O design abraça a espiritualidade

Foco, fé e... forma. A busca por um pouco de paz e contemplação virou nossa missão de todo dia. E com a casa não foi diferente. Móveis e objetos também entraram em sintonia com o divino.


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O riso e a fé se tornaram dois caminhos poderosos para enfrentar os tempos estranhos que estamos atravessando. Quem aguentaria tantos solavancos sem recorrer ao bom-humor ou a um pouco de introspecção? Em busca de paz, muita gente tem tentado se reconectar com seu lado espiritual, seja se dedicando a uma religião, meditando, mergulhando mais fundo em filosofias que levam à reflexão, como o yoga e o reiki, ou ainda incluindo na agenda caminhadas e peregrinações, atividades que ganharam força e sentido especiais. “As pessoas querem uma experiência que as leve além delas mesmas, que faça com que se sintam parte de algo maior, seja se conectando mental e fisicamente consigo mesmas, com os outros ou com a natureza”, diz Guy Hayward, fundador de uma agência britânica que oferece roteiros e suporte para peregrinos. No ano passado, ele viu a procura por esse tipo de passeio se multiplicar e acabou lançando novas rotas – como os percursos que preveem a visita a 45 catedrais pelo interior da Grã-Bretanha, uma maneira de admirar a arquitetura desses monumentos e entrar em sintonia com o sagrado.

Segundo um report recente do bureau de tendências Stylus, representado no Brasil pela consultoria Spark:off, capitaneada por Andrea Bisker, “a profunda necessidade de consolo, força e união durante a pandemia está atraindo mais consumidores para práticas espirituais, mudando o cenário da última década, marcada pelo declínio da religiosidade”. O relatório destaca quatro aspectos dessa mudança: a pandemia revigorou o sentimento religioso e de comunidade, boa parte das cerimônias migraram para o formato digital, o bem-estar físico ganhou novo significado, unindo-se à saúde mental, e as gerações Millennial e Z, desencantadas com o lado institucional das religiões, têm procurado esse alento interior de outras maneiras, revendo o que é válido ou não em termos religiosos e fazendo a diferença ao focar nas questões que envolvem justiça social.

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Altar minimalista do arquiteto japonês Nendo.Foto: Tsunehiko Okazaki

No mundo inteiro, a busca por soluções místicas para reequilibrar a saúde mental disparou. E o design de objetos não ficou de fora. Conhecido por suas criações que combinam minimalismo e alta tecnologia, o arquiteto japonês Nendo acaba de lançar um pequeno altar budista que lembra uma paisagem disposta em uma bandeja. Na parte da frente, há uma cavidade, como um lago, para depositar flores, um espaço para acender incenso e um sininho embutido em uma pequena colina. Logo atrás, outro aclive funciona como porta-cinzas. Os designers do estúdio suíço Panter&Tourron têm uma proposta semelhante. Eles se inspiraram em símbolos antigos e fizeram releituras dessas peças usando materiais modernos, como alumínio anodizado e polímero. Nasceu assim a coleção Holy, composta por queimador de incenso, urna para cinzas, altar votivo, colar amuleto e uma garrafa para carregar água, um elemento presente em boa parte dos rituais em diferentes cultos.

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Queimador de incenso do estúdio suíço Panter&Tourron.Foto: Divulgação

O princípio da iluminação cêntrica, que reproduz a luz natural para influenciar o funcionamento do corpo humano, foi o ponto de partida para o designer alemão Sebastian Hepting projetar a luminária MoodMoon. Feita de papel japonês e tecnologia led, ela oferece combinações entre 14 cores e graus de luminosidade. Lançada durante o lockdown, a peça foi planejada para proporcionar relaxamento, mas também para iluminar o mesmo ambiente de formas diferentes, já que a mesma sala hoje pode receber um home office ou se transformar em um espaço para uma sessão de pilates.

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Luminária Moodmoon, de Sebastian Hepting: combinações de 14 cores e diferentes graus de luminosidade.Foto: Divulgação

A Moooi também apostou na sensação de calma para reconfortar seus fãs de seu mobiliário sempre inventivo. Conhecido pelos trabalhos imersivos, em 3D, Andrés Reisinger se juntou à designer de tecidos Júlia Esqué para compor a poltrona Hortensia, feita com 30 mil pétalas de tecido recortadas a laser. Com visual onírico e cores suaves, ela é um convite ao aconchego, o lugar perfeito para descansar se sentindo abraçado e protegido.

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Poltrona Hortensia, criação de Andrés Reisinger e Júlia Esqué para a Moooi , feita com 30 mil pétalas de tecido.Foto: Divulgação

De uma forma ou de outra, o design sempre esteve conectado ao sagrado, como explica a professora de história Ethel Leon. “Essa ideia de que os objetos devem ter formas puras é um tanto mítica, um tanto religiosa”, afirma. Como exemplo, ela cita os primeiros anos da Bauhaus. Os criadores davam mais importância a esse tipo de pensamento do que à utilidade dos objetos. “Uma chaleira com corpo cilíndrico ou um brinquedo formado por um quadrado, um círculo e um triângulo, por exemplo, reuniam uma filosofia bastante antiga, de ligar a geometria e a matemática à divindade”, conta. A própria ideia da proporção áurea e do uso da luz trabalham essa conexão com o divino. “O arquiteto Mies Van der Rohe fez casas com entradas estratégicas de luz. Espalhar a luz e dar esse tratamento às formas têm uma base espiritual muito forte”, diz Ethel. E um pouco de luz e calor é justamente do que estamos precisando agora.

Fé e forma: onde o design e a espiritualidade se encontram

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Lustre candelabro Flying Flames, Ingo Maurer.

Foto: Divulgação

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Oratório Padim Ciço, do estúdio Mula Preta.

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Igreja católica projetada pelo ateliê de Marek Štěpán, em Brno, na República Tcheca.

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Luminária Lampião, galeria Cândida Tabet.

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Quadro da série Patuá, de Alexandre dos Anjos.

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Altarino, de Maddalena Casadei.

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Painel da artista romena Aitcha na loja La Double J, em Milão, com símbolos míticos e deusas ligadas à energia feminina.

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Mesinha Tavolo Magico, Fornasetti. O espelho convexo no centro remete à lenda de que seu reflexo afastaria maus espíritos.

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Fé e forma: onde o design e a espiritualidade se encontram

Foto: Divulgação

Instalação Espaço para Meditação e Criação, de Jun Murata, construído com contêineres, em Songzhuang, distrito que reúne museus e galerias de arte, em Pequim. As fendas permitem a passagem de luz e a observação da natureza ao redor, em uma atividade de contemplação, paz e relaxamento.

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