A história do tricô artesanal e dicas para fazer em casa

Fortemente associada às roupas de inverno, a técnica que existe, pelo menos, desde o Oriente Médio é mais versátil do que se imagina. Conheça a sua origem e a aprenda como ela funciona.


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Foto: Daniele Venturelli / Getty Images



Um único fio entrelaçado com duas agulhas a partir de duas variações de pontos. É basicamente assim que se forma o tricô. “O mais legal é justamente o fato de ser uma técnica simples que desenvolve tramas complexas”, diz Cristiane Bertoluci, mestre em têxtil e moda pela Universidade Federal de São Paulo e professora de tricô na Novelaria. Apesar de existirem máquinas com múltiplas agulhas para agilizar o processo, o encantamento pelo método artesanal segue conquistando adeptos através dos séculos.

A história do tricô

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Jaqueta de tricô italiana feita no século 17 Sepia Times / Getty Images

Sua origem é desconhecida, mas acredita-se que tenha surgido no Oriente Médio e, depois, viajado por rotas comerciais para outras regiões. Um par de meias egípcias feitas de fibra de algodão, datado entre os séculos 11 e 14, é o item mais antigo de tricô já encontrado. “O mais chocante é que, hoje, essa é uma das peças mais difíceis de se fazer. É tipo o chefão do videogame”, comenta Cristiane. Pela complexidade do item, que tinha desenhos coloridos intricados, as apostas são de que a técnica já vinha sendo aprimorada há alguns anos em roupas, que provavelmente desapareceram com o tempo por serem de fibras perecíveis.

Os primeiros tricôs europeus que se têm notícia datam de cerca de 1275. Trata-se de detalhadas capas de travesseiro encontradas no túmulo do príncipe espanhol Fernando de La Cerda. O que se sabe é que, em toda a Europa, a técnica, inicialmente, era restrita à realeza, à igreja e à nobreza. Com as meias de malha se tornando sucesso absoluto na moda do século 16, o tricô se fortaleceu. Os aristocratas preferiam as feitas de seda, mais delicadas.

A essa altura, as peças feitas de lã já haviam se popularizado e mesmo os mais pobres recorriam a ela para suas roupas de inverno. Daí, sua associação ao tricô até os dias de hoje. “Por isso, muita gente acredita que só dá para tricotar roupas mais quentes, o que não é verdade”, esclarece a Cristiane. “A lã é o melhor material para começar, porque é fofa e preenche o nosso trabalho, mas o mercado oferece uma variedade enorme de novelos, para todo tipo de necessidade.”

Em 1589, o inglês William Lee inventou a primeira máquina de tricô. Teares similares e cada vez mais sofisticados se espalharam pela Europa durante a revolução industrial, o que não significou o fim do método artesanal. Ele até foi deixado de lado comercialmente, mas se tornou um dos principais passatempos das mulheres vitorianas das classes mais baixas.

Durante as guerras mundiais, os governos tornaram tricotar um ato patriótico com o objetivo de aquecer os soldados nas trincheiras, massificando a prática. Nos anos 1950, a técnica passou a ser ensinada nas escolas para meninas e, pouco tempo depois, sugiram revistas especializadas em ensinar o ofício. Nas décadas seguintes, o tricô ficou marcado como um hobby popular entre os mais velhos. Curiosamente, foi o crescimento da internet no século 21, atrelado ao forte interesse por artesanato DIY, nos últimos anos, que motivou mais pessoas a se apaixonarem por essa arte e abraçarem a sua prática.

A valorização do tricô na moda

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Tricô esportivo de inverno assinado por Elsa Schiaparelli em 1934 ullstein bild Dtl. / Getty Images

A estilista Elsa Schiaparelli foi a responsável por introduzir o tricô na alta-costura. Nos anos 1930, seu pulôver tricotado à mão, com um laço de marinheiro em trompe-l’oeil no pescoço. A peça foi o ponto de virada na carreira da italiana e transformou o tricô com pegada esportiva em desejo absoluto na época. A própria designer passou alguns anos se dedicando a esse nicho, produzindo maiôs, roupas de ski e macacão de praia.

Em 1968, a estilista francesa Sonia Rykiel abriu a sua primeira loja em Paris. O foco eram peças de tricô (técnica que vinha sendo pouco valorizada por sua associação aos períodos de crise econômica) com modelagens minimalistas, padronagens coloridas e tramas inovadoras. Os produtos conquistaram musas como Audrey Hepburn, Brigitte Bardot e Catherine Deneuve e, consequentemente, o mundo todo.

Seu trabalho estabeleceu uma nova maneira das mulheres se vestirem, libertando-as dos blazers e das roupas estruturadas, e contribuiu para a valorização do prêt-à-porter. Merecidamente, a estilista ficou conhecida como “rainha do tricô” por torná-lo cool novamente e saber explorar ao máximo a sua versatilidade.

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Desfile da Sonia Rykiel em 1985 Daniel SIMON / Getty Images

Fios para tricô

Os novelos são formados por fibras que podem ser de origem animal, vegetal ou sintética. Em alguns casos, elas são misturadas entre si para mesclar características e criar um novo tipo de fio. Por isso, a professora da Novelaria aconselha, sempre que possível, escolher seus materiais pessoalmente, pois o toque é muito importante para entender como eles vão performar – o que influencia diretamente o resultado do trabalho.

Tipos de lãs

Indicadas especialmente para peças de inverno, são consideradas lãs todas as fibras de origem animal, com excessão da seda. As principais são:

  • Merino: Retirada de uma raça de ovelha, é bem macia, resistente e versátil. Costuma ser utilizada em maxitricô, por possibilitar fios bem grossos, mas funciona para qualquer roupa.
  • Cashmere: Leve, macia e bem quentinha, tem o valor elevado. O motivo é a qualidade superior, mas opções mais baratas tem surgido nos últimos anos. É produzida por alguns tipos de cabra.
  • Alpaca: Ultra macia, é mais quente e mais pesada que a lã de ovelhas.
  • Mohair: Durável, elástica e quente, costuma pinicar um pouco, mas tem o diferencial de ser felpudinha.

Fibras de verão

A seda e os fios de origem vegetal são muito utilizadas nos chamados tricôs de verão por respirarem melhor e, consequentemente, serem mais frescos. São eles:

    • Linho: Foi uma das primeiras fibras vegetais descobertas pela humanidade, costuma ficar mais macio depois da primeira lavagem.
    • Bambu: É absorvente, hipoalergênico e antibacteriano, porém tem um aspecto mais rústico.
    • Algodão: Resistente e leve, é mais difícil de trabalhar por ser pouco elástico. Os pontos costumam aparecer com mais evidência, então é uma boa pedida se você quer exibir os detalhes da malha.
    • Seda: Usada principalmente em peças especiais, por sua delicadeza e valor elevado.
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      Tamara Erbacher / Getty Images

Agulhas para tricô

O tricô artesanal é feito geralmente com um par de agulhas, que costumam ser de madeira, acrílico, metal ou plástico. Os modelos básicos são:

  • Retas: Servem para elaborar malhas planas e são as mais usadas por quem está começando. Em uma agulha ficam os pontos, enquanto a outra faz as laçadas até ficar cheia. Depois, elas trocam de mãos e começa tudo de novo, criando carreiras em zigue-zague.
  • Circulares: Ligadas por um cabo, nunca trocam de mãos, formando um trabalho tubular. Têm se tornado cada vez mais populares por possibilitarem a elaboração de peças sem costuras, o chamado tricô top down.

Como fazer tricô

O tricô consiste essencialmente em dois pontos: o ponto meia e o ponto tricô. A diferença entre eles é basicamente a direção que a agulha entra na laçada, e são as combinações entre eles que resultam nos mais diversos efeitos e tramas. “Primeiro, a gente ensina a colocar o ponto na agulha, depois, vem o ponto meia e, por fim, o ponto tricô. Com isso, você já sabe 80% da técnica. O resto é entender qual programação usar para cada situação e conhecer bem os fios”, garante Cristiane.

Intercalando sequencialmente um ponto meia com um ponto tricô, por exemplo, cria-se uma textura elástica utilizada nas barras das roupas. Pode parecer confuso lendo pela primeira vez, mas não é tão complicado na prática. Para cada peça, existe uma receita a ser seguida. Assim como nas de comida, elas listam os materiais necessários e descrevem o passo a passo que segue. Porém, ao invés de ensinar a misturar ingredientes, as receitas de tricô nos orientam a como combinar o ponto meia (abreviado para pm) e o ponto tricô (pt).

Dicas de tricô para iniciantes

Quer dar seus primeiros passos na arte do tricô? A dica de Cristiane é começar usando fios irregulares de lã. “No início, costuma ficar tudo torto. Essa escolha faz parecer que foi de propósito, que não é culpa do seu ponto”, explica. Os mais grossos e macios também facilitam o trabalho, pois acabam preenchendo a trama com mais facilidade.

Também é interessante optar por cores claras. “Todo mundo quer começar usando preto, só que fica horrível de enxergar o que você está fazendo, ainda mais de noite”, alerta a professora. Deixe para usar tons mais escuros quando já tiver dominado a programação dos pontos.

Ter paciência para ler as receitas é fundamental. Está tudo descrito ali, basta prestar atenção. Caso dê errado, Cristiane estimula prática do desapego e do desmanche da peça. “O legal do tricô é que você pode errar, desfazer e ter o novelo todo de volta para começar de novo – fazendo melhor.”

Receitas de tricô para iniciantes

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Touca alice por Bianca Schultz Divulgação / Bianca Schultz

1. Receita de gola rasta

por Novelaria

Materiais:

150g de fio malabrigo rasta

Agulha 10mm

Execução:

Colocar 21 pontos na agulha.

Ponto segredo: 2 pontos juntos em tricô, 1 laçada, 2 pontos juntos em tricô, 1 laçada.

Fazer todas as carreiras ida e volta em ponto segredo.

Trabalhar as carreiras até acabar a meada, deixando um pouco de fio para arremate.

Arrematar e costurar as duas pontas com agulha grossa de tapeçaria.

2. Receita de cachecol neuzinha

por Daizma Vaz

Materiais:

Agulhas 4 mm retas para tricô (você pode usar a 4.5mm ou 5 mm em substituição).

1 Novelo de fio charme, da Círculo.

Agulha de tapeçaria

Fita métrica

Tesoura

Execução:

Coloque 24 pontos na agulha pelo método tradicional ponta longa.

1ª carreira: 1 ponto sem fazer em meia, e todos os outros pontos em meia.

2ª carreira: 1 ponto sem fazer em meia, e todos os outros pontos em meia.

Repita essas duas carreiras até que você tenha 169 cordões no lado direito da peça. Em seguida, arremate a peça em meia.

Franjas: Corte pedaços de 15 centímetros (serão 30 pedaços no total) e pregue em grupos de 5 no começo, meio e fim de cada extremidade do cachecol. Em seguida, arremate a ponta final e inicial do cachecol com uma agulha de tapeçaria.

3. Receita de touca alice

por Bianca Schultz

Materiais:

1 novelo de 100g do fio Alice na cor 7093

Agulhas de tricô nº 5 e nº 6

Agulha de tapeçaria

Execução (tamanho adulto):

Colocar 76 pontos na agulha de tricô nº5 e tricotar em ponto barra 1/1 por 4cm (cerca de 10 carreiras). Todas as carreiras do ponto barra são feitas tecendo *1pm, 1pt*.

Mudar para agulha nº 6 e começar a trabalhar no ponto barra perolada:

1ª carreira.: *2pm, 3pt*, 2pm (avesso)

2ª carreira.: *2pt, 1pm, 1pt, 1pm*, 2pt (direito)

Siga tecendo na repetição das 2 carreiras do ponto fantasia até completar aproximadamente 18 centímetros desde o início da base. Após atingir os 18cm de comprimento, comece as diminuições pelo avesso da peça:

1ª carreira.: *2pjm, 3pt*, 2pjm (carreira com diminuições)

2ª carreira:: *1pt, 1pm*, 1pt (sem diminuições)

3ª carreira.: *2pjm, 2pm*, 1pm (carreira com diminuições)

4ª carreira.: toda em tricô (sem diminuições)

5ª carreira: *2pjm* (carreira com diminuições)

Depois de finalizar todos os arremates, a touca ficará com cerca de 22cm de comprimento e com 23p na agulha. Corte o fio deixando um pedaço grande pra fazer a costura. Com a ajuda da agulha de tapeçaria, passe a ponta do fio por dentro de todos esses pontos, puxe até fechar bem o buraco do topo e faça a costura na lateral.

Obs.: o ponto barra perolada fica com um resultado bonito dos dois lados, então, caso você goste mais do lado avesso, poderá usar esse lado como opção de lado direito. É importante seguir a seqüência das diminuições pelas carreiras ímpares do ponto fantasia.

Inspirações em tricô no street style

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