Balenciaga: um espanhol em Paris

Com o retorno da maison à alta-costura, entenda como a chegada de Cristóbal Balenciaga na França dos anos 1930 ajudou a construir o imaginário do mundo sobre a capital da moda.


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Quando Cristóbal Balenciaga decidiu se aposentar em 1968, a perspectiva de esvaziamento dos salões no número 10 da avenida George V, em Paris, era desconcertante. Depois de décadas vestindo as socialites e os aristocratas mais elegantes do mundo, o “maestro da moda”, como Christian Dior o chamava, deixava definitivamente a cena da alta-costura. Meio século mais tarde, na semana passada, essas salas serviram de palco para o aguardado retorno da maison à couture, agora sob o olhar e a tesoura de Demna Gvasaglia.

Sem música, o tom austero do desfile não foi, em essência, tão distante daquele primeiro, em 1937, quando Cristóbal Balenciaga debutou no mesmo endereço, um prédio de três andares de 1887, no coração do sofisticado 8º arrondissement parisiense. De fato, para além da evolução estética natural, as duas apresentações seriam reflexos de si mesmas, não fosse pelas cadeiras que, há oito décadas, ainda eram forradas.

Para o costureiro, Paris dificilmente representava novidades ou desafios. Desde que abriu seu primeiro ateliê na Espanha – seriam três no futuro –, em 1917, Balenciaga visitava a capital francesa duas vezes por ano, onde comprava moldes de grandes nomes, como Vionnet e Lanvin, para reproduzir e vender vestidos em sua terra natal.

O endereço que escolheu para trabalhar, comprado com a ajuda dos sócios, o empresário Wladzio d’Attainville e o designer Nicolas Bizcarrondo, também facilitou seu sucesso inicial. Rodeado de outros estabelecimentos de luxo e próximo aos lugares frequentados pela elite espanhola imigrante, como a Pont de l’Alma, ali era o local ideal para atrair as primeiras clientes.

Sal\u00e3o no primeio andar do ateli\u00ea de Balenciaga, em Paris, no ano de 1937

Panorâmica do salão fincado no primeiro andar do ateliê de Cristóbal Balenciaga em Paris, em clique de 1937Foto: Arquivo Balenciaga

Durante toda a vida, Balenciaga foi avesso às propagandas e aos anúncios. Seu talento e suas criações comunicavam o necessário para fazer dele uma lenda na cidade e um desejo nos guarda-roupas das mulheres mais refinadas. Uma equipe de vendedoras, responsáveis pela relação das clientes com o ateliê, reforçava o allure da casa. Em 1937, eram três: Florette, Marthe e Maria. A primeira continuou ao lado de Cristóbal durante as mais de três décadas em que a maison ficou aberta.

Ainda que próspero, Balenciaga não encontrou em Paris um espaço sem concorrência. Pouco depois de se estabelecer na avenida George V, ele viu um outro espanhol, Raphael López Cebrian, abrir seu ateliê no número 3 – anos depois, em 1956, o local seria assumindo por um dos aprendizes de Cristóbal, Hubert de Givenchy. Mais perto ainda do endereço havia o número 12, onde ficavam os salões do americano Mainbocher.

Entre as 40 casas de alta-costura que existiam em Paris no fim da década de 1930, a maioria delas era liderada por estrangeiros, como a italiana Elsa Schiaparelli, o irlandês Molyneux e o suíço Piguet. Dividindo a frente espanhola com Balenciaga e Cebrian estavam Ana de Pombo, nos ateliês Chanel e Paquin, e seu assistente, Antonio Cánovas del Castillo, que, posteriormente, assumiu a Lanvin. Ao comentar o destaque do costureiro em relação à concorrência, Igor Uria Zubizarreta, diretor de coleções no Museu Cristóbal Balenciaga, em Getaria, explica que “Balenciaga fazia a mesma silhueta que os outros, mas com detalhes que atestavam seu diferencial”.

A principal expressão desses detalhes estava nas combinações de cores, entre as quais o especialista ressalta “o branco e o preto, o preto e o rosa, e o branco e o vinho”. A mistura com o rosa atraiu atenção especial da imprensa e dos compradores, que costumavam adquirir modelos originais para vender reproduções licenciadas, e mais baratas, em outros países.

Em 1938, a prestigiada loja de departamentos inglesa Harrods comprou três modelos do espanhol, incluindo dois vestidos de festa. Ambos traziam elementos vitorianos, uma referência estética brevemente revivida nos anos 1930 e que remete ao “conhecimento de história da moda”, outro aspecto único que Zubizarreta aponta na obra de Balenciaga.

Croquis de Balenciaga para a loja inglesa Harrods

Vestidos de Cristóbal Balenciaga concebidos para a Harrods, em 1938Foto: Reprodução Harrods News

Seu principal atributo, entretanto, foi a preocupação com a construção e estrutura das peças, característica que não surgiu em Paris. “As peças anteriores a 1937 mostram a importância do corte para ele. Nos croquis dos anos 1930, o detalhe mais importante era o corte do vestido e a direção do tecido. Ele era um minimalista e prezava pelo menor número de costuras possíveis em cada peça”, explica o diretor da instituição.

Em termos modernos, pode-se dizer que Balenciaga era adepto do conforto. Distante das silhuetas mais firmes de Christian Dior, que viria a ser seu principal rival no período pós-Guerra, o espanhol costurava para facilitar o movimento – ideal herdado de suas grandes referências: Madeleine Vionnet, Louise Boulanger e Coco Chanel.

A escolha de materiais luxuosos também impressionava na obra do costureiro recém-chegado em Paris. Ainda em 1938, cetins, lamês, tules, veludos e rendas flertavam com uma sugestão de excentricidade artística e aristocrática que compradores e imprensa rapidamente associavam com suas origens espanholas. O visual final, porém, trazia à realidade o lado austero e discreto, tomado de tons neutros e negros, presentes ao longo de toda a sua produção.

Uma dualidade similar surge nos oitenta e quatro anos que separam a primeira coleção de Cristóbal Balenciaga e o retorno do ateliê à alta-costura. Se por um lado são momentos distintos, a essência da obra do costureiro espanhol é incansavelmente moderna e eterna. Cristóbal se aposentou em 1968, mas a Balenciaga, não. Muito menos os salões no número 10 da avenida George V.

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