Pedaladas para além do esporte

Mais do que uma alternativa de locomoção e atividade saudável, o ciclismo é também um estilo de vida, com estética e códigos próprios.


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Não é de hoje que ciclistas vêm conquistando cada vez mais espaço nas principais capitais do mundo, seja como atividade esportiva, seja como meio de transporte mais sustentável. Só no Brasil, o mercado de bicicletas cresceu 50% de 2019 para 2020, segundo dados da Aliança Bike – Associação Brasileira do Setor de Bicicletas. Em 2021, o aumento foi mais modesto, mas ainda assim manteve-se acima dos patamares pré-pandemia, superando a meta e movimentando 6,5 milhões de reais na venda de bikes.

Mas, para além dos números, a bicicleta se revela mais do que um meio para se locomover ou se exercitar. Junto com ela, costumam vir novos hábitos, uma mudança de escolhas na hora de consumir, um punhado de novas conexões e amizades, além de uma série de códigos, roupas e acessórios específicos para atender a diferentes estilos de ciclismo. Nos últimos anos, com o crescimento da prática, ciclistas e marcas têm buscado traduzir esse lifestyle através da moda e nos detalhes que permeiam o uso da bicicleta.

“No ciclismo, a roupa sempre foi tida como um equipamento. Com o passar dos anos, o ciclista buscou se vestir melhor, com tecnologia, com produtos que entregam performance e estilo”, comenta Edo Belleza, designer líder da categoria de vestuário da empresa Specialized Brasil. Mas não é só isso. Seja vestindo roupas de lycra ou peças mais despojadas, com tênis ou sapatilha, a maneira como o ciclista se veste fala muito sobre o grupo em que ele se encaixa nesse heterogêneo universo da bicicleta. “Nos últimos três anos, a Specialized passou a olhar esse mercado como fashion e unir a melhor tecnologia com um produto lindo, bem feito e que entrega ao ciclista a sensação de pertencimento”, comenta Edo.

Além das grandes marcas de bicicleta que têm investido em linhas de vestuário e acessórios, buscando atender diferentes perfis de ciclistas, um ecossistema de pequenas e médias empresas está crescendo e apresentando produtos personalizados e com uma pegada mais independente.

Uma delas é a Velodeath, que produz bolsas, bonés e camisetas com um característico logo de cabeça para baixo. Além dos acessórios, a marca comercializa produtos bem específicos para o ciclista, como é o caso do firma-pé (fita que segura os pés nos pedais, muito comum em bicicletas fixas) e da tampa de direção (peça que já vem com o componente de fábrica, mas pode ser comprada separadamente em várias versões). Já a (2c)2bags, como indica o nome, é especializada em bolsas e mochilas, assim como a Bicicli Bags, que produz acessórios veganos.

Entre os grupos de ciclistas que saem para pedalar juntos, é comum também se organizar para produzir uma linha exclusiva de jersey (camisa de ciclismo com bolsos nas costas), caps ou mais peças. No clube de ciclismo Fuga CC, por exemplo, a cor rosa se destaca nas curvas das estradas onde eles curtem pedalar. Dependendo do grau de envolvimento com o esporte, até mesmo o vestuário cotidiano é influenciado pela bike. “As roupas não precisam ser adaptadas para pedalar no dia-a-dia, mas toda aquisição você acaba considerando o uso durante o pedal”, conta Alberto Pellegrini, advogado e co-fundador do Fuga.

Como se vê, pedalar acaba por influenciar todos os outros verbos da vida. E ainda que para andar de bicicleta não existam regras, cada estilo de pedal tem uma identidade própria, que é lida dos pés a cabeça, em roupas, acessórios, cortes de cabelo e comportamento. A seguir, você vai conhecer melhor três grupos diferentes de ciclistas e seus respectivos códigos.

Fixeiros e fixers

A principal característica de uma bicicleta fixa é seu sistema de transmissão sem o mecanismo de roda livre. Ou seja, não é possível ficar com os pés parados enquanto se está em movimento, pois os pedais das bicicletas fixas se movem junto com a roda, tanto para frente quanto para trás.

Dada a simplicidade desse mecanismo, as bikes conseguem ser muito mais minimalistas e dispensam componentes que exigem mais manutenção, como câmbios, marchas e catracas. Até mesmo os freios podem ser dispensados nas bicicletas fixas, que, conforme a habilidade de quem pilota, são paradas com a força contrária nos pedais.

As verdadeiras magrelas são praticamente telas em branco, e cada fixeiro vai colocando sua personalidade nas linhas retas do quadro. Elas costumam ser coloridas e irreverentes, explorando pinturas com formas, fitas de guidão, adesivos e os chamados spoke cards, ou cartão de raios, que levam desenhos, mensagens e estilo ao espaço entre os raios das rodas da bicicleta.

Guidões também costumam ser explorados ao máximo: invertidos, ariscos, estreitos ou bem largos, cada um proporciona uma pegada diferente, com mais ou menos emoção durante a pedalada.

Para celebrar toda essa irreverência, existem as Fixolimpiadas, um grupo que surgiu no Facebook reunindo pessoas do Brasil inteiro. “O evento, que rolou quase todos os anos desde 2008, já passou por São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis, Recife, Rio de Janeiro, Fortaleza e agora volta à capital gaúcha para quatro dias de competição, festa e muita bicicleta”, conta Cala Oliveira, tatuadora e bartender e uma das organizadoras do evento.

“A galera da fixa normalmente utiliza a bicicleta como meio de transporte, quase como uma extensão das próprias pernas. Há também um grupo muito grande de vegetarianos e veganos dentro do role”, diz Cala.

Speedeiros

No universo dos speedeiros – aqueles que gostam de pedalar nas estradas com bicicletas de garfo rígido, pneus finos e algumas marchas – a assessoria esportiva costuma ser uma maneira de se disciplinar no treino e melhorar sua performance no pedal.

Mas o Fuga CC não se trata disso. É na verdade um clube de ciclismo que oferece treinos das terças às quintas-feiras, training camps e biking packs no Brasil e no exterior, benefícios de descontos em lojas, serviços, estabelecimentos e oficinas de mecânica.

Mais do que isso, o que o Fuga CC oferece é uma comunidade. “Até então o mais comum é encontrar assessorias esportivas que entregam planilha e performance para participar de provas. Não somos assim. Somos uma comunidade, que, entre outras consequências, temos a performance.”, qualifica o co-fundador Alberto Pellegrini.

“O Fuga surgiu da vontade de quatro amigos para criar uma comunidade de ciclistas, que não só pedalassem juntos, mas trocassem informações e aprendessem entre si”. Hoje, além dos treinos e encontros para pedalar, o clube de ciclismo organiza o Cine Fuga com filmes ligados ao tema, encontros para assistir grandes competições, além de happy hours mensais, “fora os que acontecem espontaneamente”.

Albert afirma que o Fuga CC tem um espectro de idade interessante, desde muito jovens a pessoas mais velhas, e afirma que no pedal as diferenças de idade e classe social não importam. “Basicamente são pessoas que se desprenderam da loucura do trânsito da cidade e do estilo caótico e não saudável, priorizando um estilo de vida mais voltado a valorizar momentos agradáveis, com pessoas interessantes, pedalando juntos, alheios ao caos urbano.”

Bmxers

Também com muita inspiração da rua e do dia-a-dia de bicicleta na cidade, o BMX Freestyle tem um estilo mais despojado e troca bastante com o universo do skate. Camisetas largas, bermudas compridas e quase sempre um Vans no pé.

Recém-chegado aos jogos olímpicos, junto com o skate, o BMX Freestyle é outro esporte urbano que tem a identidade “rueira” no seu DNA. Praticado em pistas, bowls e nas ruas da cidade, os bmxers transformam calçadas, rampas e obstáculos em circuitos e palco de manobras radicais.

Nesse universo, Cauan Madona, patrocinado pela Vans, entre outros parceiros, é hoje um dos atletas de maior destaque. “Hoje consumo aquilo que fortalece a cena do meu esporte para que ele possa crescer e mais pessoas possam ter apoios e parceiros”, diz ele.

Sobre o espírito do BMX, Cauan lembra o mantra de um velho amigo, lenda da categoria no Brasil, José Wilton de Oliveiro, o Drac: “Ande de bike com seus amigos e se divirta. Andar de bike é se divertir.”

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