Carta da editora

Ser ou não ser influenciado não é a questão. Mas como se posicionar diante disso pode ser uma boa saída.

Maria-vai-com-as-outras. Quando eu era criança, essa frase soava como uma espécie de xingamento, uma declaração social de que um menino ou uma menina (sim, generoso, igualitário, o substantivo engloba os dois gêneros) era um ser praticamente desprezível, sem personalidade, pau-mandado. Em suma, alguém cuja opinião nunca era levada a sério, porque simplesmente era incapaz de ter um pensamento original, próprio.

Dos anos 1990 para 2022, mais de 30 anos se passaram e esse ditado popular caiu em desuso. Arrisco a dizer: ele deixou de fazer sentido quando todos nós viramos um pouco Maria I, a rainha “louca”, que nunca podia andar sozinha e, segundo consta, deu origem à expressão brasileira. Hoje, somos influenciados não só por nossos pais, amigos, ídolos, como também por completos estranhos que ganharam um nome “chique”, influencers. E vamos seguindo o bando.

Aristóteles bem sabia, somos todos animais sociais, o que implica em copiarmos, adequarmos nossas escolhas e discursos a partir daquilo que a sociedade corrobora.

Nesta edição, nos debruçamos sobre o tema, tentando entender o efeito das mídias sociais nessa mudança de comportamento, que vai desde coisas que parecem banais, mas significativas, como reproduzir receitas “toscas” viralizadas no Tiktok até o impacto disso nos hábitos de consumo e seus efeitos psicológicos – tipo acreditar que é preciso ter o nariz-padrão, pequeno, arrebitado, dos filtros e das influenciadoras.

Em uma reportagem tem-que-ler para entender, a jornalista Nathalia Levy volta ao time e começa narrando a experiência própria – “Não são nem 10h, mas já desejei comprar uma bolacha recheada de torta de limão que com certeza irritará meu estômago e trocar meu guarda-roupa inteiro por peças coloridas de alfaiataria” – até provar que não está sozinha. Segundo as pesquisas levantadas por ela, 76% dos brasileiros declaram ser mesmo influenciados pelas redes e, inclusive, já compraram algo ou contrataram um serviço a partir de recomendações vistas nelas.

A princípio, vamos combinar, não há nenhum problema nisso – Aristóteles bem sabia, somos todos animais sociais, o que implica em copiarmos, adequarmos nossas escolhas e discursos a partir daquilo que a sociedade corrobora. Mas, talvez, seja a hora de repensar em que manada nos encontramos, quem são essas outras, esses outros que acompanhamos sem questionar.

Em “Diga-me quem tu segues e te direi quem és”, 11 personalidades brasileiras dividem quem são suas referências na vida on e offline. E, mais radical, quase pondo um ponto final numa era, Garance Doré conta ao editor de beleza Pedro Camargo como se desvencilhou das redes ao perceber que tudo virou conteúdo fabricado para gerar likes.

Tem mais: Giovanna Ewbank, que protagoniza nossa capa, fala sobre a necessidade dela de aprofundar os temas debatidos na velocidade da internet, coisa que vem fazendo no seu novo e divertido videocast, e também de se posicionar fora delas. E Ronaldo Lemos chama a atenção para o possível fim (?) desse sistema com a mudança dos algoritmos e dos nossos “amigos” compartilhando suas vidas – e seus produtinhos, looks do dia etc.

Para terminar, ou começar, vale ler a coluna da editora especial Vivian Whiteman e começar a observar como sonhos e desejos pasteurizados podem ser problemáticos.

No fundo, no fundo, ser uma Maria-vai-com-as-outras talvez continue sendo um ditado do qual se fugir.

Um beijo e boa leitura – só ela salva!