À La Garçonne abre 53ª edição da SPFW com foco na alfaiataria
E mais: as lições do passado e os desafios de renovação da semana de moda paulista.
A edição de número 53 da São Paulo Fashion Week começou na noite desta terça-feira, 31.05, no Museu de Arte Brasileira (MAB), na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), e não no Pavilhão da Bienal, locação fixada no imaginário de moda local como sede do evento, ou no das Culturas Brasileiras, como na estação passada. Como já contamos aqui, nesta temporada não há um QG oficial. As apresentações presenciais serão divididas entre o campus do Senac, no bairro da Lapa, e o Komplexo Tempo, espaço cultural e de eventos recém-inaugurado na Mooca. A mudança de endereço não é novidade na história da semana de moda, mas é simbólica para seu momento atual.
A escolha da À La Garçonne para abrir os cinco dias de desfiles é outra coincidência interessante. A marca do empresário Fábio Souza tem Alexandre Herchcovitch como diretor de criação, um dos estilistas mais conhecidos da moda brasileira, cuja trajetória e ascensão acompanha a da SPFW.
Diferentemente das últimas apresentações da grife, esta não foi marcada pelo streetwear responsável, quase todo a base de upcycling, pelo qual ficou conhecida. Reforçando ideias que já vínhamos acompanhando nos desfiles internacionais, a nova coleção chama atenção pelo foco na formalidade e na sofisticação.
Foto: @ze_takahashi
Não é que o streetwear morreu ou ficou no passado, pelo contrário. Quem acompanha o trabalho da dupla reconheceu alguns hits da À La Garçonne nas novas versões de jaquetas de couro pintadas à mão, bermudas de modelagem ampla, camisetas de aspecto vintage e camisas oversized estampadas. É só que Fábio e Alexandre viram no retorno às passarelas uma boa oportunidade para jogar luz num segmento no qual vêm investindo há tempos, mas ainda com pouca visibilidade.
E o timing foi certeiro. A alfaiataria é uma das principais tendências do momento, e esta coleção é repleta dela – e como há tempos não se via nos desfiles nacionais. Cortada em tecidos acetinados, justaposta a texturas felpudas ou rendadas (quase tudo reaproveitado de peças antigas ou estoque morto), ela serve de base para vestidos e conjuntos sofisticados, muitas vezes com elementos e acabamentos de lingerie – uma paixão antiga de Herchcovitch. A camisaria também tem posição de destaque, bem como os vestidos languidos enviesados, arrematados por luvas longas, o acessório-obsessão do momento.
Após o desfile, não foram poucos os comentários sobre a semelhança de algumas peças com clássicos da marca própria do estilista, a Herchcovitch;Alexandre, fundada em 1993 e comprada pelo grupo InBrands em 2013 (Alexandre se desligou da etiqueta em 2016). Pela manhã, em uma coletiva de imprensa informal por Zoom, Paulo Borges, criador da SPFW, também afirmou ver outras similaridades entre o presente e o passado. No caso, ele se referia a composição e formato atual do evento em relação aos primórdios da semana de moda, lá nos anos 1990.
Foto: @ze_takahashi
Naquela época, o que viria se tornar a fashion week ainda acontecia em galpões no bairro de Pinheiros ou em clubes noturnos no centro da cidade e na Barra Funda. Levou algum tempo para que o prédio projetado por Oscar Niemeyer para a Fundação Bienal se tornasse uma espécie sede da SPFW.
Mas se o foco principal é a moda, as coleções, as roupas, por que o local e centralização dos desfiles importa? Bom, primeiro porque estamos no Brasil, um país que historicamente nunca investiu de verdade numa das indústrias que mais emprega em território nacional. Segundo, porque imagem conta – e muito.
A centralização das apresentações em um mesmo endereço, com cenografia e identidade visual mostra um tipo de organização. A semana de moda de Nova York só começou a ganhar força e notoriedade depois que marcas e estilistas começaram a se apresentar dentro de uma estrutura e calendário comum e planejado. O mercado percebe, os consumidores também. A mensagem é mais direta, eficaz e consistente.
Foto: @ze_takahashi
O evento vira um selo de qualidade, estar no line-up é um sinal de reconhecimento, uma validação. Ao mesmo tempo, a fashion week vira uma marca em si só, uma empresa que começa a disputar marketeira e financeiramente com seus participantes. A relação de troca, de suporte se confunde com competição, nem sempre das mais justas.
Mas ninguém parecia se importar muito com isso até que a economia desanda e os investimentos despencam. Quando tudo precisa a ser colocado na ponta do lápis, algumas relações se revelam não tão equilibradas. Falta de apoio, retorno de mídia aquém do esperado e custos que não compensam pesam bastante quando é preciso cuidar da saúde financeira antes de qualquer coisa. Foi assim que algumas das maiores grifes nacionais abandonaram a SPFW.
Com a debandada e falta de interesse de nomes já consolidados no mercado, a necessidade por renovação do line-up virou questão de sobrevivência para além dos interesses comerciais ou de qualquer tipo que antes poderiam pautar a curadoria da semana de moda. Composto por marcas e estilistas independentes, com novas ideias, visões e formas de se fazer e vender moda, vislumbrou-se de longe uma imagem de um evento mais fresco, com maior potencial de inovação. Daí a semelhança com o que acontecia na década de 1990.
Na À La Garçonne, Alexandre Herchcovitch lembrou, de fato, o seu passado. Porém, o fez sob novo ponto de vista, novas perspectivas. A maneira como aquelas roupas são feitas e comercializadas não são as mesmas de décadas atrás. Resta saber se a plataforma onde elas foram apresentadas será capaz de entender as reais necessidades do mercado e de seus profissionais.
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