Sorria, você está na passarela

Na temporada de inverno 2023, as modelos, que antes possuíam feições sérias e imóveis, abriram os seus melhores sorrisos.


modelo negra sorrindo na passarela da Emporio Armani
Emporio Armani Foto: Getty Images



“O clima é feliz, moderno, vivo. É um presente para as mulheres”, afirmou Gianni Versace minutos antes de apresentar ao mundo sua coleção de inverno 1991. Em meio ao silêncio da multidão, “Freedom”, de George Michael, ecoou pelo salão, abrindo o caminho para a chegada de Naomi Campbell, Linda Evangelista, Cindy Crawford e Christy Turlington. As modelos, que haviam acabado de estrelar o videoclipe da canção, cruzaram a passarela, em vestidos coloridos de comprimentos curtos, com os braços dados, passos dançantes e sorrisos largos. 

O momento se tornou a maior referência definidora da era das supermodelos. Entre algumas outras qualidades, o alto-astral irradiado por elas foi crucial para marcar a virada de um padrão perpetuado em frente às câmeras da moda. É que apesar de estarem na vanguarda das tendências culturais e estéticas, serem as primeiras a vestir roupas desejadas por muitos e viajarem o mundo, modelos não costumavam sorrir enquanto desempenhavam os seus trabalhos. E a história pode explicar.

Tudo começou lá pelo século 19 quando o estilista inglês Charles Frederick Worth, considerado o inventor da alta-costura, se referia às suas modelos como manequins. Viriam daí as expressões faciais vazias, quase imóveis, como se fossem os bonecos sem vida que vemos em vitrines. 

A preferência europeia pela conformidade, porém, não se tratava somente disso. Na época, o desdém era uma regra aristocrática para todos os retratos fotográficos. Além de demonstrar uma suposta civilidade, o rosto estóico representava inacessibilidade, se recusando a oferecer o sorriso de boas-vindas, hoje comum à vontade de interação.

Há ainda questões culturais. Na França, por exemplo, sorrir para desconhecidos é algo raríssimo. É que o gesto é considerado íntimo demais para ser divido, assim, com qualquer um, correndo ainda o risco de parecer bobo nesses casos.

victoria

Foto: Reprodução

Na história da humanidade, abrir a boca, mostrar os dentes e soltar uma gargalhada já foi considerado indício de loucura, bruxaria, pacto com o diabo, depravação e fraqueza. Vai entender… Ainda assim, o sorriso é provavelmente a forma de comunicação mais eficaz que se conhece – apesar de sua ambiguidade.

Mas desde então, da época de Worht, surgiram outras justificativas. Há quem diga que a risada de uma modelo desviaria a atenção de sua roupa. Outros defendem que só um bom carão é capaz de transmitir a confiança necessária. Por fim, há ainda uma espécie de piada interna entre os profissionais do mercado. “A moda roubou meu sorriso”, dizia uma camiseta usada por Victoria Beckham, raramente vista dando risada, em março de 2017. Algumas semanas depois, ao participar do programa The Late Show with James Corden, a designer explicou: “As pessoas sempre me perguntam porque não sorrio, então decidi brincar com isso”.

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Na temporada de inverno 2023, no entanto, uma vibração alegre tomou conta de algumas modelos. No desfile da Emporio Armani, o único item do cenário era uma fotografia contagiante da modelo e atriz Naomi Ditzler sorrindo, feita por Aldo Fallai, em 1994. A imagem, escolhida a dedo pelo próprio Giorgio Armani, foi a inspiração para todas as mulheres sorridentes que cruzaram a passarela. Na Versace, em um aceno às suas antecessoras que estrelaram o momento Freedom, Imaan Hammam permitiu que o seu riso surgisse durante a caminhada. 

Em outras coleções, como a de Isabel Marant, as modelos possuem sorrisos mais leves. Em um vídeo viral, a estilista aparece no camarim dando as instruções para elas: “Olhem para as pessoas, estejam lá. Não pareçam robóticas ou sem vida, por favor. Sorriam. Vocês têm alma”. Como já se espera de sua boemia e graça, a francesa compreende que há de se encontrar o riso. Ele, o riso, é uma filosofia, uma salvação, como defendia o escritor Eça de Queiroz. No caso da moda, que insiste em habitar a seriedade e frieza estóica, é também uma rebeldia.

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