Leilões online se popularizam com o isolamento social

Tem obra de arte e joias, mas também roupas, móveis e, agora, os onipresentes NFTs. Será que essa modalidade de compra pela internet vai pegar de vez? Faça seu lance!


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Esqueça as obras de arte de centenas de milhões de dólares ou a narração acelerada dos leilões pecuários – sucesso no TikTok e na TV paga. Os leilões foram parar na internet e estão se consolidando como uma forma sustentável e acessível para decorar a casa, renovar o guarda-roupa e até começar sua própria coleção de arte.

Leilões online não são exatamente uma novidade – o eBay surgiu em 1995 –, mas, como outras tendências da virada do milênio, eles voltaram à tona nos últimos meses. Com o isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, as tradicionais casas de leilão tiveram que se adaptar definitivamente a esse ambiente.

Sotheby’s, Christie’s e Phillips já trabalhavam com modelos híbridos, mas em poucos meses tiveram que se transformar para sobreviver, apostando em livestreams globais no formato de game shows, aplicativos de realidade aumentada, que permitem ver os quadros em sua casa, e ferramentas de zoom, que permitem analisar cada detalhe de uma obra à distância.

A aposta deu certo. Se em março de 2020 o mercado de leilões parecia arruinado, pouco mais de um ano depois as casas comemoram o crescimento do público, os recordes em vendas online de obras de Basquiat e Francis Bacon e o novo foco em itens de apelo com os jovens, como bolsas (uma Kelly de couro de crocodilo branco foi vendida por 437 mil dólares em novembro), sneakers (um Air Yeezy utilizado nos Grammys arrecadou 1,8 milhão de dólares em abril deste ano) e, sim, NFTs.

No Brasil, os leilões também passaram por essa transformação. Se na mudança para o ambiente virtual se perde “o calor e a emoção”, como relata o leiloeiro James Lisboa, o período de isolamento refletiu em um grande aumento na procura e no número de ofertas. “Os leilões antes da pandemia duravam, na média, dois dias, três dias. Hoje, eles passaram a ter cinco dias”, diz.

A casa de James Lisboa, uma das mais renomadas no mercado de artes, começou a fazer os leilões apenas de forma online, apostando na transmissão pela televisão para alguns dias de evento. Essa mudança fez triplicar o número de clientes de fora do eixo Rio-São Paulo e também impactou no perfil dos consumidores.

“A gente vê que grande parte são jovens na faixa de 20 e poucos anos, 30 e poucos anos. Gente que está formando ou começando a coleção. É uma geração que nasceu habituada a ter esse tipo de instrumento como forma de comunicação e de trabalho”, diz Lisboa. Entre obras concorridas de Manabu Mabe, Tomie Ohtake e Eleonore Koch, a casa diz que, em alguns leilões, é possível fazer lances mínimos a partir de 400 reais.

Rogério Bastos, CEO da LeilõesBR, site que reúne leilões online com foco em arte e antiguidades, relata uma experiência parecida: a procura por sua plataforma subiu mais de 50% no período. “Apesar de tradicionalmente os leilões possuírem público com idades acima de 40 anos, houve grande adesão de público mais jovem”. Ele atribui essa mudança às restrições do período e à possibilidade de garimpar itens para serem vendidos em outros sites.

Moda

Na pandemia também nasceu o Roupartilhar, plataforma que promove leilões de roupas com foco em ações beneficentes. Natalia Hohagen, uma das fundadoras do projeto, conta que a ideia veio em março de 2020, com a chegada do vírus ao Brasil. Em férias coletivas por causa da pandemia e com a preocupação de ajudar mesmo sem sair de casa, Hohagen organizou pelo WhatsApp um leilão com peças doadas por donas de marca e influenciadoras. De lá para cá, o projeto realizou 18 leilões, arrecadando 216 mil reais que foram distribuídos entre 23 instituições de dez estados.

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Natalia Hohagen, do Roupartilhar: “Fui uma heavy user do eBay e sabia como era legal essa gamificação da compra online”.Foto: Divulgação

“Vendemos apenas peças que usaríamos ou daríamos para alguém especial de presente”, diz Natalia, que aposta na curadoria como diferencial. Em edições anteriores, entraram para jogo peças de marcas internacionais como Balenciaga, Louis Vuitton e Stella McCartney, e nacionais como Alexandre Pavão, Cotton Project e Farm.

“Eu fui uma heavy user do eBay e sabia como era legal essa gamificação da compra online”, conta Natalia, justificando a escolha pelo formato de leilão. Para incentivar essa disputa e garantir a acessibilidade, as peças começam com 30% de seu preço de venda. “O nosso intuito é sempre que uma peça receba o máximo de lances possíveis. Para isso, muitas vezes a melhor estratégia é realmente começar com um preço convidativo”. Em alguns casos, as peças foram vendidas por dez vezes seu preço de loja.

Ainda em junho de 2020, a plataforma recebeu o aporte de um investidor anjo, mostrando o potencial de uma iniciativa focada em leilões de moda. Para o futuro, Natalia quer a escalabilidade da plataforma, expandindo as doações para fora de seu círculo de conhecidos, mas “mantendo sempre as nossas premissas principais, a de responsabilidade social e a curadoria de moda apurada”. “Nossa ideia é criar uma base de marcas e pessoas engajadas e apaixonadas por moda, e conectá-las à instituições que a gente acredite”, afirma.

Sustentabilidade

Assim como outros mercados de itens vintage, os leilões são beneficiados pelo desejo de ser mais sustentável. “Permitir que um objeto usado possa ser adquirido por outra pessoa contribui para o reaproveitamento dos mais variados produtos”, diz Bastos, citando a redução no lixo e na necessidade de extração de novos materiais. Ele também lembra de outros segmentos, como os leilões de sucata, elo importante nessa cadeia.

“Nós começamos com vendas de peças second hand, e o nosso objetivo é sempre continuar com essa possibilidade no site”, diz Hohagen, comentando o aspecto sustentável do Roupartilhar. “Tentamos sempre ser o mais sustentável possível. São ações que entendemos hoje como a coisa certa a fazer, e não mais um diferencial”.

Em um cenário de juros baixos e incentivos econômicos globais, esses ativos também viram possibilidade de investimento financeiro – o Air Yeezy leiloado em abril foi dividido em ações fracionadas, aplicando a lógica das empresas de capital aberto a um tênis. “Na pandemia, com a falta de possibilidade de gastar com viagens e outros tipos de lazer mais o tempo livre de navegar na internet, um mercado que já vinha crescendo ganhou mais visibilidade”, explica a consultora de negócios de moda Fernanda Leite.

NFTs

Seria impossível falar de leilões na pandemia sem abordar os NFTs. Esse formato de criptoativos ajudou a legitimar a arte online – artistas como Beeple, FEWOCiOUS e Pak se tornaram estrelas da área – e dominou as manchetes nos primeiros meses do ano, com os sucessivos recordes batidos. Mas além de memes, gifs e páginas da web, vendidos nos marketplaces como OpenSea e NiftyGateway, já surgem casas unindo esse formato com a lógica tradicional das casas de leilões, oferecendo versões digitais de itens reais.

A Duchamps.io se apresenta como uma casa de leilões nativa da internet. Em seus leilões na plataforma OpenSea, é possível dar lances por NFTs de diversos itens físicos, alguns mais tradicionais, como Rolex Daytonas e Submariners, a outros mais exóticos, como cards de Pokemon e Yu-Gi-Oh, jogos de Game Boy e o piercing usado por Tupac Shakur na capa de seu álbum All eyez on me.

O fundador da Duchamps.io, Julien Lafon, explica que a casa começou como uma forma dos grandes donos de criptomoedas gastarem seus fundos e diversificarem seus investimentos.

Fundador do maior ecommerce de Funko Pops nos EUA, Julien diz que nos últimos anos, uma nova classe de ricos surgiu, ligada à tecnologia e aos mercados de cripto, composta por jovens que cresceram com Magic e Pokémon. “A Sotheby’s não leiloaria uma caixa de cartas de Pokémon, mas nós estamos interligados com a cultura da internet”.

No futuro próximo, a Duchamps vai leiloar uma obra física de Rembrandt, entrando de vez no mercado de arte tradicional. Já as grandes casas estão indo ainda mais em direção ao digital, com a Sotheby’s e a Phillips recebendo pagamentos em Ethereum e Bitcoin, e organizando leilões de criptoativos. “É só uma questão de tempo até todos esses negócios aceitarem criptomoedas”, afirma.

Onde dar seu lance virtual

De roupas a NFT, os lances não param. Confira endereços na web que realizam leilões online.

Arte

James Lisboa
Tradicional casa de leilão de arte, que se adaptou ao formato online. Cartuns, pinturas, serigrafias, o catálogo é vasto.
Tels. (11) 3061-3155 e (11) 93361-8643, @jameslisboaarte.

Villa Antica
Realiza leilões de arte e antiguidade online e por telefone.
Tel. (11) 3062-0022, @vilaanticaleilao.

Joalheria

Gondolo Leilões
Trabalha principalmente com relógios, além de joias, coleções e antiguidades.
Tels. (11) 2829-5252 e (11) 94495-6609, @gondololeiloes.

La Gemme Leilões
Casa conduzida pelo joalheiro Luca Rossi, que trabalha com joias antigas e diamantes.
Tel. (21) 2541-3192, @lagemmleiloess.

Tavares Leilões
Promove leilões de joias, relógios, pedras preciosas, moedas, canetas e outras peças.
Tel. (21) 2532-7813, @tavaresleiloes

Moda

Roupartilhar
Plataforma de venda roupas e objetos para casa com foco em ações beneficentes, que realiza leilões e destina o lucro para diversas instituições.
Tel. (11) 94523-4052, @roupartilhar.

Móveis

Lipe Mobiliário
Oferece principalmente móveis de grandes designers nacionais e também antiguidades.
Tel. (21) 99809-4046, @lipe_mobiliário

Leilão Design
Mobiliário de época, peças raras e assinadas por grandes designers fazem parte do catálogo.
Tel. (11) 94277-1392, @leilaodesign.

NFTs

OpenSea
Arte, música, cards, colecionáveis: tem de um tudo nesse marketplace de NFTs.
@opensea

NiftyGateway
A arte digital em suas várias manifestações está nos leilões dessa plataforma.
@niftygateway

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