Diferentonas: conheça uvas para sair do lugar comum na taça

Bobal, Cinsault, Corvina, Savagnin... O mundo dos vinhos vai muito além de Malbec e Sauvignon Blanc. Conheça características de outras cepas e aumente as suas possibilidades de prazer.


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Malbec, Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Sauvignon Blanc, Syrah, Pinot Noir… É muito provável que você conheça os vinhos de todas essas uvas ou tenha bastante intimidade com algumas delas. Estão nos supermercados, nas adegas, nas cartas dos restaurantes e invariavelmente aparecem na festa quando o convite sugere que “cada pessoa traga um vinho”. São uvas internacionais e ganharam mercado pela qualidade das bebidas produzidas em suas regiões de origem e também por terem se adaptado bem em terras brasileiras, chilenas, argentinas, norte-americanas, asiáticas, africanas – todos os territórios que, no universo do vinho, representam o que se chama de Novo Mundo.


Mas o mundo das uvas, o novo ou o velho (a Europa), é muito mais amplo do que a oferta corriqueira que encontramos por aí. Por que não explorá-lo melhor? “Os livros especializados citam mais de 24 mil nomes de castas catalogadas e as mais conhecidas não passam de 200. Já temos em torno de 45 mil rótulos disponíveis no Brasil. Portanto, é hora de se aventurar. A curiosidade é a melhor aliada de quem entra no mundo dos vinhos”, diz a sommelière Eliana Araújo, autora do recém-lançado e-book Minha Primeira Adega.

Para quem já tentou um corte de cabelo radicalmente novo, teve coragem de pular de bungee jump ou pediu um prato no restaurante sem saber o que era, só porque achou o nome bonito, provar vinhos de uvas pouco comuns ou mesmo raras é algo que se faz brincando e pode encher a vida de prazer. O risco maior é o de não gostar e passar para a próxima. Ou de precisar fazer malabarismos econômicos, já que algumas das uvas raras ou estilos mais complexos de vinho não primam pela camaradagem no custo. Levar uma vida diferentona tem seu preço.

Além de ampliar horizontes sensoriais, buscar o diferente pode ser uma forma de encontrar o seu jeitão no mundo dos vinhos e em outros departamentos da vida. A sommelière Gabriela Bigarelli sugere calma e atenção ao provar um vinho e acredita que exista um quê de autoconhecimento na jornada: “A busca pelos aromas e sabores pode ser um breve caminho para estarmos mais no estado presente. A concentração faz com que tenhamos mais prazer ao realizar a prova de um vinho”.

A seguir, Eliana, Gabriela e a reportagem de ELLE indicam uvas pouco conhecidas do Velho Mundo, que continuam a gerar bons vinhos em suas regiões autóctones ou brilham em terras distantes.

Sete uvas para desvendar

Bobal (tinto)

A Bobal, natural da Espanha, durante muito tempo foi usada em vinhos de corte para acrescentar acidez ao blend. De uns tempos para cá, faz sucesso em carreira-solo, gerando vinhos densos e ricos em taninos, especiais para acompanhar carnes opulentas e outros pratos untuosos como presunto cru ou queijos maduros. Gabriela Bigarelli cita a região de Manchuela como um dos melhores terroirs da Bobal. Alguns produtores do pedaço, como o primeiro que indicamos abaixo, têm feito experiências ancestrais com a Bobal, amadurecendo o vinho em vasos de barro, o que traz um toque de menta à bebida. Os rosés de Bobal, bastante frutados, também não devem escapar do seu radar.

Rótulos: Got Bobal 2018 (Winerie), Pasión de Bobal (Vind’ame), Tinaja Bobal 2018 (Winerie), Cerro Bercial Rosé D.O. Utiel-Requena – Sierra Norte (Vind’ame).

Cinsault (tinto)
A Cinsault é outra uva que ganhou autonomia em rótulos monovarietais. Original de Languedoc-Roussillon, ela entra na composição de blends de outras denominações famosas da França como Côte du Rhône, Chateauneuf-du-Pape e Cassis. Tornou-se destaque da vinicultura do Chile, sobretudo no Valle del Itata, onde foram encontradas vinhas de Cinsault com mais de 100 anos. Para conhecê-la melhor, Gabriela sugere que se acompanhe o trabalho da Vinícola de Martino. Os vinhos de Cinsault têm uma cor vermelha atraente, são delicados, muito saborosos, com bastante presença de frutas vermelhas frescas, taninos leves. Do tipo que se bebe brincando.

Rótulos: De Martino Gallardia Tinto (Decanter), Ventisquero Queulat Gran Reserva Cinsault 2017 (Cantu), Rosé Premier Rendez-Vous Cinsault 2018 (DiVinho).

Corvina (tinto)
Esta uva sempre fez parte dos cortes da região italiana de Valpolicella, nas colinas do Vêneto. É outra que ganhou autonomia e tem brilhado em monovarietais. “São vinhos bem ricos, que proporcionam aromas de frutos silvestres negros, como amora e framboesa, cobertos com camadas de especiarias”, diz Eliana. A Corvina também aparece no blend do Amarone della Valpolicella, geralmente ao lado da uva Rondinella. Para elaborá-lo, as uvas ficam sob a ação do tempo durante quatro meses e desidratam. Algumas desenvolvem o que se chama de podridão nobre – um jeito chique de deterioração causado pelo fungo Botrytis cinerea. Isso dá ainda mais complexidade ao vinho. Apesar de feito com uvas passas, o Amarone é um vinho seco e muito intenso de aromas. O dulçor aparece sutilmente no paladar. São vinhos luxuosos e costumam ser longevos, podem ser guardados para ocasiões especiais. A chegada da vacina, por exemplo.

Rótulos: Tenuta Sant’Antonio Scaia I.G.T. Veneto Corvina 2015 (Wine), Jema Corvina Veronese IGT 2013 (Adega Mais) Campagnolla Amarone della Valpolicella Classico (Mistral), Poggi Corte dei Castaldi DOCGG Amarone della Valpolicella 2014 (Brindisi Vinhos).

Dornfelder (tinto)
Na linha pra lá de diferente, Eliana Araújo indica a uva tinta Dornfelder, para quem acha que na Alemanha só há vinhos brancos. A Dornfelder origina vinhos de cor intensa, muito aromáticos e frutados, com presença de cereja, amora e groselha. São bastante versáteis e enchem a boca. Quando jovens, podem ser bebidos nos dias mais quentes. Envelhecidos, acompanham queijos e maduros carnes de sabor forte, com destaque para a potência da culinária alemã. A Dornfelder é uma das uvas mais plantadas na Alemanha, que também produz ótimos Pinot Noir.

Rótulos: Pfaff Dornfelder 2017 (Weinkeller), Ernst Loosen Pfalz Edition Dornfelder 2018 (Wine), Anselmann Dornfelder Classic (Vinhos do Mundo).

Ribolla Gialla (branco)
Cultivada na região de Friulli, noroeste da Itália, e na vizinha Eslovênia (onde ganha o nome de Rebula), a Ribolla Gialla origina brancos com longevidade. Ácidos e muito aromáticos, trazem várias notas florais e frutadas ao nariz (maçã, pêssego, abacaxi). São deliciosos e perfeitos para quem gosta de bebidas secas, sem predominância do açúcar no paladar. “É uma das minhas uvas preferidas e também dá origem a alguns dos melhores vinhos laranjas produzidos no mundo”, diz Gabriela Bigarelli. Os laranjas são vinhos macerados com as cascas das uvas brancas, que dão a cor âmbar à bebida, e amadurecidos em ânforas de barro. Se você busca algo próximo à epifania, eles devem estar na sua lista de prioridades.
Rótulos: Conte D’Attimis-Maniago Ribola Gialla 2013 (Vinci), Vigna Lenuzza Trevenezie IGP Ribolla Gialla 2017 (Belle Cave).

Riesling (branco)
Seu nome até que é bastante conhecido, mas muita gente ainda o relaciona com o famoso e xaroposo vinho da garrafa azul, um convite ao enjoo e à dor de cabeça. Na verdade, os “azuis” são vinificados com um tanto de Riesling e outro tanto de castas menos nobres, para fazer a mistura render. Esqueça-os. Em suas melhores expressões, a Riesling origina vinhos finíssimos de diversos estilos, de secos a doces. A Alemanha e a vizinha região francesa da Alsácia são suas melhores produtoras, mas a uva se deu bem em solos do Chile, da Argentina, dos Estados Unidos, do Canadá e até da quente Austrália. Quando cultivada em terroirs frios, a Riesling revela a acidez vibrante (mesmo nos exemplares doces), a mineralidade e a delicadeza de aromas que a caracterizam. Uma elegância que só vendo. Oferecê-lo ou presenteá-lo está muito longe de ser um vexame igual ao de aparecer com uma garrafa azul. Ao contrário, pega muito bem. Se não quiser dulçor, lembre-se de procurar no rótulo a palavra “trocken”, que significa “seco”.

Rótulos: Riesling Baron K Kabinett, 2013 (Vind’ame), Ruppertsberger Riesling Trocken Bürklin-Wolf 2017 (Vind’ame), Two Vines Riesling 2012 (Winerie), Leyda Single Vineyard Riesling Neblina 2014 (Grand Cru).

Savagnin (branco)
Também conhecida como Savagnin Blanc, é outra uva ideal para quem gosta de vinhos secos e refrescantes, com boa acidez. Ela é encontrada na Suíça e na Áustria, mas a região francesa de Jura fez sua fama. Além dos brancos frescos, a Savagnin origina o Vin Jaune (vinho amarelo), que passa por um processo de envelhecimento de pelo menos seis anos em barricas, sob uma película de levedura que o protege da oxidação. Um pouco parecido com o Jerez espanhol (que muita gente acha esquisitão), o Jaune tem toques de frutas secas, mel e nozes no paladar. Isso não significa que seja doce. Nessa categoria, a Savagnin também origina o Vin de Paille, bebida adocicada feita com uvas passas, também das castas Chardonnay e a tinta Poulsard.

Rótulos: Domaine de La Pinte Sav’or 2017 (Vinhomix), Domaine Rolet Arbois Blanc Nature Savagnin Ouille 2016 (Decanter), Domaines Henri Maire Vin Jaune A.O.C. Arbois Blanc 2009 (Wine).

2 tipos para ficar de olho

Vinhos Verdes
As importações de vinhos portugueses têm crescido bastante no Brasil e a hora é boa para explorar suas castas autóctones de nomes divertidos. “De norte a sul, Portugal tem mais de 280 uvas nativas”, informa Eliana Araújo. Ao norte do país, a região dos Vinhos Verdes traz variedades brancas muito leves, ácidas, minerais, com frescor de frutas cítricas e aromas herbais. Loureiro, Alvarinho, Arinto e Avesso são algumas das estrelas da região, que aparecem em rótulos monovarietais ou blends. A Alvarinho (na Espanha, Albariño) deu-se bem na região da Campanha Gaúcha (extremo sul do Brasil) e no Uruguai, rendendo rótulos que valem a prova. As uvas da região dos Vinhos Verdes têm tudo a ver com nosso clima: praia, piscina, tarde de preguiça na varanda e fazem bonito harmonizadas com queijos frescos ácidos (com os de cabra, são um sucesso), sushi, bacalhau, peixes de carne branca fritos ou assados. Em se tratando de Portugal, porém, não se atenha a uma só região: explore tudo o que o país tem a oferecer de bom e diferente.

Rótulos: Aphros Ten Loureiro 2018 (Vino Mundi), Anselmo Mendes Contacto Alvarinho 2018 (Decanter), Covela Arinto Edição Nacional 2017 (Santa Luzia), Covela Avesso Edição Nacional 2017 (Hiper Adega), Portal da Calçada Cuvée Prestige Brut, espumante elaborado com as uvas Arinto e Loureiro (World Wine).

Jerez
Jerez é uma coisa linda, louca, exuberante, esquisitona. Quem prova pela primeira vez pode ter duas reações básicas. A primeira é a de achar que tem gosto de remédio, nunca mais querer chegar perto. A segunda hipótese é a paixão fulminante. Os vinhos fortificados da região de Jerez, na Espanha, são produzidos com a uva branca Palomino e seus estilos mais básicos, Fino e Manzanilla, são secos, muito secos. Por causa do processo complicado de envelhecimento, que mistura vinhos jovens com outros que estão há anos nas barricas, eles têm notas oxidadas, meio “estragadinhas”, e também trazem algo salino e de amêndoas no paladar. Companheiros perfeitos para as comidas do mar. Outros estilos mais complexos e aromáticos são Oloroso, Amontillado e Palo Cortado, excelentes para o preparo de coquetéis. Por fim, há as categorias doces dos Cream e do Pedro Ximénez, feito com a uva de mesmo nome.

Rótulos: Marqués del Real Tesoro Fino (Wine Brasil), Sánchez Romate Jerez Fino Perdido (Belle Cave), Classic Dry Manzanilla Fernando de Castilla (Casa Flora), Jerez Oloroso Río Viejo (Vinci).

…e uma listinha bônus

Outras uvas brancas

Inzolia (Itália) traz aromas de amêndoa, ervas e frutas tropicais – Palmento Inzolia DOC (Imigrantes Bebidas).

Catarratto (Itália) gera vinhos com notas cítricas e sutil toque de maçã verde no final – Eres Bouché Catarratto Terre Siciliane IGP 2018 (Sonoma).

Roussanne (França) foi bem introduzida no Chile, produzindo vinhos límpidos e com notas de frutas frescas – Valdivieso Éclat Roussanne 2016 (Ravin).

Maria Gomes ou Fernão Pires (Portugal) é leve, fresca e aromática – Luis Pato Maria Gomes 2018 (DiVinho).

Macabeo (Espanha) gera vinhos muito frescos e florais, facílimos de beber – Algairen Macabeo 2019 (Grand Cru).

Outras uvas tintas

Cesanese Comune (Itália) traz notas de frutos vermelhos maduros, de pimenta e um sutil toque floral – Principe Pallavicino Rubino 2015 (Decanter).

Mencía (Espanha) é conhecida como Jaen em Portugal e costuma gerar vinhos jovens, frescos, frutados e fáceis de gostar – Petit Pittacum Mencía 2016 (DiVinho).

Kékfrankos (Hungria) produz tintos de médio corpo, com frutos vermelhos maduros, taninos firmes e sedosos – Teleki Villányi Kékfrankos (Empório Húngaro).

Prieto Picudo (Espanha) gera vinhos muito frutados, redondos, saborosos e com boa acidez – Veja Carriegos Pietro Picudo 2015 (Cave di Baco).

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