Os destaques do quinto dia de SPFW

Apartamento 03, Ângela Brito e Isaac Silva falam sobre o tempo, memórias, pandemia, sobrevivência e humanidade em suas novas coleções.


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“Vivíamos reclamando que não tínhamos tempo o suficiente e, de repente, não sabíamos o que fazer com tanto tempo”, fala Luiz Cláudio, diretor criativo e fundador da Apartamento 03. Ele se refere aos meses de quarentena e isolamento social, quando se via criando, longe do ateliê e de sua equipe, sem saber bem o que e para quem.

Ângela Brito viajou em dezembro para visitar a família em Cabo Verde, seu país de origem, e acabou ficando lá por seis meses. Quando chegara a hora de voltar, as fronteiras foram fechadas novamente devido a um pico de contágios de Covid-19. Ele conta que o imprevisto serviu como uma possibilidade para mergulhar em memórias de pessoas e ambientes que não havia há uns 26 anos.

Com números de mortes e novos casos em declínio, é fácil esquecer ou fingir que os últimos quase dois anos não aconteceram. Mais ainda, achar que a pandemia já acabou. “Não terminou”, reforça Isaac Silva. “E esse desfile é uma forma de agradecimento a nós. Porque o governo diz para a gente não se vacinar e a população faz ao contrário. Isso é um respiro.”

É no mínimo curioso que só no penúltimo dia de SPFW o assunto pandêmico tenha aparecido. Não se trata de pessimismo, apenas de consideração e respeito. Momentos antes de sua apresentação, Luiz Cláudio comentou sobre isso, sobre como foi difícil pensar em um desfile sem parecer que nada havia acontecido. Decidiu, então, falar de cura – daí as estampas de plantas com tais características medicinais – e aproveitou para jogar luz ao trabalho manual e de ateliê (ou seja, em equipe) que sua moda emprega.

Nas roupas, a alfaiataria impecável, as assimetrias e sobreposições são destaque, assim como os tecidos molinhos que compõem a silhueta alongada e confortável que muitas vezes simula uma desconstrução do smoking. As plantas que inspiraram suas estampas também aparecem em forma de cintos, colares e faixas que complementam o styling do desfile. Mas as imagens mais impactantes são aquelas das peças feitas de um tecido tramado semelhante à palha. Elas fazem referências a entidades que protegem e curam em momentos de insegurança.

Durante sua estadia prolongada em Cabo Verde, Ângela Brito se viu imersa em álbuns de família. Se encantou principalmente com as fotos tiradas pelo seu pai, um advogado apaixonado por fotografia. Dessas imagens surgiram as estampas que roubam a cena de sua nova coleção. Elas foram digitalizadas e aplicadas sobre bases de algodão e outros tecidos naturais e, então, decoradas com correntes e outros objetos, que lembram joias e artefatos passados de geração em geração.

“Fiquei seis meses dormindo no meu quarto de criança, que estava exatamente igual, porque minha mãe não desapega”, diz ela. Isso explica algumas influências da cartela de cores e peças que remetem a roupas infantis e uniformes escolares. O mergulho no passado serve ainda para recuperar looks e elementos essenciais da marca da estilista, como as assimetrias, amarrações, modelagens modulares e multifuncionais.

A alfaiataria é um destaque à parte. Leve, natural e com um jogo de sobreposição de camadas não muito diferente da maneira como as imagens e lembranças se sobrepõem e se confundem em nossa memória. Em resumo, uma coleção com qualidade humanas e cheia de emoção.

E emocionante foi também o desfile de encerramento da SPFW, mais uma vez a cargo de Isaac Silva, que abre uma nova loja, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, no dia 28.11. A coleção é uma homenagem a sua Bahia. Com casting de amigos, modelos e algumas celebridades, Isaac enche a passarela de energia e bom humor, numa verdadeira celebração à cultura, às pessoas e aos estilos do estado onde nasceu e cresceu – sem clichês e com uma interpretação afiada de elementos dos mais essenciais.

O desfile marca a segunda edição da parceria entre as marcas Isaac Silva e Havaianas, dessa vez para além dos calçados, com sunga, maiô e camiseta. Há também uma boa gama de peças baseadas em variações de camisaria, roupas coladas ao corpo, feitas de um tecido ecológico e impermeável, e aquelas peças de streetwear já conhecidas do estilista e agora aprimoradas em modelagem e tecidos.

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