Coven completa 30 anos com identidade forte e foco no tricô
Liliane Rebehy, fundadora e diretora criativa da Coven, fala sobre as comemorações do aniversário da marca e comenta pontos importantes da sua trajetória e da moda mineira.
O ano de 2023 foi agitado para a Coven. Não é sempre que uma marca nacional completa 30 anos em atividade. O feito é ainda mais raro quando se tem uma técnica, material ou produto específico – no caso, o tricô. “Numa empresa pequena como a nossa, isso pode tornar as coisas um tanto engessadas”, fala Liliane Rebehey, fundadora e diretora criativa da etiqueta mineira.
Não foi bem o que aconteceu. Ao longo de três décadas, a grife evoluiu com coerência e fidelidade a sua identidade. As celebrações foram planejadas em meados de 2022. A ideia era dedicar as duas coleções principais ao aniversário e criar um evento em torno dos pilares do negócio.
A primeira etapa foi o lançamento do inverno 2023, chamado Origens, no início do primeiro semestre. “O nome já diz tudo”, diz Liliane. “Fomos literalmente às origens da Coven, reeditando algumas coisas que fizemos no passado e trazendo elementos das minhas primeiras experiências com o tricô.”
Coven. Foto: Divulgação
Se a primeira coleção foca nos aspectos técnico e material singulares da etiqueta, a segunda transita por outras áreas do conhecimento que informam o universo criativo da grife, como arte, design, fotografia e, em especial, arquitetura. “Nosso verão fala sobre o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, que completou 80 anos em 2023”, explica Liliane.
Foi uma coincidência que colocou lado a lado dois elementos essenciais à Coven: a arquitetura modernista brasileira e a cidade de Belo Horizonte. “Até pensamos em fazer o evento lá, mas o museu está fechado há muito tempo e a Casa do Baile era pequena para o que tínhamos em mente.” O que tinham em mente era uma instalação têxtil composta de vestidos de tricô texturizados e superlongos.
A seguir, Liliane Rebehy relembra a trajetória da marca ao longo desses 30 anos, comenta momentos emblemáticos de sua carreira e da moda mineira e dá mais detalhes sobre a Coa, a nova linha da Coven.
Liliane Rebehy, fundadora e diretora criativa da Coven na instalação têxtil organizada pela marca. Foto: Divulgação
Você é formada em arquitetura pela UFMG, mas trabalha com moda. Como foi isso?
Nem sei te dizer. Quando vejo meus filhos, com 17, 18 anos, tendo de decidir o que fazer, penso que é cedo demais para uma pessoa ter plena consciência sobre algo tão importante. No meu caso, arquitetura era com o que me identificava. E me identifico até hoje. Quando não estou pesquisando moda, estou pesquisando arquitetura, design. Apesar de não ter exercido a profissão, acho que fiz a escolha certa. A bagagem do curso me trouxe um repertório muito amplo.
E como a moda apareceu?
Passei no vestibular para o segundo semestre. A Federal (de Minas Gerais) tem duas entradas, é assim até hoje. Então, fiquei a primeira parte do ano em Patrocínio, no interior, onde mora minha família. Uma das minhas primas tinha uma máquina de tricô bem caseira, e, não sei com que pretensão, perguntei se poderia usar para criar algumas peças.Ia para a casa dela todas as tardes. Era um processo muito limitado, mas aos poucos fui entendendo como poderia fazer algo diferente.
Minha prima fazia roupas bem padrão, aquelas blusas tradicionais. Aí, eu comecei a fazer saias e experimentar com outras formas. Lembro que tinha uma com tiras meio pregueadas, que formavam uns vazados, uma coisa bem maluca na época. E fazia as saias já pensando nas partes de cima, sempre com misturas de cores – que é uma característica forte da Coven. Naquele primeiro momento, sem muito recursos, foi o primeiro diferencial.
Você lembra em que ano foi isso?
Final dos anos 1980, começo dos 90.
Coven. Foto: Divulgação
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E daí para o lançamento da Coven…
Trazia as peças comigo quando vinha para Belo Horizonte, e vendia tudo. Aí, tive vontade de continuar, mesmo com o curso de arquitetura já iniciado. Chamei uma irmã para participar desse projeto, só que ela detestou. Como não tínhamos experiência, caímos em várias ciladas. Em pouquíssimo tempo, ela falou: ‘Adeus! Chega! Estou indo embora’.
Com isso, o negócio ficou parado por um tempo. Até que uma amiga, que estava morando fora, voltou e perguntei se ela não queria retomar. Ela disse sim, mas a parceria não durou muito. Ela estava em um momento de vida e eu, em outro. Decidi tocar tudo sozinha e, no meio da faculdade, resolvi abrir uma fabriquinha. Assim nasceu a Coven.
Como foi abrir uma fábrica num momento conturbado da economia brasileira, com o mercado ainda fechado?
Naquele primeiro momento, tinha muita limitação, principalmente em tecnologia. O maquinário disponível era super primário, cada tecelão tocava a máquina manualmente. Pouco tempo depois, no governo Collor, houve a abertura do mercado, e consegui comprar as primeiras máquinas importadas.
Ainda assim, o negócio fluiu rápido. Em um ano e meio eu já estava em outro lugar. Naquele primeiro não cabia mais equipe e maquinário. Três anos e meio depois, mudamos de novo, para o endereço em que estamos até hoje.
Foi um crescimento interessante, porque era uma época em que o tricô não era tão aceito. Era uma técnica reservada a roupas convencionais, sem muita informação de moda.
Como você contornou essa situação?
Desde muito cedo, daquela primeira máquina em Patrocínio, entendi que o tricô poderia ser trabalhado de várias maneiras. Depois, estar em contato direto com os tecelões, misturando fios, testando pontos, combinando cartelas de cores e produzindo nossos próprios tecidos também ajudou muito. Assim, conseguimos mostrar novas propostas com o material.
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A Coven foi lançada quase uma década depois que as marcas Eliana Queiroz, Patachou, Renato Loureiro, Mabel Magalhães, Allegra, Art Man, Barbara Bela, Comédia, Frizon e Sonia Pinto formaram o Grupo Mineiro de Moda, que chacoalhou o mercado nacional na década de 1980. Você se sente influenciada por eles?
Conscientemente talvez não. Inconscientemente sim. Vivi minha adolescência nesse ambiente de moda primorosa em Belo Horizonte. Eram produtos de muita qualidade, e vendiam bem. Nessa época, BH superou o Rio (de Janeiro) e São Paulo em termos de desfiles, criatividade e inovação. Como se diz, o Grupo Mineiro de Moda foi um aglomerado de potências. Então, sim, de alguma forma foi influenciada por eles.
Coven. Foto: Divulgação
Nos últimos anos, a moda mineira ficou mais conhecida pelas roupas de festa, com toda uma pegada barroca. É uma imagem quase oposta a da Coven, que se manteve fiel às referências modernistas. Como é a manutenção de uma identidade tão bem definida?
Eu Liliane, pessoa física, sou zero barroca. Se você me ver todos os dias, vai perceber que tenho um estilo bem básico. Isso se estende para o que faço – e amo fazer. É o que eu acredito, é o meu olhar.
A Coven sempre teve um trabalho de construção, de modelagem de acabamento. Porém, ela tem ficado cada vez mais limpa. Mas veja bem, não é uma roupa simples. Como nosso tricô tem muita mistura de fios, na maioria das vezes o resultado é um trabalho complexo de maquinário, seguido de processos manuais. A roupa é muito elaborada, mas o visual, não.
Nossa comunicação também é cuidadosa. Principalmente em relação às imagens: campanhas, lookbooks e conteúdos digitais. Aí, vem o trabalho da assessoria de imprensa, de vestir pessoas. A gente não trabalha com um volume grande de influenciadoras.
Eu brinco que a gente é pouco comercial nesse sentido. É importante para manter a coerência e identidade. Por isso, preferimos estabelecer relações com quem tem menos seguidores e engajamento e mais afinidade e sintonia com a Coven.
Até acontece de algumas influenciadores grandes usarem a marca espontaneamente e nos marcarem. Mas já percebemos que nosso público não é muito sensível a esse tipo de conteúdo.
Look da coleção No. 3 da Coa, nova linha da Coven. Foto: Divulgação
Apesar do visual nem sempre elaborado ou complicado da Coven, você lançou uma nova linha, a Coa, que aposta ainda mais no menos é mais. O que te motivou?
A Coa é uma filha da pandemia. Em 2020, a gente inaugurou uma loja aqui em Belo Horizonte no dia 10 de março, e no dia 18, tivemos que fechá-la. Como é um espaço muito grande, quando reabrimos decidimos usar uma parte dela como galeria.
Na época, a gente expôs uma seleção de looks emblemáticos dos nossos desfiles para celebrar os 25 anos da Coven. Quando a exposição acabou, precisava pensar em alguma coisa para ocupar aquele lugar. Era quase como uma segunda loja. Aí veio a ideia de criar uma linha feita com sobra de tecidos das nossas coleções anteriores.
É um produto mais básico, descomplicado, com uma imagem ainda mais limpa. Porque algumas mulheres entram na Coven em busca de uma roupa especial, que não é algo que usará no dia a dia. A roupa da Coa é para isso, para trabalhar, passar um fim de semana tranquilo, situações despojadas. Só que a mesma qualidade e tecidos da Coven.
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