Além do tradicional: 3 marcas de acessórios que mostram a pluralidade criativa do Nordeste

O artesanato é parte fundamental do fazer artístico e da economia nordestina. Mas o poder criativo da região não se restringe aos estereótipos. Conheça Formmis, Vita e Azulerde, três marcas de acessórios que exemplificam essa pluralidade.


marcas de acessorios nordestinas para alem do tradicional
Conheça a Formmis (foto acima), Azulerde e Vita. Foto: Ramves.



Da decoração cerâmica à cestaria, passando pela confecção de acessórios, como chapéus, bolsas e bijuterias, o artesanato é uma das principais riquezas do Nordeste. “Essas manualidades falam de heranças e tradições. Geralmente, são habilidades passadas dos pais para os filhos e perpetuadas nesse ambiente familiar”, declara Karla Batista, designer e fundadora da marca pernambucana Azulerde. Junte à equação o uso de matérias-primas regionais, como a palha, a juta e o bambu, e não é difícil de entender o patrimônio cultural desses ofícios. 

Por outro lado, tão importante quanto reconhecer esse legado é entender que ele não é a única capacidade criativa da região. “Quando olham para Recife, ou para o Nordeste inteiro, as pessoas têm uma visão homogênea sobre a moda produzida aqui. Mas existe uma camada de profissionais que movimentam a indústria para outras tipos de construções”, salienta Efraim Tavares, nome por trás da Formmis, etiqueta de acessórios de Pernambuco. 

Tal pluralidade, aliás, é uma qualidade intrínseca ao Nordeste – afinal, ele é formado por nove estados com histórias e costumes particulares. “Pernambuco já é enorme. São milhares as referências disponíveis por aqui”, continua Efraim. Imagine, então, essa diversidade multiplicada pela quantidade total. 

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“Realmente nunca pensei em imprimir nada que fosse caricato ao Nordeste nas joias da Vita”, diz Djara, a fundadora da marca cearense focada em prataria. “Porque eu acho que não é necessário. Tenho muito orgulho do lugar onde nasci. Toda minha bagagem é daqui, minha produção é inteira local. E eu não preciso fazer o tradicional para que eu seja qualificada como uma marca nordestina”, finaliza Djara. 

Abaixo, detalhamos como a Azulerde, a Formmis e a Vita, as marcas de acessórios contemporâneas aqui citadas, estão ressignificando o “feito no Nordeste”. Conheça: 

Azulerde

Marcas de acessórios do Nordeste para além do tradicional: Azulerde

Azulerde é uma das marcas de acessórios do Nordeste que você precisa conhecer. Foto: Flora Negri.

Fazer moda não era –  segue não sendo – o propósito de Karla Batista com a Azulerde, que combina técnicas digitais, como a impressão 3D e o corte a laser, com habilidades manuais. Seu objetivo é criar soluções sustentáveis. 

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Nascida em Igarassu, próximo a Recife, e formada em Botânica, faculdade na qual ingressou com apenas 16 anos de idade, Karla se encontrou desestimulada com o universo acadêmico no fim de seu curso, quando buscou uma alternativa profissional. Com experiências anteriores em design experimental e vetorização, decidiu criar um projeto no qual reaproveitaria o lixo industrial para a criação de acessórios. “Batia nas portas das empresas em busca de resíduos de acrílico, mas era uma dificuldade. Na minha cabeça seria um processo fácil e até bem-vindo: eles tinham um lixo que não sabiam como descartar e eu apareceria ali oferecendo comprá-lo”, relembra. “Mas o upcycling era muito novo, principalmente aqui. Ninguém entendia o meu objetivo”. 

Marcas de acessórios do Nordeste para além do tradicional: Azulerde, de Karla Batista

Karla Batista, fundadora da Azulerde, veste suas criações.

Depois de meses de insistência, horas e horas de chá de cadeira e explicações mil, encontrou seus fornecedores e passou a desenvolver brincos, colares, broches e anéis coloridos com matéria-prima reaproveitada e, repare bem, desenhos inspirados na flora brasileira – um resquício de sua formação. No primeiro ano de atividade, em 2017, vieram os pedidos de atacado e sua entrada em lojas colaborativas. “Aconteceu muito rápido. Só no Rio de Janeiro, eu estava em quatro pontos”, conta Karla. 

Parte do sucesso imediato é explicado pelo acabamento de suas peças, que não parecem ser de reaproveitamento. “Não imaginam que os acessórios eram lixo. O resultado final do meu processo fica bem ‘estético’, como dizem os jovens. É um produto que parece completamente novo, né?”, diz, brincando. Hoje, além do acrílico, utiliza resíduos de madeiras nobres, laminados, ácido polilático e sacolas plásticas. 

“Isso até dificulta o entendimento da minha precificação, que coloca na conta todos os tratamentos necessários”, diz sobre os valores que passeiam dos 50 aos 250 reais. “Existe essa dificuldade porque o consumidor final não se importa muito se é sustentável ou só bonito. E a moda tem toda essa questão da urgência, de seguir uma tendência”, pondera. Por esse motivo, optou recentemente por aumentar seu portfólio e entrar na categoria de decoração. “O design contemporâneo consegue alavancar o trabalho e abrir outras portas.”

Formmis

Marcas de acessórios do Nordeste para além do tradicional: Formmis

Formmis está entre as marcas de acessórios contemporâneas do Nordeste. Foto: Ravmes.

Correntes, pingentes de acrílico e piercings (sim, os de corpo!) dão forma aos brincos, colares, pulseiras, tornozeleiras e body chain prateados que formam o portfólio da Formmis. “Desmembro uma estrutura já existente e uso seus fragmentos para a construção de um acessório novo”, diz Efraim Tavares sobre a identidade da marca que fundou em 2020, durante a pandemia do covid-19. “Quis criar algo único a partir da matéria-prima que eu tinha acesso na minha região. Sou autodidata e da periferia. Não tinha acesso às grandes máquinas, equipamentos e ferramentas”, explica ele.

De fácil alcance, aço, níquel e prata permitiram que Efraim chegasse ao conceito de conectar essências divergentes – corações, ursinhos e outros elementos fofos com correntes de metal pesado –  a partir de elos utilitários, como o mosquetão. 

“Não quero entregar algo extremamente polido. Minha proposta é experimental, e trabalhar com diferentes materiais traz essa fluidez desejada ao meu processo criativo”, explica ele.

Por esse motivo, a cada coleção, Efraim introduz um elemento surpresa às correntes de metal. Em sua estreia, o recurso utilizado era a madeira, trocada posteriormente pelo crochê e hoje substituída pelo acrílico, aparente nas figuras lúdicas citadas acima. 

Marcas de acessórios do Nordeste para além do tradicional: Formmis

Foto: Ravmes

Para seu projeto seguinte, a ser lançado no segundo semestre deste ano, corações e ursinhos serão trocados por formas abstratas construídas a partir da técnica do vidro soprado.  “Aqui no centro de Recife, existem senhores que vendem cisnes e outros objetos decorativos. Cheguei em um deles, o senhor José, comuniquei que tinha uma marca e que queria muito aprender essa habilidade. Ele me passou o contato dele, onde morava e até hoje tenho aulas com ele”, revela. 

Recentemente, essa troca local virou um pilar da Formmis. “São trabalhos que, como o meu, acabam sendo expostos de forma mínima, tão pequena, socialmente. Então, para mim, é mais interessante colaborar com essas pessoas do que chegar com alguém só pelo hype, com uma marca famosa, que já tem uma grande equipe por trás”, confessa. “Porque eu não tenho uma grande equipe por trás. Eu sou a equipe inteira”, diz Efraim, que fomenta e executa cada design, faz os envios, mantém o site e cuida da parte financeira. “Me enriquece trabalhar com pessoas que têm uma construção parecida com a minha.”

Apesar disso, não descarta parcerias maiores que façam sentido. Exemplo recente é a coleção desenvolvida para o desfile de Leandro Benites na última Casa de Criadores. Afinal, não podemos esquecer, a base da sua narrativa é criar elos entre estruturas divergentes.

Vita

marcas de acessórios nordestinas para além do tradicional: Vita Jewelery

A cearense Vita traz o minimalismo às marcas de acessórios nordestinas e contemporâneas. Foto: Divulgação.

Assim como na Formmis, a pandemia do covid-19 impulsionou a criação da etiqueta de acessórios cearense Vita. “Sou formada em design de moda pela Faculdade Farias Brito, aqui de Fortaleza, e atuei por sete anos nos bastidores, com marketing. No começo de 2020, planejava me mudar para São Paulo para fazer uma pós-graduação. Mas aí implementaram as medidas de isolamento social justamente no mês em que eu faria a viagem”, conta Djara Galvão, que já havia saído do emprego, devolvido o apartamento e vendido o carro para fazer a mudança. 

De volta à casa dos pais, se jogou nas manualidades – como muitos de nós. “Lembra da fase em que todos faziam pão caseiro? Eu pintei vasos e comecei a fazer bijuterias. Com o tempo, me joguei nesse universo: comprei livros sobre joalheria contemporânea, fiz cursos online e por aí vai”, relembra ela. Com o afrouxamento das restrições sociais, contratou um professor particular de ourivesaria e nunca mais abandonou o campo. 

Se apaixonou especialmente pela permanência da prataria. “A prata é vitalícia, e daí veio o nome Vita, de uma abreviação dessa qualidade. Faço as joias para que elas sejam passadas de geração em geração e durem para sempre”, diz Djara sobre a característica inerente à matéria-prima, mas também ao seu design minimalista, que pode percorrer décadas sem cair de moda.  

Marcas de acessórios do Nordeste para além do tradicional: Azulerde, de Djara Galvão

Joia de mão da Vita. Foto: Divulgação.

“As peças são baseadas em coisas que eu e minhas amigas gostaríamos de usar”, comenta sobre os colares com fios metálicos que se fazem de pingente, os brincos com formatos orgânicos e os braceletes estreitos e maciços. “Tenho uma peça, por exemplo, que se chama nuvem, porque ela é baseada no fato de que nós nunca vemos uma nuvem idêntica à outra. E, na joalheria artesanal, cada peça é diferente uma da outra”, comenta. “No fim, por mais que sejam parecidas, cada pessoa carrega uma peça única e exclusiva. Ainda não cheguei à perfeição da máquina”, compara, com bom-humor.

Exemplo máximo disso são as alianças de noivado, lançadas há pouco tempo. “Elas têm gravações de datas e palavras importantes para o casal. É um acessório com propósito, que simboliza o amor de duas pessoas”, diz sobre a nova empreitada que, além da prata, é composta também por pedras preciosas.

As pedras naturais, aliás, se juntaram recentemente às matérias-primas usadas por Djara na Vita. “Compro de um lapidador de Recife e trago diferentes opções para o meu portfólio. Cada cor, cada pedra, carrega um significado particular, e gosto disso”, finaliza Djara, ressaltando a importância de ter uma produção regional. “Sou autônoma e carrego a marca sozinha. Quero fortalecer quem está nesta jornada também”. 

Marcas de acessórios do Nordeste para além do tradicional: Azulerde, de Djara Galvão

Anéis com pedras naturais Vita. Junto à Formmis e Azulerde, as três marcas de acessórios quebram o esteriótipo da produção nordestina. Foto: Divulgação

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