Os principais desfiles e coleções de inverno 2023 na semana de moda de Paris
Depois de um mês de semanas de moda, que terminou com a Paris Fashion Week, reunimos os temas essenciais que definirão as tendências do inverno 2023.
Pode anotar: as palavras-chave da temporada de desfiles de inverno 2023 são funcionalidade, praticidade, intimidade e simplicidade (mesmo que só na aparência). Em linguagem digital, pode ser recession core, para os menos conectados vale a versão 2.0 do quiet luxury, nascido durante a crise financeira de 2008.
A conta foi de menos em todos os aspectos nesse mês de fashion weeks – começou em Nova York, no dia 10 de fevereiro, passou por Londres, Milão e acabou em Paris, na última terça-feira (07.03). Locações, cenários, número de convidados, celebridades, influenciadores e, principalmente, roupas e acessórios passaram por um processo de redução nesta estação.
Do ponto de vista material, tudo ficou com uma aparência mais simples, às vezes até cotidiana. Os tecidos do momento são fáceis e práticos, com destaque para as lãs, o algodão, o couro e um pouco de seda, das bem finas e transparentes às dubladas como as das saias brancas do inverno 2023 da Prada. A marca italiana, aliás, foi uma das que melhor trabalhou o tema dominante da temporada ao lado da Bottega Veneta e Ferragamo.
@ellebrasil Como é a Balenciaga após todo aquele B.O? Focada em roupas. Nesse vídeo, @Luigi Torre e @giulianamesquita falam sobre um dos momentos mais esperados da temporada. #balenciaga #demna #fashiontiktok #tiktokfashion #paris #pfw #inverno2023 #runway #fall23
Na Paris Fashion Week, vimos esse movimento com lupa na Balenciaga. Um fato curioso é que a coleção começou a ser desenhada seis meses antes do escândalo das campanhas. O volume seria abaixado invariavelmente. Caso a controvérsia não tivesse ocorrido, é provável que o desfile fosse mais elogiado por sua pureza de formas, construções e objetividade radical. É provável também que o estilista não tivesse um entendimento contextualmente mais amplo do que aquelas roupas, isoladas de interferências, representam. Nem nós. Mas isso é assunto para outro texto.
Aliás, o caso das campanhas da Balenciaga foi grotesco, porém simbólico de um fenômeno que já estava em curso. Você deve ter lido ou ouvido, está rolando um cansaço generalizado das mídias sociais. Não das plataformas em si, mas da maneira programática como tudo, cada detalhe e todos os aspectos da vida são documentados e compartilhados com muito fervor e pouca – quase nenhuma – espontaneidade.
As redes sociais não vão desaparecer. Talvez, quem sabe, tomara, mudem um pouco. Porém, quem está mais precisado de um reset ou atualização são seus usuários. De um lado, tem a marca, seus diretores e colaboradores. Eles entenderam rapidinho o modus operandi do atual sistema e conseguiram catapultar as vendas e lucros da empresa. Do outro, tem os consumidores e usuários em geral. Depois de sabe-se lá quantos anos, eles, até então relegados à posição de receptores, ganharam voz ativa e poder de decisão, ou pelo menos influência sobre algumas decisões.
Só que o mercado de influência, a dinâmica do jogo digital e a economia da atenção têm ritmo aceleradíssimo e tolerância zero para mesmice. A cada nova coleção, desfile e lançamento é preciso aumentar ainda mais o volume para o barulho ecoar pelos quatro cantos do mundo. Ouvir mesmo, nem precisa. Não dá tempo e, às vezes, é melhor assim. Vai que tem algo problemático ali no meio. Do outro lado, em outras telas, rolou uma confusão com a multiplicidade de vozes. O que acreditava-se ser um avanço democrático, virou um pega pra capá por quem grita mais alto e impõe sua visão e opinião como se fosse a única realmente válida.
Diz que toda moda acaba em excesso. Pois bem.
Menos é mais
Um exemplo inteligente de subtração é a Saint Laurent, onde o diretor criativo Anthony Vaccarello parece focado em reduzir cada nova coleção a uma peça que considera essencial. Dessa vez, foi a jaqueta. Ela aparece em versão de alfaiataria, quase sempre derivada do famoso Le Smoking de Yves Saint Laurent, nos ternos escuros, como uma bomber oversized de couro ou alongada, combinada com um vestido preto justo com cinto dourado, ou com uma saia esguia e uma blusa ampla com laço na gola.
@ellebrasil Enfim, na Semana de Moda de Paris, a última do calendário internacional, damos o start oficial com @dior. Inspirada em Edith Piaf, Catherine Dior e Juliette Gréco, a maison explorou o ultrafeminino da década de 1950, atualizando-o para um guarda-roupa contemporâneo completo. Dê play no vídeo que o editor digital @gabrielhmonteiro explica tudo! (vídeo: @ricardojfer) #PFW #ELLEnaPFW #fashiontiktok #fashionweek #dior
Quase todo o desfile de inverno 2023 da Dior é baseado na simplificação e leveza de alguns clássicos da maison, como a linha tulipa, as saias godês do New Look e as jaquetas bar. Com construções e estruturas suavizadas, saias pretas, camisas de algodão brancas e ternos xadrez reforçam a ideia de que roupas comuns, que usamos todos os dias, são tão ou mais interessantes do que outras excessivamente costuradas e enfeitadas.
Anos 1950
Assim como o da Dior, a coleção de inverno 2023 da Balmain bebe – grandes goles – da fonte de inspiração dos anos 1950. Foi naquela década que o fundador da casa, Pierre Balmain, se tornou um dos principais nomes da moda francesa graças a suas criações glamourosas e ricas em detalhes. Um verdadeiro shot de exuberância após os horrores dos anos de guerra.
Tudo isso foi reeditado para o presente e com humor. Depois de três temporadas apresentando coleções em verdadeiros festivais com milhares de pessoas, o diretor de criação Olivier Rousteing optou por uma locação intimista com capacidade para 220 convidados. Sua moda também se adequou ao espaço e à circunstância.
@ellebrasil Um pouco sobre a coleção de inverno 2023 da @Balmain via nossa repórter @giulianamesquita, vem ver! #semanademodadeparis #fashiontiktok #tiktokfashion #inverno2023 #paris #pfw #balmain #olivierrousteing
Numa ruptura drástica com o que vinha fazendo, Olivier apresentou uma interpretação inteligente da alfaiataria com cinturas bem marcadas, decotes ombro a ombro e uma profusão poás, laços chapéus – assinados por Stephen Jones. Parece arrumado demais, porém são peças intercambiáveis e fáceis de combinar. E os acessórios são um show à parte, cobertos por cristais ou com um monograma vintage, desenhado em alusão às malas usadas por trabalhadores da época.
É uma imagem conhecida da década de 1950, quase clichê. É também uma imagem desenhada sob a ótica estadunidense. Com um oceano de distância das barbáries da Segunda Guerra Mundial, os EUA saíram prósperos, praticamente intactos e riquíssimos após o término dos conflitos. Na Europa, a coisa não era tão adocicada assim. Levou um bom tempo para os racionamentos de matérias-primas, energia e alimentos cessarem e para que as feridas, metafóricas e literais, cicatrizarem.
Vem um pouco daí a austeridade sombria que pairou sobre os desfiles da Paris Fashion Week. Na Dior, por exemplo, a diretora de criação Maria Grazia Chiuri olhou para três mulheres, cada uma um símbolo diferente de resistência durante a ocupação nazista: as atrizes e cantoras Juliette Gréco e Edith Piaf e Catherine Dior, irmã de Christian Dior, ativista, membro da resistência francesa, sobrevivente dos campos de concentração e empreendedora.
Dries Van Noten incorporou a estética do pós-guerra em sua coleção de inverno 2023 com tecidos ricos, mas desbotados, com construções sofisticadas e caimento natural. A imagem comunica facilidade, praticidade e, ao mesmo tempo, amor pela história daquela roupa. Dá para perceber isso na maneira como os detalhes artesanais lembram reparos ou customizações feitas em peças antigas, talvez passada de geração para geração. Cheias de memórias, cheias de vida.
Intimidade
Embora muitos estilistas enfatizem o valor do toque humano, das manualidades, são poucos os que discutem a experiência única de vestir e viver em suas criações de um jeito não impositivo. Raramente as roupas são tratadas como plataformas para personagens com qualidades particulares e individuais. Mais comum é o estilo do criador prevalecer como protagonista.
Assim as marcas de luxo estabelecem, mantêm e reforçam suas identidades. Com uma constante reprodução de estilos familiares nas roupas e no que está ao redor: desfiles, celebridades, influenciadores, ações de marketing etc. Ao final, sobra pouca inovação de fato, há apenas uma sensação de novidade. Não que os consumidores se incomodem. A mímica desses padrões é precisa em festas e eventos publicitários, no feed e no story da sua rede social favorita. Daí aquele comentário de que fulano não tem estilo pessoal, está sempre fantasiado.
Calma, nem tudo está perdido. Alguns estilistas viram aí uma oportunidade para pensar a moda como uma ferramenta para tornar a vida um pouco mais fácil. A partir do entendimento da roupa como algo funcional, capaz de solucionar problemas, servir a um propósito, a ideia é recuperar a essência primordial do conceito de design e aplicá-la de maneira interessante e contextualizada.
@ellebrasil Hoje foi dia de @LOEWE e nesse vídeo nosso editor de reportagem @Luigi Torre conta tudo sobre o desfile #loewe #jonathananderson #fashiontiktok #tiktokfashion #paris #pfw #inverno2023 #runway #fall23
Um deles é o irlandês Jonathan Anderson, diretor de criação da Loewe. Na sua mais recente coleção de inverno para a marca espanhola, ele fala de intimidade por meio de roupas de formas bastante simples, quase básicas – sempre uma base retangular ou quadrada caindo solta sobre o corpo. Um look que representa bem essa ideia íntima é o vestido de seda amassada. Você com certeza já viu essa cena, capaz de ter até vivido: a mulher, recém-saída da cama onde dormia ou não, pega o lençol para cobrir o corpo e sai andando, segurando aquele vestido improvisado com os braços cruzados.
Não é só isso. Jonathan anda meio obcecado com o conceito de representação e como boa parte de nossas vidas é mediada por plataformas digitais. Então, um trench-coat fica meio desfocado na imagem impressa sobre um vestido branco. Tem também vestidos coloridos com texturas amassadas, tricôs, estampa floral, até um cardigan adesivo – sim, de papel colado no corpo, e estará à venda nas lojas da marca.
Para o estilista, essas peças são um comentário sobre parte da sociedade. As imagens borradas sobre os vestidos representam a fragilidade da memória. O suéter colante e descartável simboliza o luxo produzido em massa e o desperdício. E a jaqueta impecavelmente lisa retrata a mania de manipular nossa aparência digital ou cosmeticamente.
Foco na Miu Miu
Mas foi Miuccia Prada, de novo ela, agora na Miu Miu e na Paris Fashion Week, quem fez o desfile mais convincente, fresco, atual, criativo e desejável dessa moda do dia a dia que tanto se falou na temporada.
Suas modelos vestiam jaquetas de couro, agasalhos de moletom oversized, cardigans, óculos, saias lápis com a cintura de meia-calça aparecendo e cobrindo parte da camisa ou agasalho. Ou apenas calcinhas brilhantes. Calças pra que? Miuccia adora tirar elas de cena. Aqui, porém, o styling, os fios de cabelo fora do lugar de quem acordou atrasado ou se permitiu um date aleatório e fora de hora, a falta de roupa, as sobreposições confusas, as imperfeições, a aparência inacabada, tudo expressa um senso de realidade facilmente relacionável (quem nunca?) e a noção de intimidade funcional, que deveria estar no cerne de qualquer criação de moda.
@ellebrasil E chega ao fim mais uma temporada de moda, mas não sem um estouro da @Miu Miu! Nesse vídeo, a repórter @giulianamesquita conta tudo! O que acharam? #fashiontiktok #tiktokfashion #paris #pfw #inverno2023 #desfiles #runway #miucciaprada #miumiu #miagoth
O que Miuccia mostrou na Prada (ao lado de Raf Simons) e na Miu Miu, é uma possibilidade de interromper a automatização de fórmulas repetitivas e desgastadas e investir em individualidade e criatividade genuínas, pensadas para pessoas reais, fora dos stories. A indústria como um todo pode se beneficiar disso. Basta as marcas não terem medo de comprometer uma parcela dos seus lucros, assumir riscos e experimentar novas ideias.
Eu sei quem eu sou. Não sei quem eu sou
Outras marcas e designers com propostas e ideias similares a de Miuccia são Daniel Lee, na Burberry, com uma coleção baseada em tradições britânicas; Matthieu Blazy, na Bottega Veneta, com sua visão dos encontros aleatórios e da vida social italiana; Anthony Vaccarello, na Saint Laurent, com seu edição essencial da elegância francesa e Nicolas Ghesquière, na Louis Vuitton, com um estudo colaborativo sobre o tal je ne sais quoi do estilo parisiense.
A mais recente coleção de inverno da maison francesa de luxo mais conhecida do mundo conta com um mix de referências vintage (uma marca registrada de Ghesquière), casacos de lã com corte geométrico e ombros largos, saias rendas sobre leggings e pencas de acessórios: minibolsas, botas de cano baixo, sapatos de salto baixo com alça no tornozelo e até óculos com luz de LED.
De um modo geral, a indústria da moda está cada vez mais dividida entre grifes que possuem uma identidade e integridade bem definida e aquelas inconstantes e instáveis. Um exemplo deste último grupo é Matthew M. Williams, diretor criativo da Givenchy há três anos e ainda em busca de uma linha ou estilo para chamar de seu dentro da maison. A cada nova coleção, uma ideia diferente, sem continuidade, sem conexão.
Na Chloé, a diretora de criação Gabriela Hearst deu passos importantes rumo a uma produção mais responsável ambiental e socialmente. No entanto, seus esforços acabam tomando o palco para si. Vai ver é para esconder o fato de que suas roupas não têm conexão com a essência jovem, leve e irreverente da etiqueta francesa.
@ellebrasil Simplicidade, atemporalidade e praticidade não são novidades na Hermès, mas a base de tudo. @Luigi Torre conta mais sobre o desfile de inverno 2023 #fashiontiktok #tiktokfashion #paris #pfw #inverno2023 #hermes
É tudo questão de tempo, né? Pena que os chefes da coisa toda, os executivos por trás dos grandes conglomerados de luxo, não estão dispostos a esperar. Hoje, são poucos os profissionais com mais de dez anos numa mesma casa. Uma delas é Sarah Burton, diretora de criação da Alexander McQueen. Outra é Nadège Vanhee-Cybulski, da Hermès. Ambas são responsáveis por coleções extremamente fortes nesta temporada e defensoras fervorosas da abordagem de longo prazo para a criatividade.
E tem os independentes, os lobos solitários. Tipo Rick Owens. Suas formas cruas, quase brutas são totalmente incomuns, mais ainda numa estação em que vestibilidade se tornou uma qualidade desejada, sinônimo de um modo esperto de criar e vestir, e não um eufemismo para chato e banal.
Pense em um casaco ou minivestido de couro preto, inflado como um edredom, enrolados pelo corpo até terminarem em uma cauda. Paetês de prata, rosa metálico, bege e, novamente, preto parecem esculturas macias, feitas de materiais usados em tubulações de ar condicionado. Na parte mais prática, tem casacos de lã arredondados, blusas de cashmere reciclado, capas curtas e saias jeans longas com cauda desgastada com laser ao ponto de parecer uma renda ainda não finalizada.
O olhar atento vai perceber as referências à natureza e à arquitetura e arte egípcia, por exemplo. É diferentão, mas faz sentido, pois são resultados ou uma continuação de um processo de pensamento singular, contínuo e de longa data, quase sempre relacionada à forma como os seres humanos se vêem, se entendem e se representam. No fim é sobre isso. Relações íntimas, sociais, funcionais, criativas, particulares, coletivas e plurais.
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