como alça, para ser carregado. Prático e charmoso.

banco mocho de sergio rodrigues

Mocho: inspirado nos banquinhos de ordenha. Foto: ISR Instituto Sergio Rodrigues

Sua ligação com a brasilidade esteve presente até mesmo no nome de seus dois empreendimentos: a Oca, sua loja, e a Taba, sua fábrica. “Sergio Rodrigues criou objetos cujas formas estão muito presentes no imaginário coletivo brasileiro, próximos da terra, da rede, do catre, do sentar do caipira, do jagunço e do matuto, do singelo objeto indígena, do trabalho daqueles dois artesãos que fizeram a cruz do início da história brasileira, no ano de 1500”, afirma a pesquisadora Maria Cecília Loschiavo dos Santos na biografia do mestre publicada pelo Instituto Sergio Rodrigues.

O bom humor sempre acompanhou seu processo criativo. A começar pelas ilustrações. Desenhista excepcional, como foi seu pai, ele ia além do projeto técnico. Dava vida a suas peças incluindo em suas ilustrações personagens (não raro, ele próprio) em cenas do dia a dia. Foi assim com a Mole, quando decretou que a poltrona funcionaria porque o boneco que desenhara largado sobre ela parecia ter ficado contente ali. 

Sergio rodrigues

Caricatura de Sergio Rodrigues em sua poltrona Mole. Imagem: ISR Instituto Sergio Rodrigues

Quando criou a Chifruda, mostrou todo seu desprendimento, como ficou registrado no livro Sergio Rodrigues, Designer, de Fernando Mendes e Baba Vacaro: “Imaginei que a cadeira teria certos detalhes lúdicos ou então detalhes que tinham uma relação longínqua com móveis de estilo e certa brincadeira que já era a minha paixão pelos vikings. Daí aquele chifre daquele jeito – um encosto de cabeça com aquele formato acentuado. Fiz essa minha cadeira que o pessoal achou muito estranho. Eu estava achando muito gozado. Mas, na época, os puros acharam aquela coisa um pouco estranha. Uma falta de gosto. Eu não tenho nada que ver com isso, né?! Se eles gostassem ou não, não era problema meu.”

poltrona chifruda de sergio rodrigues

A famosa Chifruda: bom humor a toda prova. Foto: Tomas Rangel / ISR Instituto Sergio Rodrigues

Designer desde criancinha

A convivência com seu material preferido, a madeira, vem da infância, dos tempos em que morou em um curioso castelinho na praia do Flamengo com o tio de sua avó materna, James Andrew, que tinha a marcenaria como hobby. Foi ali, na oficina que havia no quintal, que ele conheceu o jacarandá, que usaria para construir boa parte de suas criações, e aprenderia detalhes e técnicas com os dois marceneiros contratados por James. Seus carrinhos de corrida, aviõezinhos e barcos de madeira, que fabricava sozinho, causavam inveja na turma de amigos que iam até o castelinho para brincar com ele. Um aprendizado que Sergio levou para a vida inteira – e com sucesso. 

A elegância e a força de seus móveis se tornaram a imagem oficial do Brasil moderno. Suas mesas, poltronas e cadeiras mobiliaram instituições públicas importantes, como a embaixada brasileira em Roma, a Assembleia Legislativa de São Paulo e o auditório da Universidade de Brasília (UNB), além dos salões do Itamaraty, do Senado e do Palácio da Alvorada.

Para Fernando Mendes, presidente do Instituto Sergio Rodrigues, primo e parceiro de Sergio por mais de 20 anos, Sergio entendeu desde cedo que valia a pena investir na criação brasileira. “Ele buscou desde o início essa identidade. Sempre achou que o mais importante da arquitetura era o interior, o conforto, o uso das peças. Quando criava, imaginava a família vivendo naquele espaço. Seus desenhos tinham algo de teatral, eram sua forma de expressão para além do projeto, do esboço, da perspectiva. São elaborados, cheios de detalhes, com muita vida acontecendo ali dentro”.

Mas a grande marca de sua trajetória, segundo Fernando, foi a relação profunda que Sergio mantinha com seus próprios afetos. “Ele fazia tudo com entrega, com amor. E manteve viva sua criança interna, o que foi definitivo para o seu desenvolvimento.” Um homem genial, que deixou um legado que mistura na medida o aconchego, a ousadia e a elegância do moderno brasileiro.

Para saber mais, acesse:
Instituto Sergio Rodrigues
LinBrasil (empresa que detém os direitos de produção dos móveis de Sergio)

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