O mix que torna Miami especial

Um passeio pela Art Basel, pelos clichês da Ocean Drive e pelos luxos de Bal Harbour.


Bal Harbour Village
Divulgação



Vale aqui o relato pessoal para reforçar o ponto. Quando soube da viagem profissional a Miami, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi acessar um site estadunidense de eletrônicos. Eu precisava trocar de computador e, acredito, não preciso me estender muito sobre as taxações do nosso país e como a região que eu estava prestes a visitar tem toda uma fama de comprinhas interessantes para brasileiros, para me justificar. Achei rápido o modelo que eu precisava, anotei no bloco de notas e fui. 

Acontece que, quando eu soube da viagem, não pensei nas várias obras de arte que poderia encontrar por lá, ainda que a Art Basel, a maior e mais importante feira de arte das Américas, tenha transformado essa parte do sul dos Estados Unidos em um grande polo de exposição de artistas modernos e contemporâneos nas últimas duas décadas. O sucesso do turismo de Miami em tecer uma relação íntima de sua região com as artes plásticas é visível, mas, confesso, pensei primeiro nos hotéis e bares em tom pastel da Ocean Drive, na oportunidade de tomar um drinque próximo à mansão de Gianni Versace (com pessoas de bronze laranja ao lado) e, claro, garantir o meu mais novo notebook, quando me sobrasse algum tempo. 

Os clichês existem por várias razões e uma delas é justamente a dificuldade de apagá-los das nossas referências mais básicas. Mas, corto rapidamente esse causo para o final da minha trip para me explicar melhor. No aeroporto, já com a passagem de volta para São Paulo nas mãos, eu carregava na bagagem não só o meu desejado computador (mais baratinho do que no Brasil, ufa!), como também uma balinha no meio das bugigangas. O doce é parte de uma obra de Félix González-Torres, um dos meus artistas favoritos, nome fundamental entre os criadores de arte LGBTQIA+, e que em nada eu relacionei com Miami, ainda que ele tenha falecido por lá em 1996. Voltei com o clichê da compra na mala e o luxo de ter visto de perto o trabalho de um dos artistas mais interessantes da contemporaneidade e ter acessado uma obra sua que me emocionou profundamente e que eu nem poderia imaginar encontrar por lá. 

O grande negócio de Miami é esse: não ter que optar só pelo tour artsy ou fazer a sacoleira. O mais divertido dessa cidade é justamente reunir aquilo que já se espera com várias surpresas no meio do caminho. 

Miami: turismo, arte, gastronomia – e boas comprinhas, ainda bem! 

O objetivo desse texto não é o começo e nem o fim. O que me levou a Miami, claro, foi o meio, a viagem. Mais precisamente a celebração de uma série de aniversários. Como já disse, 20 anos de Art Basel, e não só. 

Na parte norte de Miami, a uns 15 minutos de South Beach e no raio de um pouco mais de 1,5 km, está Bal Harbour Village. A região completa, em 2022, 75 anos de história. Nesse tempo, foi de vilarejo à beira-mar a um dos maiores destinos globais para quem quer lazer, moda e arte numa única viagem. 

St. Regis Bal Harbour Divulgação

A parte do lazer me leva a outro aniversariante. Eu fico hospedado no St. Regis Bal Harbour Resort que, em 2022, completa uma década de vida. Trata-se de uma das duas opções mais luxuosas de hospedagem em Bal Harbour. A outra, na extrema outra ponta, é o Ritz-Carlton Bal Harbour (bom em privacidade, uma vez que são apenas dois quartos por andar). Quem deseja viajar no tempo e pegar sol em uma daquelas piscinas americanas dos anos 1950, com cabines de madeira e até bar de milkshake ao lado, vai preferir o retrô Sea View. Para long stay, ou seja, estadias prolongadas, a pedida é o Beach Haus, com cara de apartamento e decoração minimalista, perfeito para quem vai ficar boas semanas. 

Mas é o St. Regis o mais bem posicionado e com porte que melhor combina com Bal Harbour. O hotel tem 216 quartos, todos eles com vista para o mar. Há torres residenciais para sortudos que podem se fixar durante uma temporada, e também cabanas particulares (as Day Villas), dispostas perto da praia, com foco em turistas que desejam a experiência por ao menos um dia. As áreas de lazer, no entanto, são todas separadas, o que torna tudo bastante confortável. E, mesmo que a praia não seja privativa, a baita organização e fácil acesso ao mar faz com que os hóspedes se sintam únicos. 

 

Em 2022, o The St. Regis Bal Harbour, assim como o seu spa, foram classificados pela Forbes Travel Guide como cinco estrelas. Isso, pelo nono ano consecutivo. O Spa St Regis tem áreas de relaxamento para além dos tratamentos, só que existem outros pontos no hotel igualmente gostosos e luxuosos. A entrada é imponente – e bastante instagramável –, com espelhos que fazem alusão às facetas dos diamantes da família Astor, a fundadora do selo St. Regis. O restaurante Atlantikos, de inspiração grega, proporciona cafés da manhã e brunches ao redor da piscina. Já o novo menu de coquetéis, para quando o sol se vai, impressiona. O drinque Dinasty, por exemplo, chega à mesa em uma caixinha carregada de fumaça. E fique no espaço até presenciar o “sabrage”, técnica centenária de cortar o topo da garrafa de espumante com uma espada – acompanhada por uma aula de história. Vale a pena. 

Bal Harbour Shops South Koi Pond

Bal Harbour Shops Divulgação

O fato de estar bem posicionado é porque o St. Regis fica bem de cara à grande pérola de Bal Harbour, o ponto que faz dessa região tão especial. Trata-se do Bal Harbour Shops, conhecido mundialmente como o Shopping Hall of Fame. Esqueça completamente a ideia tradicional que você tem de shopping. Com uma arquitetura aberta e uma decoração cheia de plantas e laguinhos com carpas nadando, ele mescla bem a experiência de compra com passeio – não à toa, o espaço é copiado em vários lugares do mundo, desde que foi aberto por Stanley Whitman, em 1965. 

Dentre o leque de butiques presentes, estão Chanel, Balenciaga, Dior, Ferragamo e uma Burberry renovada (a primeira loja no mundo da grife britânica a atender os novos conceitos de design global da marca). A partir deste mês, o espaço conta também com uma nova loja do designer brasileiro Ara Vartanian – a primeira em Miami. Ele passa a ser vizinho de outro brasileiro que é sucesso na Terra do Tio Sam, Alexandre Birman

Para comer, as opções são variadas. O Carpaccio serve lagosta e outros frutos do mar fresquíssimos. Coisa de família, com direito a porção bem servida e pratos que pedem para ser divididos. O charmoso Le Zoo, de luz baixa e cardápio de inspiração francesa, entrega clássicos de brasserie, como a sopa gratinada de cebola, vieiras e toda sorte de pratos com trufas. Já o Hillstone é perfeito para coquetéis solitários ou em dupla no balcão e para quem deseja um filé mal passado com legumes ou batatas. 

Restaurante Makoto Divulgação

A novidade gastronômica do Bal Harbour Shops é o mediterrâneo Aba. Ele é uma fusão de sabores gregos, turcos e libaneses. Mas é o Makoto que segura o título de queridinho e cool. O japonês é conhecido entre os brasileiros, porque a casa tem uma filial em São Paulo, no Cidade Jardim. Dirigido pelo chef Maroto Okupa, o cardápio tem ótimas opções frias e quentes como as daqui, mas, por lá, o espaço foi reformado, está no terceiro andar, e conta agora com um terraço e um bar ao ar livre. Essa foi uma das mudanças que o Bal Harbour Shops ganhou em função do aniversário da região. Além disso, o shopping como um todo vai ganhar também mais 25 mil metros quadrados. 

O Bal Harbour Village também ganha uma repaginada este ano, alguns novos cantinhos. O Parque Waterfront, por exemplo, foi construído em frente a sede da prefeitura e conta com áreas para futebol, frisbee, caminhadas e meditação. Na orla, houve uma ampliação do trecho de praia. Sim, o tamanho da faixa de areia ganhou mais metros quadrados para lazer, parte de um projeto complexo que fez de tudo para que em nada prejudicasse a vida marinha local. 

No que diz respeito às artes plásticas, não é necessário ir longe. Estão dispostas na rua, obras públicas de Manolo Valdés, por exemplo. São as suas Infantas Margarita, série em homenagem à Velasquez e que surgem elegantes em diferentes tipos de materiais. Mas há também um incentivo de visitas a museus. Quem se hospeda em Bal Harbour ganha um cartão, o Bal Harbour Art Access Program, acesso vitalício a mais de dez museus e instituições de arte, como o Rubell Museum (com acervo que conta com Yayoi Kusama, Basquiat, Keith Haring e Damien Hirst), o Perez Art Museum (mais conhecido como PAMM e de arquitetura assinada por Herzog and De Meuron), além do Institute of Contemporary Art e galerias como o De La Cruz Private Collection, em Key Biscayne. 

Foi no De La Cruz que me surpreendi com o vasto acervo de Félix González-Torres, para além de outros grandes nomes, como Sterling Ruby e Ana Mendieta. Cubano, Torrez se formou em Nova York e fez parte de coletivos que discutiam, entre outras coisas, a ideia do observador ativo, no lugar de um receptor inerte. É por isso que volto com uma balinha, parte de uma obra sua. Tratando ao longo de sua vida (encurtada pela Aids) de temas como amor, perda, gênero e sexualidade, ele tem uma obra que é uma pilha de doces que provocam o espectador: você pode pegar uma e levar consigo ou optar por deixar ela lá, para que a obra continue a existir fisicamente. No primeiro momento, achei egoísta demais levar uma parte comigo, mas o guia da galeria percebeu que Torrez me comovia e ele mesmo me incentivou. “Pegue uma”, disse. Muitas emoções. Me senti parte fã, parte ladrão. Sem dúvidas, feliz.

Trabalho de Félix González-Torrez Divulgação

Essa é uma das razões para que o movimento provocado pela Art Basel crie uma relação entre artes e Miami que não é de fachada. A edição de 2022 do evento, por exemplo, reúne artistas, marchands e galeristas do mundo inteiro, enquanto traz para o jogo grifes como Prada, Fendi e Saint Laurent, e ainda joga luz em nomes latinos e outros indivíduos que não estão nos roteiros tradicionais de arte. Não à toa, quem se hospeda em Bal Harbour é convidado a visitar também as feiras B-side, como a Scope Miami Beach, a Nada Miami e a Untitled, focadas em arte contemporânea e independente

Sim, muitos milionários, parte de um dos setores mais exclusivos do mundo, mas que não deixa de conversar com o novo. Nada mais justo, uma vez que, em Miami, escutamos mais espanhol e português do que inglês, às vezes. É dessas reuniões e surpresas que só essa cidade, de Bal Harbour à Ocean Drive, pode proporcionar. 

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