Na alta-costura da Dior, é tudo sobre presença, toque e qualidade artesanal
Com desfile presencial, a Dior levanta questionamentos sobre a importância do trabalho manual na moda.
Muito tem se especulado sobre como será o look ou estilo pós-pandemia. No que depender da alta-costura da Dior, ele será bem diurno, quase todo pautado por ternos, tailleurs e outros conjuntos de alfaiataria. Agora, os vestidos de contos de fadas das últimas coleções são como um resquício de um sonho escapista. O foco é no toque, no tecido e em tudo mais que só se percebe com presença física.
Pela segunda vez em pouco mais de um ano, a Dior pôde realizar um desfile com plateia. O primeiro foi o de resort 2022, em Atenas, mas só para convidados locais. Nesta segunda-feira, 05.06, o convite foi estendido para quem, já devidamente vacinado, pode viajar a Paris. E a ausência do compromisso com os meios digitais jogou luz a elementos dificilmente apreciados por vídeo.
De acordo com um comunicado à imprensa, a intenção da diretora de criação Maria Grazia Chiuri era enaltecer o trabalho manual responsável por manter viva a tradição da alta-costura. Vem daí as texturas, os tweeds, xadrezes e outras tramas feitas artesanalmente por profissionais especializados em tais técnicas. Na passarela, elas ajudam a dar forma a uma silhueta que bebe na fonte do passado para hidratar uma suposta ideia de presente.
O New Look pós-pandêmico (não que a pandemia tenha acabado, mas essa é a ideia) tem saia godê plissada e fluída e cintura menos apertada, ressaltada pela estrutura tipo peplum na jaqueta. Os casacos ficam mais soltos, às vezes com leve corte evasê, e ajustados por cintos finos só na frente. As mangas também ganham volume discreto, e os ombros, ora ou outra, se arredondam. Padronagens e tecidos clássicos da alfaiataria masculina aparecem com franjas ou telas. Os tons são predominantemente neutros, e as únicas estampas são florais, trabalhadas como patchworks de cetim.
Já discorremos algumas vezes sobre como o foco na roupa ou design era um caminho em potencial para quando a vacinação reduzisse os riscos da pandemia. No caso, falávamos sobre uma nova perspectiva de design em adequação com a realidade. No inverno 2021 de alta-costura da Dior, a técnica surge como protagonista num posto de reverência à tradição. O que faz sentido e tem seu mérito.
A cada temporada de alta-costura, surgem perguntas sobre o que se trata e qual a importância desse métier exclusivíssimo. Bom, trata-se de fazer roupas, e da melhor maneira possível. Os costureiros e artesãos empregados pelos ateliês desse segmento estão entre os mais capacitados e, provavelmente, mais dignamente pagos na indústria da moda. Existe toda uma cultura de valorização e preservação de tais saberes e manualidades. Esta coleção é exatamente sobre isso: vitrine e reconhecimento de quem quase nunca é visto ou lembrado (e com alguns dos melhores looks já apresentados pela label).
Porém, assim como aqueles que compram couture, esses trabalhadores são poucos. Pouquíssimos, dependendo do ponto de vista. Enaltecer seus trabalhos é, de fato, importante, mas também seria interessante levar essa consideração para além de uma estrutura tão limitada.
É comum ouvir que os desfiles de alta-costura são como plataformas de marketing ou fonte de inspiração para o prêt-à-porter. Pois bem, agora imagina se essa influência pudesse garantir que todos os costureiros e profissionais fossem tratados e remunerados da mesma maneira. Os valores não são os mesmos? Uma moda justa, responsável e de qualidade?
A cenografia deste mais recente desfile, assinada pela artista Eva Jospin, consistia numa série de painéis bordados com paisagens naturais, baseadas nas obras de inspiração indianas das paredes da Sala dos Bordados, do Palácio Colonna, em Roma. A execução foi parcialmente feita por alunas da Chanakya School of Craft, uma escola de bordados apoiada pela Dior, na Índia. A iniciativa é louvável, porém deixada de lado. Literalmente. O centro das atenções continua restrito à tradição.
Se a alta-costura quer e pode influenciar toda uma indústria, talvez seja hora de abrir algumas portas. As dos ateliês, por exemplo. Manter viva uma instituição, como gostam de chamar a haute couture, também passa por revisões e renovações – de visão, estrutura e pessoal –, em todos os níveis do processo. E isso não diz respeito só a Dior.
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