Você me vê como eu me vejo?
No dia 27 de fevereiro é comemorado o Dia do Idoso. Mas quem quer essa homenagem em um país onde ser velho é praticamente um xingamento?
Em Wajima, uma cidade no Japão, os idosos podem circular gratuitamente pelas ruas em carrinhos de golfe eletrônicos. Segundo um jornal local, além de ajudar na mobilidade dos mais velhos, isso ainda evita acidentes de trânsito e atropelamentos. E tem mais: há um motorista à disposição em cada carrinho, que faz até 3 quilômetros de percurso.
Já em Iruma, cidade próxima a Tóquio, o Alzheimer atinge parte da população idosa. Para evitar que os mais velhos se percam e não tenham como voltar para casa, sabe o que o governo de lá fez? Criou um QR Code que é grudado na unha dos mais velhos com todas as informações necessárias para que, caso eles se percam, alguém possa ajudá-los a chegar em casa de novo.
Os exemplos de respeito e admiração pelos mais velhos seguem. Ainda no Japão, o aniversário de uma pessoa idosa é festejado de forma solene. Por exemplo, ao completar 60 anos, um homem ganha o direito de usar um blazer vermelho, a cor dos deuses. Ah, e por lá, não existe o costume de se perguntar a idade de uma mulher jovem, mas ao se perguntar a idade de uma idosa, ela responderá com orgulho ter mais de 70 anos.
Na China, em 2010, foi criada a Lei do Direito dos Idosos que obriga os filhos a visitarem os pais com frequência, independentemente da distância de onde morem. Esse foi o jeito encontrado para evitar casos de abandono e isolamento de pais idosos. Ao mesmo tempo, é comum encontrar os avós criando os netos, enquanto os pais vão ganhar dinheiro nas grandes cidades.
Japão, Coreia e China são países com população, em sua maioria, confucionista, ou seja, que segue os ensinamentos do filósofo chinês Confúcio. Ele enfatizou, sobretudo, a cultura do idoso, colocando-o no topo das prioridades familiares e sociais. Nos países orientais, devido à educação milenar em que dignidade e respeito são dois valores muito cultuados, a tradição é cuidar bem e reverenciar as pessoas mais velhas e, quando há decisões importantes a serem tomadas, é muito comum que os anciões da família sejam consultados. Mas nem só quem vive sob os preceitos de Confúcio respeita os mais velhos. Para a maioria das tribos indígenas, o idoso também é prioridade. Afinal, são eles que carregam a memória de suas crenças, tradições e valores, preservando a história de seus povos através de seus relatos.
Na tradição judaica, quando uma pessoa mais velha fica viúva, os filhos e o idoso, juntos, decidem como será o futuro: morar com um dos filhos, morar sozinho ou se um dos filhos é que vai morar com ele. Uma decisão tomada em conjunto, baseada no amor e, principalmente, no respeito ao idoso que tem o direito de expor sua opinião. A relação dos netos com os avós também é muito próxima e, normalmente, o Shabat, dia sagrado na religião judaica, se passa na casa de uns dos avós, onde são transmitidas as tradições do judaísmo para as crianças.
As avós havaianas são reverenciadas por seu conhecimento único e habilidade em criar colares ornamentados e acessórios de penas. O povo Huaorani, do Equador, acredita que os xamãs idosos, chamados de “mengatoi”, são dotados de poderes mágicos – e são eles que, no papel de curandeiros, se sentam com os doentes para encontrar uma cura para a enfermidade. Na Índia e no Nepal, a tradição tem sido o casal recém-casado morar com a família do noivo, mas como esses países estão se urbanizando (e os filhos estão se mudando para bem distante de seus pais), tanto o governo indiano quanto o nepalês estão desenvolvendo programas estatais de cuidados a idosos.
Mas, além das ações, a maneira com que nos referimos aos mais velhos também falam muito sobre um povo. A palavra “mzee” em Kiswahili – falado em muitas partes da África – é um termo usado pelos mais jovens para comunicar um alto nível de respeito em relação aos mais velhos. Em havaiano, “kupuna” significa “anciãos”, com a conotação adicional de conhecimento e experiência especiais. E o sufixo “-san” (que já vimos muito em filmes que retratam a cultura japonesa de alguma forma) revela profunda veneração em relação ao mais velho.
No Brasil, infelizmente, a coisa é diferente. Muito diferente. Não deveria, mas para a maioria de nós ser velho é praticamente um xingamento. É verdade que somos um povo solidário, feliz e acolhedor. Mas, por outro lado, também é verdade que somos extremamente preconceituosos. E não apenas no sentido de ter um “pré” conceito formado sobre algo que não conhecemos. Somos preconceituosos de um jeito muito pior, o estrutural. Ou seja, desde pequenininhos vamos aprendendo o que é feio ou errado de acordo com a crença ou ignorância de gerações anteriores e, assim, também vamos passando para as próximas gerações o que é feio ou errado sem nos questionarmos a respeito. A coisa é tão séria que, para se ter uma ideia, segundo uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), 60% das pessoas em 57 países têm opiniões negativas sobre a velhice. E isso se dá, principalmente, por causa daquele tal de “preconceito estrutural” que falamos acima.
Mas, afinal, como mudar isso? Bom, mesmo que o caminho seja longo (e é), não podemos esquecer que ele começa sempre da mesma maneira: com o primeiro passo. Pensando nisso, no dia 27 de fevereiro, Dia do Idoso, será lançada uma nova etapa da ação ‘Você Me Vê Como Eu Me Vejo?”, idealizada por Marcos Guimarães, designer ativista e fundador do Instituto Envolver Mover Transformar (IEMT), responsável pelo Movimento Em Desconstrução. Segundo o próprio Marcos “embora etarismo possa se referir ao preconceito contra qualquer grupo etário, a discriminação por idade está principalmente associada às pessoas mais velhas, à terceira idade, rotuladas como lentas, fracas, dependentes e senis. O problema afeta principalmente as mulheres, pois o etarismo vem atravessado pela pressão estética e o machismo”.
Para comemorar a data, será feita uma exposição de fotos no Metrô de SP com grupo plural de mulheres como Madonna, Luiza Trajano, Ana Paula Padrão, Nany People, Claudia Matarazzo, Regina Volpato, Maria Cândida, Babi Xavier, Renata Falzoni, Cris Guerra, Cristiana Oliveira e Cláudia Alencar. Todas formadoras de opinião, de diferentes profissões, origens e amplo alcance e que, ao se engajarem nesse movimento, têm em comum um objetivo: promover a discussão e a desconstrução do etarismo.
É verdade que ainda há muito a ser feito, como previdência decente, serviço de saúde de qualidade, oportunidades de emprego, de empreendedorismo, de educação e de entretenimento para os mais velhos, além de uma urgente e profunda mudança de estereótipos em relação à terceira idade. E, apesar disso não ser tão simples, já é um primeiro passo.
E, quem sabe assim, daqui a algumas décadas, movimentos como esse, do SHEt e tantos outros que lutam por um envelhecer digno e sem preconceitos sejam coisa do passado e o Brasil, realmente, possa se transformar no país do futuro… também para a terceira idade.
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