Moda na COP30, o que você precisa saber
Direto de Belém, Pará, explicamos os principais assuntos em discussão e o papel da moda na COP30.
Falar de moda na COP30 pode parecer pouca coisa dada a dimensão dos temas debatidos na conferência. Mas essa é uma concepção errada. Talvez você já saiba que a indústria têxtil e do vestuário é uma das mais poluentes do planeta. Porém, as práticas e discursos sustentáveis vão muito além da matéria-prima e processos de produção, passando por vários outros setores, como economia, comércio, finanças, agricultura, pecuária, energia e transporte. Mas vamos por partes.
A 30ª Conferência das Partes (a COP30) começou ontem (10.11) e vai até dia 21 de novembro. É a primeira vez que o evento acontece numa cidade na região da Amazônia – no caso, em Belém. Nessa reunião, falas e dados impactantes não faltam. Há delegações de 195 países, 145 tópicos na agenda, 50.000 participantes, pedaços de bolo por 37 reais e um sem número de leques para aguentar o calor do Pará.
Não foi fácil chegar até aqui. Teve a crise da hospedagem, com hoteis e pousadas cobrando preços inacreditáveis e inviabilizando a participação de muitos. Teve a crise de imagem, com o Brasil aprovando a exploração de petróleo na Foz do Amazonas semanas antes do evento. E teve a leva decepcionante de metas climáticas: se a rota ascendente continuar inalterada, o planeta ruma para um aquecimento de 2,5ºC – parece pouco, mas é apocalíptico.

A cantora Fafá de Belém em apresentação na cerimônia de abertura da COP30. Foto: Getty Images
Seja como for, a capital paraense encheu e o dia chegou. A COP de Belém tem dois grandes deveres de casa – destravar as discussões sobre transição energética e financiamento climático – e quer quebrar o molde das edições anteriores. A regra de dresscode, pelo menos, ela já passou por transformações: para suportar a temperatura, o estilo formal deu lugar ao esporte fino.
A decisão de sediar a COP em Belém é, de certa forma, um retorno ao início das negociações climáticas. A primeira reunião da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima foi no Brasil: a famosa Rio-92. Ali, se inaugurou uma consciência global sobre o aquecimento da Terra, e também um regime de 198 nações para lidar com o problema. A Conferência das Partes, ou COP, é o órgão que toma as decisões desse regime, e que se reúne anualmente desde 1995.
Um breve histórico das COPs e o Acordo de Paris
Desde 1995, para o público, muitas COPs passaram despercebidas e algumas fracassaram. Em 2015, no entanto, a coisa mudou: todos as nações envolvidas concordaram em adotar o Acordo de Paris, assinado na França. É o compromisso mais importante até agora. Nele, ficou combinado que: o aumento da temperatura média global deve ser mantido bem abaixo de 2°C, buscando limitá-lo a 1,5°C; todos os países devem apresentar e revisar periodicamente suas metas de redução de emissões; deve haver apoio financeiro e tecnológico aos países em desenvolvimento para adaptação e mitigação.
O marco de 1,5ºC virou o norte das negociações e planos climáticos desde então, tanto para governos quanto para empresas e terceiro setor. Sabe aquela coisa de zerar emissões de carbono até 2050? Vem dessa necessidade de fechar a conta, porque 1ºC a Terra já aqueceu.
Há uma década, as COPs tentam fazer essa transformação engrenar. Mas reformar a economia e a geopolítica globais – ambas baseadas no uso de combustíveis fósseis (principalmente petróleo) e no crescimento do consumo – é bem difícil.

Chefes de Estado em evento pré-COP30. Foto: Getty Images
Por conta dessa dificuldade, a COP é a pior reunião de condomínio do mundo. Por exemplo: a União Europeia pode dizer que é hora de parar com o uso de carvão, porque polui demais. A Índia responde que, para quem já se desenvolveu, é fácil falar. O Brasil diz que as florestas de pé são o futuro, enquanto os ambientalistas apontam a contradição com a permissão de exploração de petróleo na Amazônia. Os EUA de Donald Trump nem se dão ao trabalho de aparecer. E as corajosas nações-ilha do Pacífico, como Vanuatu, alertam que estão afundando enquanto ninguém se entende. Assim, as decisões, que devem obrigatoriamente ter consenso, vêm aos poucos.
A tensão atinge o ápice nos últimos dias de conferência, quando os negociadores terminam de redigir os textos com as decisões daquele ano. O principal documento, chamado de “capa”, é a síntese que acaba nas manchetes dos jornais – e é disputado palavra a palavra. A COP28, por exemplo, tratou da transição energética para fontes de energia limpa. Os cientistas queriam as palavras “phase out fossil fuels”, ou seja, uma promessa para eliminar os combustíveis fósseis. Mas os países produtores de petróleo queriam fazer uma transição para longe de tais combustíveis, e ganharam. Virou o começo do fim do petróleo – um passo na direção certa, ao invés de um salto.
Uma COP diferente (talvez)

Apresentação de povos originários durante a cerimônia de abertura da COP30. Foto: Getty Images
Para entusiasmo de uns e ansiedade de outros, o governo brasileiro resolveu inovar. Ao invés de focar no documento final, a liderança da COP30 apostou tudo no conceito indígena de mutirão e passou dois anos fazendo networking e costurando planos. A ideia é fazer de Belém a COP da implementação do Acordo de Paris, capaz de “preencher a lacuna entre a retórica e a realidade”, como disse o presidente Lula em um discurso no domingo (09.11). Em outras palavras, a mensagem da presidência da COP30 é: não precisa, mas se rolar um grande documento consensual, seria bem legal.
O terreno foi preparado. Segundo o jornal The Guardian, ao longo dos últimos dois anos, dezenas de diplomatas, líderes comunitários e políticos foram convocados como embaixadores e enviados da COP30 pelo mundo. Foram criados vários círculos de experts, incluindo grupos de ex-presidentes de COPs, ministros de finanças, de energia, agricultura e negócios e líderes de comunidades indígenas. Muitos nem sequer se conheciam, e agora chegam a Belém conectados no WhatsApp.
Além disso, a Ministra de Meio Ambiente Marina Silva criou uma iniciativa por justiça climática batizada de Balanço Ético Global (GES, na sigla em inglês), com representantes de populações tradicionais e indígenas, comunidade desfavorecidas e mais grupos marginalizados e vulneráveis à mudança do clima. É a versão social do Global Stocktake, um processo do Acordo de Paris que avalia o progresso geral a cada cinco anos. O objetivo é fortalecer os atores mais impactados para que sejam considerados em todas as discussões daqui para frente.
Como se vê, é uma agenda ambiciosa. Com a situação do jeito que está, porém, a pressa e o preço se justificam.
1,3 trilhão de dólares + o possível imposto das bolsinhas
Normalmente, existe uma equipe de transição composta pela COP atual e pela COP anterior. Foi o que aconteceu entre os governos do Brasil e do Azerbaijão. Em Baku, a conclusão da conferência de 2024 foi a seguinte: será preciso 1,3 trilhão de dólares por ano até 2035 para financiar a transição energética e a adaptação global de maneira justa.
Para tirar a ideia do papel, veio o chamado “mapa do caminho”, batizado de Roteiro Baku-Belém. Divulgado em 5 de novembro, o documento traz uma série de propostas para reformar o ecossistema financeiro e conseguir o valor, envolvendo principalmente governos, bancos de desenvolvimento, instituições financeiras e os setores privado e filantrópico.
É ali que aparece a moda de luxo como uma possível fonte de financiamento. Sim, os looks e acessórios que rendem ganhos bilionários às grandes maisons estão na mira. Na parte sobre possibilidades financeiras para angariar fundos, lê-se: “Impostos sobre as vendas de alguns bens específicos, como moda de luxo, tecnologia e produtos militares, variando entre 34 e 112 bilhões de dólares, dependendo da participação e do peso de diferentes setores”.
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Não se sabe ainda como esse imposto ou taxa funcionaria – se é que vai existir. Mas não dá para dizer que vem do nada. A moda é uma das indústrias mais poluentes do planeta, responsável por entre 5 e 10% das emissões globais e 9% dos microplásticos nos oceanos. Além disso, é sabido que o 1% mais rico da população – justamente os clientes do luxo – é responsável por mais emissões de carbono que os 66% mais pobres.
E talvez você não tenha parado para pensar na moda enquanto questão climática, pelo menos não nesse alto nível de debate. Mas é porque a moda anda camuflada: ela se espalha por vários setores e indústrias, como economia, comércio, finanças, agricultura, pecuária, energia e transporte.
A programação da COP30 reflete essa variedade. Só para ter uma ideia, na agenda da ELLE temos: um painel sobre gestão de resíduos e economia circular (11.11, organizado pelo governo), uma conversa sobre saúde dos solos com experts internacionais, um evento sobre a descarbonização da indústria têxtil do Paquistão (12.11, no pavilhão do país), um papo sobre greenwashing corporativo (20.11, organizado pelo IDEC), e uma conversa aberta sobre moda e cultura como ferramentas políticas e ambientais (18.11, no espaço COP do Povo).
A moda e o clima
A título de exemplo prático, vamos a uma das empresas mais valiosas da Europa: a LVMH, avaliada em 307,22 bilhões de dólares e dona de marcas como Louis Vuitton, Tiffany & Co. e Dior. Em 2024, as atividades diretas do conglomerado foram responsáveis por 198.370 toneladas de CO₂ equivalente, que é a medida padrão. A divisão de moda e acessórios de couro emitiu 73.340 tCO₂e. Já o transporte desses produtos (que inclui atividades indiretas) gerou outras 309.690 tCO₂e, principalmente, por avião.
A diferença é grande porque, entre atividades diretas e indiretas, tem-se todo o universo de fornecedores. Uma atividade direta (3% da pegada de carbono da LVMH) é a eletricidade gasta em uma loja da Dior, por exemplo. Uma atividade indireta (97%) é obter a matéria-prima de um casaco, ou todos os passos de uma joia até chegar no ourives.

Em seu relatório ESG 2024, a LVMH ilustra a diferença entre os escopos de emissão de carbono: 97% vêm de atividades indiretas. Foto: Divulgação
É um inventário complicado, que vale para toda empresa de moda, e que nos faz refletir até onde vai a responsabilidade de uma corporação. É possível produzir sem danificar a natureza e continuar crescendo em ritmo forte? Ou manter todos os trabalhadores em condições dignas, mesmo num mercado globalizado? Tem como proteger cada cantinho da cadeia contra o desmatamento?
Os especialistas financeiros da COP30 não estão fazendo exatamente essas perguntas. O que eles propõem são novas regras e incentivos de mercado para que, no médio a longo prazo, a sociedade global e a natureza se beneficiem das decisões tomadas por grandes atores poluentes e sua clientela – incluindo a moda de luxo. Se vai vingar ou não, Belém dirá.
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