A história das botas Tabi, do Japão a Maison Margiela
Conheça a trajetória de um dos calçados mais controversos e desejados de todos os tempos.
No desfile de estreia da Maison Martin Margiela, em Paris, em 1988, os olhares não eram só para as roupas. Sobre a passarela branca, armada no Café de la Gare, famoso teatro marginal da cidade, se viam pegadas vermelhas, como se as modelos tivessem pisado em uma poça de sangue. Mas não era só isso. O desenho que deixavam no chão também chama a atenção. Não era uma forma de calçado comum, era algo parecido como uma pegada de camelo, com uma divisão entre os dedos. Eram um das primeiras versões da famosa bota Tabi.
Desde o seu lançamento, a peça foi vista nos pés de celebridades mundo afora. Foi motivo de ódio e adoração por fãs e consumidores, até que se tornou um dos calçados mais cobiçados entre amantes de moda – do underground ao mainstream. Com o boom das redes sociais, nos anos 2010, ela saiu das revistas e invadiu os smartphones de milhares de pessoas, indo do Tumblr ao TikTok, onde tem ganhado cada vez mais espaço. No Instagram, páginas e mais páginas foram criadas em homenagem ao sapato atemporal.
Imagem do desfile de inverno 1989, de Martin Margiela. E um dos primeiros modelos da bota Tabi.Foto: Reprodução.
Modelos tabi de diferentes coleções de Martin Margiela.Foto: Divulgação
Seu design, contudo, não é original de Martin Margiela. Os modelos do estilista belga são, na verdade, inspirados num famoso sapato e meia japoneses, com um corte dividindo o dedão dos demais. Martin os viu pela primeira vez em uma viagem ao Japão, junto ao grupo de estilistas conhecidos como Antwerp Six (Ann Demeulemeester, Dries Van Noten, Dirk Bikkembergs, Dirk Van Saene, Marina Yee e Walter Van Beirendonck). E ficou tão encantado que decidiu fazer uma interpretação própria em homenagem ao modelo original.
Em 1983, alguns anos antes de lançar sua marca homônima, o estilista vendeu o que seria o seu primeiro par de sapatos tabi, feitos de couro, para a amiga Ann Demeulemeester, enquanto trabalhava na loja Cocodrillo, na Antuérpia. Desde então, o calçado ganhou várias versões, mas demorou um tantinho para alcançar o sucesso do qual desfruta atualmente.
No lançamento da grife, por exemplo, eram apenas Tabis femininas. Agora, já é possível encontrar modelos também para eles. Conforme se consolidaram como um dos produtos mais conhecidos da etiqueta, os dedos divididos passaram a fazer parte de botas de cano alto, sandálias, sapatilhas, sapatos e tênis, nas mais variadas cores, formas e materiais.
Um pouco de história
As tabi (do japonês, que contata o chão) existem desde o século 15, quando o país estava no período Edo. Mais do que um calçado em si, o nome faz referência ao desenho que separa os dedos dos pés em duas partes. Inicialmente, esse design estava nas meias de algodão da elite e eram um tipo de representação de status, feitas em apenas duas cores: roxo e dourado. Com o passar do tempo e dos avanços da industrialização, novos itens foram produzidos com aquela mesma forma: de meia, ele ganhou um solado mais resistente e passou a fazer parte da rotina dos trabalhadores.
Meia tabi.Foto: Getty Images
Modelo de calçado tabi com solada de borracha.Fotos: Getty Images
Segundo a comunidade digital ILYSM, no entanto, foi apenas no início do século 20 que o sucesso do tradicional modelo explodiu. Os irmãos e empresários Tokujirō e Shōjirō Ishibashi, sócios-fundadores da fabricante de pneus Bridgestone Corporation, desenvolveram meias de algodão que dividam os dedos dos pés em dois, feitas para serem usadas com sandálias de borracha. Logo depois, foi feita uma versão da mesma meia, mas com uma sola de borracha acoplada, um calçado apelidado de Jikatabi.
De lá pra cá, pode-se dizer que a forma da “pegada de camelo” já teve muitas representações e variações. O maratonista Shigeri Tanaka venceu a Maratona de Boston com um tênis Tabi Onitsuka, em 1951. Anos mais tarde, em 1996, a Nike lança o tênis-sandália Air Rift, com design de dedo dividido e alça elástica (mas supostamente inspirado nos corredores quenianos de longa distância).
Ainda, inspiradas por Margiela, outras marcas apresentaram um novo perfil às formas japonesas. Na coleção de prêt-à-porter de verão 2013, a Prada trouxe uma análise romântica do japonismo, inserindo meias de couro com os dedos separados. Para o inverno 2016 masculino, a Tom Browne também investiu numa ode ao Japão. Na coleção, foram apresentados kimonos e motivos folclóricos da nação do leste asiático, com botas Geta nos pés e meias tabi brancas.
No Brasil, a recém lançada P. Andrade, marca do casal Pedro Andrade e Paula Kim, reeditou a tradicional meia nipônica em couro de cacto certificado, livre de crueldade e produtos químicos.
Tênis Reebok feito em parceria com a Maison Margiela.Foto: Divulgação
Quando a Maison Martin Margiela foi incorporada à holding italiana OTB Group, em 2002, muita coisa mudou – inclusive o nome, agora só Maison Margiela. Renzo Rosso, presidente do conglomerado, queria expandir os negócios e tornar a grife mais famosa. A estratégia escolhida foi a de formalizar parcerias com marcas do streetwear e fast fashion, como a H&M.
Assumindo a direção criativa da etiqueta em 2014 e com contrato renovado sem data para expirar, John Galliano soube muito bem como fazer jus aos sonhos de Renzo, sobretudo nos trabalhos envolvendo a icônica Tabi. Além de incorporar o design em outros calçados, ele trabalhou junto a outras marcas para dar um novo tom ao calçado. A colaboração mais recente foi com a Reebok, empresa inglesa de itens esportivos. Juntos, reconstruíram a silhueta de um dos seus tênis mais icônicos, o Reebok Classic Leather, com o famoso desenho de dedos separados.
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