Como foi o primeiro desfile masculino da Prada com codireção de Raf Simons

Das linhas às entrelinhas, tudo o que você precisa saber sobre a coleção apresentada pela dupla de estilistas na manhã deste domingo (17.01).


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Tem bomber de nylon reciclado com forro de jacquard, blazer e casaco de alfaiataria oversized e jaqueta de couro com shape arredondado, tratamento envernizado e algumas com tecidos felpudos. Tem também os tricôs superlagos com estampas 70’s e as camisas pólos coladas ao corpo. A alfaiataria, pela primeira vez, aparece com padronagem risca de giz. As cores variam entre as mais sóbrias, tons intensos com pegada retrô e os pastel. Nos acessórios, creepers, luvas com bolsinhos e algumas poucas mochilas. Provavelmente, são essas peças as mais desejadas do inverno 2021 masculino da Prada, mas a protagonista é um tanto mais improvável: o long john.

O macacão de tricô foi escolhido como peça-chave por Miuccia Prada e Raf Simons por uma série de motivos e ideias recorrentes no trabalho de ambos: infância, crescimento, puberdade, mudanças, intimidade, proteção, segurança, conforto, sensualidade e sexo. Não à toa, a peça lembra os pijamas usados por crianças, a roupa íntima do passado, alguns uniformes esportivos e até os bodysuits colados ao corpo de rockeiros. Contudo, a melhor maneira de olhar para esses body pieces, como a dupla chamou o item, é em relação às segundas-peles apresentadas no verão 2021, em setembro passado, marcando a estreia do estilista belga como co-diretor de criação.

Ainda que menos sofisticada ou com menos polimento estético, existem vários elementos de continuidade entre as duas coleções: os casacos com mangas arregaçadas, os logos destacados nas costas, a cartela de cores, as sobreposições, mas poucos são tão indicativos em termos de evolução.


Na temporada passada, a abordagem foi bastante técnica, matemática até. Muitos criticaram a apresentação pela falta de emoção e grandiosidade. Acontece que aquelas roupas começaram a ser pensadas em abril de 2020, pouco mais de um mês após os primeiros lockdowns e quarentenas. Ninguém sabia o que sentir tampouco como expressar esses sentimentos em roupas. Daí a sensação quase asséptica e laboratorial do desfile, com as blusas rente ao corpo mais parecendo elementos de proteção.

Agora é diferente. “A coleção é sobre as emoções do ser humano em relação ao que está acontecendo no mundo”, disse Raf, durante uma conversa com estudantes de todo o mundo, após a transmissão do desfile, na manhã deste domingo (17.01). “É sobre sensações, contrastes. Por isso, criamos esse espaço abstrato cheio de sentimentos”, completou Miuccia Prada.

De fato, a cenografia entrega muito sobre o que há por trás das roupas. Criada por Rem Koolhaas e sua AMO, era composta por salas com chão marmorizado e paredes felpudas (ou vice-versa) em tons de verde, azul, vermelho, rosa e roxo. Não parecia com nada, lembrava tudo. Um quarto, uma sala, um banheiro, uma buatchy. Ou o interior de nossas cabeças em uma viagem psicodélica ou durante boa parte de 2020.

A conexão mais óbvia é com a tatilidade. No ano em que fomos privados do contato físico, dá vontade de ficar horas deitado ou se esfregando naquelas superfícies peludas. Algumas das roupas produzem efeitos similares com suas tramas e materiais. Porém, há mais do que só a ausência ou desejo pelo toque. Tem os sentimentos malucos, antagônicos, contraditórios. E aí, de novo, o macacão entra em cena como metáfora perfeita.

A peça comunica uma certa infantilidade, permite liberdade de movimentos, é aconchegante. Até crescermos e precisarmos usar roupas de trabalho, como o terno, e tudo fica formal, sério, constrito. O mesmo vale para questões corporais e sexuais (embora a mensagem seja muito prejudicada pelo casting de modelos extremamente magros e jovens). O macacão, tipo um ceroula para o corpo inteiro, desenha seus contornos, o deixa exposto veladamente e carrega significados históricos sobre sexualidade. Mas novamente crescemos e nos cobrimos, escondemos nossos desejos, nossos sexos viram nossas vergonhas.

Num momento bem maravilhoso de edição, cenas curtas dos modelos dançando surgem como rompantes libertários. É aquela válvula de escape que poucos vêem: a dança maluca sozinho no quarto, o grito com a cara afundada no travesseiro, o surto com movimentos físicos jamais imaginados. Dá até para pensar numa retomada aos estados mais puros ou selvagens do ser, àquela inconsequência impúbere e até infantil (ideias, aliás, já trabalhadas por Miuccia e Raf em coleções passadas). Mas isso a gente discute depois…

O que vale observar aqui é como a abordagem considerada e calculista em termos de design, no verão 2021, abre espaço para emoções e sentimentos outros, vários até. Se não exatamente nas roupas, na maneira como são apresentadas (dentre os vídeos que simulam uma passarela, este é bastante interessante). Como Raf disse na conversa com estudantes, “não era importante criar um contexto de narrativa”, ou seja, um tema ou uma história com começo, meio e fim. “Mas, sim, um contexto de sentimentos”. E sentimentos, cada um sente de um jeito.

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