Uniforme extrapola linhas das quadras de tênis
O traje do esporte, outrora tradicional, toma distância do passado para invadir passarelas, ruas e, claro, torneios, com uma estética bem diferente daquela que já foi sinônimo de dor.
Quando Coco Gauff, Rafael Nadal, Novak Djokovic e mais uma série de atletas chegaram às quadras de Wimbledon, na Inglaterra, eles não eram os únicos vestidos com o uniforme do esporte famoso naquele trecho de Londres. Nas arquibancadas, os torcedores que acompanhavam as partidas do torneio de tênis mais antigo do mundo, que ocorre anualmente entre junho e julho, vibravam com as mesmas peças dos ídolos, mesmo aqueles que nunca seguraram uma raquete ou colocaram os pés em uma linha de base.
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Essa imagem dialoga com o revival incontestável do look das quadras nas últimas passarelas, tanto as de moda feminina quanto as masculinas que acabaram de ser desfiladas para o verão 2023 do hemisfério norte. Elas são provas de como a intersecção entre a extravagância e os elementos ativos do esporte impactou a indústria da moda de uma maneira que até hoje continua ressoando.
Pense, por exemplo, no verão 2022 da Dior, em que a sensibilidade do design foi fundida a tecidos de alto desempenho. Já a Bottega Veneta, na mesma temporada, trouxe de volta as silhuetas clássicas do tênis adaptadas para o consumidor moderno. Enquanto, no inverno 2022, a Miu Miu ofereceu peças versáteis o suficiente para serem usadas antes e após a partida.
Nada se compara, porém, ao verão masculino 2023 de Thom Browne. Uma narração que deu início ao desfile falava sobre os anos 1950, quando as mulheres eram cisnes e os homens eram seus benfeitores. “Eles têm prazer em pagar a conta”, dizia a gravação. Na passarela, em uma referência às regras sociais de gênero, os visuais jogavam com a uniformidade. Mas, ali, ela foi revirada, revelando a individualidade. Não à toa, para os homens, o uniforme do tênis incluía minissaias acompanhadas por croppeds que expunham a roupa íntima.
Talvez alguns se recusem, outros deem risada e só uma parcela do público tenha sido agradada. Mas o estilista está acostumado. Para ele, a moda nunca foi sobre o conformismo do homem cis-hétero. O tênis, no entanto, girou em torno disso durante séculos –o que parece fora de sintonia com o clima cultural atual, onde as virtudes de apelo e acesso global são alardeadas.
Thom Browne, verão 2023 masculino. Foto: Divulgação
Bottega Veneta, verão 2022. Foto: Divulgação
Christian Dior, verão 2022. Foto: Divulgação
As origens da herança entre a moda e o jogo remontam ao século 16. Graças a uma quadra construída em um dos palácios de Henrique 8º, então rei da Inglaterra, o primo do tênis moderno selou seu lugar no coração da nobreza. Na época, o combo característico formado por shorts e camisa polo ainda não existia. É que as roupas, embora fossem projetadas especialmente para as partidas, não costumavam variar muito das usadas pela aristocracia no cotidiano.
Mostrando quase nenhuma pele, os homens vestiam calças e camisas engomadas de mangas compridas, o que tornava restrita a amplitude dos movimentos. Para as mulheres, era ainda pior. Ao vestirem corset, chegavam ao fim das partidas ensanguentadas. As peças deveriam ser sempre brancas e, logo, eram sujas a cada jogo, exigindo uma equipe inteira para lhes manter imaculadas.
Nada ali era à toa, tudo parecia estrategicamente escolhido para sinalizar privilégio. Ao longo dos séculos seguintes, a burguesia, à medida que se empenhava para seguir os passos da nobreza, também adotava as tradições.
REVOLUÇÃO DO CROCODILO
Foi só nos anos 1920 que inovações começaram a se desenrolar. A Primeira Guerra Mundial havia acabado de chegar ao fim, trazendo consigo uma instabilidade política e econômica ao redor do globo que influenciou as regras ligadas ao ethos de vestir. Neste momento, uma das forças dominantes do tênis era René Lacoste. O francês apelidado de “o crocodilo” já havia sido o campeão de Wimbledon duas vezes, mas se tornou um nome ainda maior quando apresentou sua invenção de estilo.
Substituindo os punhos, gomas e excessos dos dias anteriores, a camisa de René era de algodão e possuía gola leve e mangas soltas que terminavam acima do cotovelo. Ali, ele mudava para sempre não só o uniforme do esporte, como também os guarda-roupas coletivos. “A Polo Lacoste é uma peça que revolucionou a moda e, desde a sua criação, se mantém atual, transcendendo gerações, gêneros e estilos”, afirmou Eduardo Rodrigues, diretor de marketing da marca na América Latina, em conversa com a Elle Brasil.
A história do tênis se confunde com a história moderna. Com o passar do tempo, a mobilidade das jogadoras já não era mais severamente limitada. Tornou-se aceitável mostrar pele e experimentar peças coloridas. A liberdade passou a ser apreciada. E, assim, a moda do esporte continua a se mover longe do reino velho e abafado. Às vezes, rapidamente. Às vezes, lentamente. A única constante é a mudança. Embora tenha como objetivo manter a bola dentro das linhas, não há limites para a sua evolução.
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