Entre Balmain e The Row, questões sobre intimidade nos desfiles de Paris

Apresentações intimistas e roupas com aparência de vividas se contrapõem a shows espetaculosos e criações feitas meticulosamente para o entretenimento na Paris Fashion Week.


Coleção de verão 2023 da The Row, na Paris Fashion Week



A seda prensada, “o tecido que nunca deveria ter sido inventado”, como brincou o editor de moda Lucas Boccalão, já é uma das principais tendências de moda das coleções de verão 2023. É também uma de gosto bem duvidoso, dada a associação do efeito a um estilo de moda festa já bastante saturado, para não dizer desgastado. O material de aspecto amassado, contudo, têm significados outros nesta temporada.

Quem deu a letra, como de costume, foi Miuccia Prada, agora ao lado de Raf Simons. Na Milan Fashion Week, a dupla explorou como os hábitos humanos marcam tecidos, definem silhuetas. Daí as marcas que, normalmente, aparecem depois que uma peça é usada. Aquelas dobrinhas na parte de dentro dos cotovelos, atrás dos joelhos, no ajuste da cintura, sabe? Então, foram reproduzidas artificialmente por meio de recursos de passaderia e prensa quente.

The Row, coleção de verão 2023

Na quarta-feira, 28.09, a The Row, etiqueta das irmãs Mary-Kate e Ashley Olsen, evocou sensação similar por meio de sobreposições, amarrações, dobraduras, pences e aberturas nas mangas de blazers e camisas que vinham amarradas ou enroladas, como se abraçassem o corpo.

A apresentação da coleção de verão, num salão iluminado com luz natural, focada em peças que se destacam pela qualidade e precisão de corte e dos materiais dos quais são feitas, propõem uma alternativa à cacofonia artificial e espetaculosa que se confunde com a vida real em tempos hipermidiáticos. Sobretudo, lembram de sensações mais pessoais, íntimas até.

Modelo desfila alfaiataria preta na coleção de verão 2023 da The Row, na Paris Fashion Week

Desfile da coleção de verão 2023 da The Row, na Paris Fashion Week. Foto: Divulgação

Undercover, coleção de verão 2023

Com viés mais poético, Jun Takahashi, da Undercover, apresentou uma coleção sobre feridas, processos de cura e cicatrizes. A desconstrução, tão presente em seu trabalho, aparece aqui na forma de recortes e aberturas, algumas delas sobrepostas a rendas, babados ou arrematadas por rosas, como na camiseta navalhada que correu por um sem número de stories.

Modelo desfila camiseta preta escrito Love na coleção de verão 2023 da Undercover, na Paris Fashion Week

Desfile da coleção de verão 2023 da Undercover, na Paris Fashion Week. Foto: Divulgação

Dries Van Noten, coleção de verão 2023

Dries Van Noten recorreu à metáfora do florescer de um jardim após um inverno sombrio para marcar seu retorno às passarelas depois de quatro temporadas de apresentações digitais ou estáticas. Com um desfile em blocos – o primeiro todo em preto, depois com tons esmaecidos até explodir em cores, estampas e bordados –, o belga também evoca a sensação de roupas vividas.

Em outras palavras, tanto os volumes e drapeados presos com alfinetes de vidro, no início, passando pelas sobreposições de florais, tecidos enrugados até as ricas texturas, remetem a qualidades bastante humanas, 100% abertas a imperfeições. A sala de concreto, com plateia bem próxima às modelos, com certeza ajudou nessa percepção.

Balmain, coleção de verão 2023

Já na Balmain, o espetáculo armado num estádio, com milhares de convidados, teve efeito ambíguo. De um lado, colaborou para a ideia de uma moda mais aberta e inclusiva pela qual o diretor de criação Olivier Rousteing advogada. Por outro, impossibilitou que os presentes pudessem apreciar os detalhes e construção elaborada aplicada numa das melhores coleções da grife nos últimos tempos.

Com estampas de pinturas renascentistas combinadas a plissados, drapeados e à alfaiataria bem estruturada – e a participação de Cher ao final –, a coleção de verão 2023 mostra uma ruptura, uma evolução estética no trabalho do estilista. Os looks de alta-costura do final, feitos de cordas e outros materiais de origem natural, apesar de um tanto rígidos demais, caminham no mesmo sentido. Falta só ajustar o entendimento da moda como entretenimento com outro preceito básico do meio: a relação íntima entre roupa e consumidor.

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