Microgreens tornam possível o sonho da horta caseira

Quer garantir uma salada fresca na mesa até sob lockdown? Conheça esses verdinhos que vão da terra ao prato em poucos dias – e não fazem questão de espaço, de sol e nem de talento para jardinagem.


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Foto: Patricia Oyama



Fato da vida: não dá para estocar alface. Você pode lotar o freezer de carnes, brócolis e ervilha congelada; abastecer a despensa com macarrão, grãos secos e comida enlatada. Mas para garantir um verdinho fresco na mesa não tem conversa: é preciso enfrentar semanalmente a operação de guerra que virou a ida ao mercado ou pagar taxa de delivery. Quer uma terceira via? Considere plantar sua própria salada em uma horta caseira.

Microgreens, ou microverdes, são plantas comestíveis ainda na fase inicial do desenvolvimento – mais crescidas do que brotos germinados, mas menores do que as chamadas baby leaves. Se você nunca conseguiu fazer aquele vasinho de ervas ir para frente, não perca as esperanças. Uma microplantação pode ser a salvação da lavoura.

O grande facilitador no cultivo dos microgreens é o fato deles não precisarem receber luz solar diretamente – necessidade que costuma ser o calcanhar de Aquiles de muitas hortas urbanas. Na verdade, os microverdes nem podem ser expostos ao sol. Perto da janela de um apartamento, com luminosidade indireta, já ficam felizes da vida.

Como são colhidos muito jovens, cabem em qualquer espaço. Sementeiras vendidas em lojas de jardinagem são ótimas. A jardineira onde vivia o falecido manjericão também serve. Até aquelas bandejas de plástico, usadas em embalagens de bolo, dão conta do recado. O importante é que o recipiente tenha furinhos na base, para que a água possa ser drenada, e comporte uma camada de substrato (como fibra de coco ou terra com húmus) de pelo menos um dedo de espessura. Mantendo o substrato sempre úmido, sem encharcar, até quem tem zero intimidade no trato com as plantas pode ter o gostinho de comer uma salada cultivada em casa.

“Rúcula e rabanete são as opções mais fáceis para quem quer começar”, indica Diana Werner, presidente da Isla, empresa que comercializa diversos tipos de sementes. Com dois dias, as folhinhas começam a aparecer, diz ela. “Em seis dias, já dá para comer.” Diana explica que as sementes de microverdes são iguais às das hortaliças convencionais. A diferença está na técnica de plantio e no momento da colheita: verduras, como rúcula, viram salada com talos de 4 cm de altura e folhas bem miudinhas; no caso de vegetais como rabanete e beterraba, não dá tempo de a raiz se desenvolver, são as folhas que vão para o prato. Qualquer hortaliça, portanto, tem sua fase de microverde, mas é preciso lembrar que nem todas são comestíveis nessa etapa. Não dá para cultivar microgreen de tomate, por exemplo, porque as folhas não são próprias para o consumo, explica Diana.

image 2Fotos Patricia Oyama

Apesar de não existirem dados conclusivos, há indícios de que as plantinhas possam apresentar uma concentração maior de nutrientes do que os vegetais adultos. A nutricionista Fernanda Mello, especializada em nutrição integrativa, cita um estudo realizado nos Estados Unidos pela Universidade de Maryland, com 25 tipos de microverdes (entre eles, repolho roxo, rabanete, coentro e amaranto). Os pesquisadores verificaram que quase todos os avaliados apresentavam concentrações de nutrientes de quatro a seis vezes maiores do que as encontradas em folhas das plantas adultas. “Nenhum alimento isolado é capaz de garantir uma alimentação saudável, mas certamente os microgreens são uma excelente fonte de vitaminas e mineirais”, diz a nutricionista. Além das saladas, Fernanda sugere incluir esses ingredientes em sanduíches, sucos e salpicados sobre sopas e torradas.

Em restaurantes, os microverdes fazem sucesso há tempos na finalização de pratos. “Eles têm um sabor mais herbal do que as folhas adultas, um gosto muito fresco”, descreve Natalia Luglio, chef-consultora do restaurante Cajuí, de cozinha vegana, em São Paulo. Couve-rábano, beterraba, ervilha, coentro e brócolis são alguns dos tipos favoritos de Natália, que também indica microgreen de alho-poró para finalizar pratos que levam alho. Seja qual for a combinação, o conselho da chef é servir os microverdes sempre crus. “Se você refogar ou grelhar, eles somem”, avisa. Outro fato da vida: microverdes rendem pouco. Prepare-se para manter a semeadura constante.

DIÁRIO DA MICROPLANTAÇÃO

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Não há um dia igual ao outro na rotina do microagricultor urbano. Para esta reportagem, a editora Patricia Oyama registrou o crescimento de microgreens de rabanete por quase duas semanas. Acompanhe:

Dia 1
Um vasinho retangular, que há muito tempo abrigou um bonsai, foi o local escolhido para a microplantação. Uma camada de terra com húmus resolveria a questão, mas essas sementes vão ter tratamento VIP: pedrinhas no fundo, uma camada de areia e uma camada de terra com húmus (a preparação caprichada não é mérito meu, confesso, teve uma mãozinha do Neds, cônjuge jardineiro). Espalhei as sementes e cobri com uma camadinha bem fina de terra. Borrifei água.

Dia 2
A terra já está meio diferente. Deveria ter peneirado, tem uns pedacinhos de madeira meio grandes. Espero que não estejam dificultando a vida das sementinhas.

Dia 3
Gente, brotou! É rápido mesmo!

Dia 4
Folhinhas verdes começam a aparecer. Do período da manhã para o meio da tarde, deu para ver a maior diferença. Que belezinhas!

Dia 5
Algumas sementes ainda estão germinando, mas já vejo muitos brotos em pé, bem verdinhos. Neds acha que eu deveria dar água com um regador, em vez de usar o borrifador. Imagine, meus bebês ainda são muito novinhos pra regador.

Dia 6
Nossa, esses microgreens bebem mais que carro velho! Olho pro lado e a terra já está seca. Estou borrifando água umas três vezes por dia.

Dia 7
Tomei um susto. As sementes de beterraba que o Neds jogou displicentemente em um vaso abandonado não só germinaram, como os brotos estão três vezes mais altos que meus rabanetes! E rabanete deveria crescer MAIS RÁPIDO que beterraba. Desaforo. Vou aumentar a rega.

Dia 8
Eles estavam indo tão rápido, parece que deram uma emperrada. Será que tem muito sol aqui? Por via das dúvidas, troquei o vaso de lugar nas horas mais quentes.

Dia 9
Hummm, os meninos espicharam de ontem pra hoje! Tomem, beterrabas!

Dia 10
Pelas instruções do pacotinho de sementes, já deveria dar pra colher os microgreens hoje. Mas acho que ainda estão pequenos, os maiorzinhos devem ter uns 4 cm. A altura ideal é de 6 a 10 cm, diz a embalagem.

Dia 11
Eita. Os meninos cresceram tanto que estão saindo do campo de visão da câmera. Vou ter que abrir o ângulo. Deveria ter feito fotos mais abertas desde o início. Será que já faço a colheita? Ah, não custa nada esperar mais um pouquinho.

Dia 12
Colho ou não colho? Na verdade, corto ou não corto? O melhor jeito de colher os microgreens é cortar os talinhos com a tesoura, bem rente à raiz. E eles não crescem de novo, é preciso fazer outra semeadura. Acho que vou esperar mais um dia.

Dia 13
Bom, agora é hora. Já tem até alguns tombando para o lado, não dá mais para adiar. Hoje tem salada fresquinha na mesa!

Epílogo
A plantação no vaso de 10 cm por 15 cm rendeu uma porção de salada modesta, mas muito saborosa. As folhinhas de rabanete têm um gostinho picante como a raiz e uma textura delicada. Da próxima vez, vou plantar as sementes mais próximas umas das outras, para ficar uma plantação bem cheinha. No mesmo dia em que fiz a semeadura no vaso de bonsai, fiz um outro canteiro com sementes de rabanete, rúcula e beterraba, que demoraram muito mais pra germinar. Percebi depois que estavam pegando sol direto e secava a terra muito rapidamente. Só foram para frente quando mudaram para um lugar mais sombreado. Impressionante como isso tudo influencia no desenvolvimento das plantinhas. No final, cada uma a seu tempo, todas chegaram lá.

Salada de microgreens e cenoura, em prato de madeira

A salada de microgreens de rabanete, com participação especial de uma cenourinha ralada e dos microverdes de beterraba.Foto Patricia Oyama.

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