Conheça a MSCHF, coletivo artístico por trás dos produtos mais viralizados da internet

Fundado em 2019, o grupo de Nova York coleciona uma série de lançamentos recheados de controvérsias e com boa dose de sátira.


modelo com as big red boots
Foto: Divulgação | Garret Bruce



Elas são grandes, vermelhas e controversas. Se você acompanhou as semanas de moda internacionais, com certeza deve ter visto alguma em cliques de streetstyle ou nos seus feeds. Estamos falando das Big Red Boots, desenvolvidas pelo coletivo artístico nova-iorquino, MSCHF (pronuncia-se mischief).

Feitas de EVA, e poliuretano termoplástico, as botas pegam carona na tendência de cartoonização de roupas e integram uma parcela do mercado de calçados cada vez mais experimental. “Botas de desenho animado para um mundo 3-D”, diz o comunicado da MSCHF sobre a criação. Nas redes sociais, não demorou muito para que as Red Boots fossem comparadas a personagens de animações: desde Astroboy ao macaco Botas, companheiro de Dora, a Aventureira. No Tik Tok, a hashtag #bigredboots já acumula mais de 40 milhões de visualizações, entre usuários fazendo piadas sobre a peça e outros sedentos por um par no valor de 350 dólares (já esgotado no site oficial).  

Falem bem, falem mal, mas falem de mim

Para a MSCHF, nada disso é motivo de riso. Pelo contrário, a ideia das botas é levada a sério, assim como todos os outros projetos assinados por eles. “Não é uma piada”, disse o coletivo em nota ao The New York Times, depois de negar o pedido de entrevista. Apesar de o grupo ter lançado as botas de cara amarrada, seu extenso repertório de ações consiste na sátira subversiva da cultura do consumo e pode ser considerado um experimento perfeito de manipulação de mídia. 

Fundada em 2019 por Gabriel Whaley, Daniel Greenberg, Gabriel Whaley, Stephen Tetreault, Kevin Wiesner e Lukas Bentela, a MSCHF se recusa a ser considerada uma marca de moda ou até mesmo uma organização. Ela não possui logo e raramente lança produtos comerciais. “Uma marca de quê? Não sei. Ser uma empresa mata a magia”, disse o co-fundador, Gabriel Whaley, em uma das raras entrevistas, esta à Business Insider. “Estamos tentando fazer coisas que o mundo nem consegue definir.”

De fato, definir a MSCHF é uma tarefa nada fácil, até para os próprios funcionários. Por isso, “grupo” ou “coletivo” são os termos mais comuns no tratamento. Suas criações, apresentadas no seu website a cada duas semanas, recebem o nome de drops. 

bong de galinha de borracha da MSCHF

Foto: Divulgação

Se a intenção é fugir de qualquer classificação, tudo indica que estão no caminho certo e com bastante sucesso. É que não existe coerência para o que fazem – o que só alimenta a mística em torno do grupo. 

O time da MSCHF já criou uma extensão de navegador que disfarça a exibição do Netflix, fazendo-a parecer uma chamada de conferência, projetou um bong de galinha de borracha para fumar maconha e criou um canal no YouTube apenas com vídeos de um homem comendo de tudo, de um pote de maionese até uma foto de Pete Davidson. Na edição de 2022 da feira Art Basel, em Miami, instalaram um caixa eletrônico verdadeiro que estabelecia um ranking baseado no saldo da conta bancária dos visitantes. Quanto mais rico, melhor posicionado. 

Para o coletivo, a falta de continuidade é o ponto-chave de suas criações. A integridade conceitual somada à obsessão por viralizar na internet supera qualquer estratégia hiper comercial e até mesmo a preocupação em fazer dinheiro. Se o grupo conseguir desenvolver um produto que não saia da boca do povo, ou melhor, dos seus feeds, é dever cumprido.

Lil Nas X e os Satan Shoes

Lil Nas X e seus Satan Shoes. Foto: Divulgação

Um dos cases mais famosos é a colaboração com o rapper Lil Nas X, em 2021. Vocês lembram, né? Foram eles os responsáveis pelo lançamento do controverso Satan Shoes, uma reapropriação do tênis Nike Air Max 97, com gotas de sangue de funcionários do coletivo e símbolos satânicos. Foram produzidos 666 pares no valor de 666 dólares (na tradição cristã, 666 énúmero da besta). E esgotou em questão de minutos. 

No Twitter, um pastor evangélico classificou a criação como heresia e pediu para que cristãos se rebelassem contra os responsáveis. Kristi Noem, governadora de Dakota do Sul, nos EUA, escreveu: “Nossos filhos estão sendo informados de que esse tipo de produto não é apenas bom, mas também exclusivo. Você sabe o que é mais exclusivo? Sua alma eterna dada por Deus.”

“Quando você olha para os aspectos comerciais de nossos conceitos, eles são realmente artísticos por natureza “, explicou Whaley em entrevista à revista 032c. “Por exemplo, os ‘Satan shoes’ custavam 666 dólares e produzimos 666 unidades. Você acha que fizemos isso porque precisávamos atingir nossos números do ano? Não.” Quase imediatamente, a Nike negou qualquer conexão com os tênis, emitindo uma declaração para afirmar que não endossam a colaboração e que entraria com uma ação judicial contra a MSCHF e Lil Nas X por violação de marca registrada. Todas as partes acordaram com um recall voluntário, que permitia a devolução dos calçados caso os clientes assim desejassem.

O tênis Wavy Baby.

O tênis Wavy Baby. Foto: Divulgação

Esse não foi o primeiro processo com o qual a MSCHF teve de lidar e dificilmente será o último. Em 2022, o grupo enfrentou um embate de propriedade intelectual com a Vans pelo tênis Wavy Baby, uma colaboração com o rapper Tyga, que “derreteu” o icônico modelo Old Skool da marca de skate. Antes mesmo do produto ser lançado, a Vans já havia tomado as devidas providências legais contra o coletivo. No entanto, já era tarde demais: quando o tribunal decidiu em favor da etiqueta californiana, os calçados já haviam esgotado no site da MSCHF.

“O pedido de cessar uma atividade é um bom sinal de que o drop foi um sucesso”, disse o cofundador e codiretor criativo do coletivo, Lukas Bentel, à 032c. “O dia do processo da Nike não foi um dia ruim para nós. Foi um dia ruim sete dias depois, quando outros projetos fracassaram, porque os fornecedores tinham contratos anteriores com a Nike. O momento de crise é realmente emocionante, até você perceber que há consequências reais.”

Um minutinho da sua atenção, por favor

Desde a última década, nossas vidas foram sincronizadas com a nuvem. Informações se tornaram cada vez mais efêmeras ao passo em que feeds frenéticos de redes sociais viraram escravos de um algoritmo que decide o que será consumido sem qualquer tipo de filtro humano e pessoal. A atenção ganhou status de maior commodity da contemporaneidade e virou um modelo econômico no meio do marketing e da comunicação. De acordo com as novas regras, tudo precisa (grosseiramente) ser engraçado, polêmico ou histérico para prender o olhar do consumidor. O lucro, antes a principal métrica de sucesso, agora disputa lugar com o caos. 

E a MSCHF recebe o caos de braços abertos, seja por meio de produtos controversos, embates legais no tribunal ou burburinho nas mídias digitais. Ele é peça fundamental de seu modus operandi. Mas como sobreviver e continuar quebrando a internet sem se preocupar com dinheiro? 

O futuro das investidas do grupo na internet ainda é incerto. Contudo, segundo registros da Securities and Exchange Commission, a MSCHF levantou pelo menos 11,5 milhões de dólares em investimentos externos desde 2019. Uma das organizações que apostou em seu potencial foi ninguém menos do que a LVMH, maior conglomerado de luxo do mundo. Mais especificamente, Alexandre Arnault, filho do dono da organização (Bernard Arnault) e vice-presidente executivo de produto e comunicação da Tiffany & Co

Troféu da Tiffany feito pela MSCHF.

Troféu de Participação de Prada, da Tiffany com a MSCHF. Foto: Divulgação

Em 2022, a MSCHF se uniu à joalheria para lançar um troféu de participação de prata, que não chegou a durar três segundos no site quando foi ao ar.  “O que eles (MSCHF) fazem é muito diferente do que nós fazemos. Estamos vendendo um sonho e desejo para o longo prazo, enquanto eles estão comercializando projetos curtos que têm muito barulho”, afirmou Alexandre Arnault à 032c. “Acho que uma coisa que podemos aprender é não nos levar muito a sério, porque as marcas de luxo costumam ser muito sérias. Outra coisa importante é que não devemos ter medo de explorar muitas categorias. Acho que a MSCHF provou que quando você constrói uma marca ou coletivo como eles, muitas áreas diferentes podem ser tocadas.”

Se descabelar para tentar classificar a MSCHF como coletivo artístico ou negócio é uma discussão que dificilmente chegará a algum lugar. Afinal, seu apelo está na dúvida, na inconsistência e na atitude disruptiva que muda as regras de um jogo chamado branding. Porque, assim como sua logo inexistente, a MSCHF é definida muito mais pelo seu espírito ou sua ideologia do que por qualquer planilha de Excel. 

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