O que está por trás do desfile de Jacquemus no Palácio de Versailles
Apresentação da coleção de inverno 2023 do estilista francês é parte do processo de reposicionamento da marca no segmento de luxo.
Para a apresentação da coleção de inverno 2023, Jacquemus colocou os convidados em pequenos barcos brancos, enfileirados lado a lado em uma das margens do lago de Versailles, no caso, do Palácio de Versailles. A imagem impressionou mais uma vez e confirmou a facilidade do estilista na produção de desfiles grandiosamente simples, com alto poder de fixação na memória – como esquecer a passarela pink no meio de um campo de lavanda (verão 2020), a de madeira numa plantação de trigo (verão 2021) e aquela à beira-mar em uma praia havaiana (verão 2022)?
E os looks?
Nos looks, a paleta é sobretudo branca, com momentos de preto, vermelho e azul. A silhueta bebe de fontes diversas: underwear, streetwear, moda praia e alfaiataria clássica. Tudo construído para tornar corpo o protagonista, emoldurado pela transparência da renda chantilly, pelos recortes, assimetrias e comprimentos curtos.
Até aí, nada de novo sob o sol. A imagem é uma já muito bem associada à marca de Simon Porte Jacquemus. Aquele bom mix de tendências quentíssimas do momento, com uma sensualidade cheia de referências aos registros de moda e estilo nos refúgios de verão do sul francês. O que muda, agora, é o filtro nobre e aristocrático, que deixa tudo mais interessantes, ainda que nem sempre com bom caimento.
Duas das principais figuras no moodboard do estilista nesta estação eram a rainha Maria Antonieta e a Princesa Diana. Da francesa, vêm os volumes abaloadas, as minicrinolinas e as transparências rendadas com jeitão de lingerie. Sem contar em toda a teatralidade – das roupas e da apresentação.
E aqui vale mencionar como algumas tendências do inverno 2023 aparecem reinterpretadas com tecidos mais finos e aspirações sofisticadas. Vide as cuecas boxers aparentes debaixo de calças, bermudas e saias de cintura baixa. Aqui, elas chegam infladas e em tecidos acetinados. Os elementos utilitários que o designer tanto gosta chegam rendados e coletes superfinos.
Já dá britânica é possível encontrar conexões na maneira como as bolsas são carregadas, na escolha de joias e, principalmente, nos volumes nas mangas e ombros. Aliás, de acordo com Jacquemus, a construção bem anos 1980 nos braços é algo que ele gostaria de manter como mais uma assinatura da marca.
Jacquemus, inverno 2023. Foto: Getty Images
Reposicionamento
Pode soar estranho, afinal não foi sobre tais referências históricas que a grife se ergueu. Parte do seu apelo está na acessibilidade (os preços são consideravelmente mais baixos do que os das grande maisons) e interpretação atual, leve e sensual de códigos de moda e estilo mais ou menos conhecidos e fixados no imaginário popular.
No entanto, desde a chegada do CEO Bastien Daguzan, vindo da Paco Rabanne em meados de 2022, a Jacquemus iniciou um processo de reposicionamento com foco no segmento de luxo. A escolha da locação para o desfile de inverno 2023 faz parte desse plano, que inclui ainda aberturas de novas lojas pelo mundo e ativações para elevar a percepção dos consumidores e do mercado.
Simon pode não ser o melhor dos estilistas, mas é um ótimo marketeiro e criador de imagens. Qualidades tão – senão mais – importantes quanto o domínio e conhecimento técnico atualmente. Dito isso, a abordagem de um mundo e produto de luxo foi extremamente bem pensada e espertamente executada. Em vez de ambientar a coleção nos interiores dourados do palácio, Jacquemus escolheu uma área externa, cheia de verde e natureza, com construção como pano de fundo – fato que conecta a recente apresentação com as anteriores e oferece uma ideia de acessibilidade (visitar os jardins de Versailles é mais fácil do que adentrar seus prédios). E as roupas chegam com pensamento similar.
Jacquemus, inverno 2023. Foto: Getty Images
O diretor criativo deu o nome de Le Chouchou para o inverno 2023 de sua marca. Em francês, a palavra significa scrunchie, o famoso elástico de cabelo popularmente conhecido como xuxinha. A referência, contudo, não é apenas literal. Boa parte das roupas foram desfiladas com aparência amassada, embolada.
Como disse o estilista em entrevistas à imprensa, a ideia era dar uma aparência menos pomposa, mais real e reconhecível a elementos usados pela corte francesa nos interiores de Versailles. Mesmo raciocínio por trás das duas “musas” da coleção. Outra boa solução para a introdução de novos códigos e aspirações – técnicas e estéticas – dentro de uma visão e conceito comprovadamente bem-sucedidos.
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